quarta-feira, 17 de abril de 2024

LOS ANGELES, ESTADOS UNIDOS - Império em decadência

Los Angeles vista do Observatório Griffith, nos morros de Hollywood (Acervo do autor, 2024)

Baixos e altos no “glamour” de Hollywood, famoso bairro de Los Angeles

Lucas Chiconi Balteiro
diplomatique.org.br/

Los Angeles é a segunda maior e mais rica cidade dos Estados Unidos, atrás somente de Nova York. É a terceira com maior PIB no mundo, com a japonesa Tóquio em primeiro lugar. Hollywood é evidentemente marcada pela sua potente indústria cinematográfica, sobretudo como enorme exportadora da cultura estadunidense. São enormes os números de produções que levaram a cultura dos bairros suburbanos da metrópole, como filmes adolescentes que mostram realidades de classe média nas regiões de San Fernando Valley, Pasadena, Santa Clarita e San Bernardino, e de uma das elites mais midiáticas do mundo, sobretudo em Santa Mônica, Venice Beach, Malibu, Beverly Hills, West Hollywood e Calabasas. É nesta última, uma pequena municipalidade em formato de enclave fortificado, que vive a família Kardashian.

Quando a região vem em mente, surgem lugares como o sinal de Hollywood sobre os morros, os letreiros luminosos da Hollywood Boulevard, a calçada da fama e eventos glamourosos. O que pude encontrar não foi nada disso. Aliás, mais ou menos. O famoso sinal sobre os morros estava lá, mas as condições de limpeza e higiene das avenidas principais e o acesso pelo sistema de metrô foram surpresas bem negativas. Além de ter intervalos longos entre uma composição e outra, cerca de 10 a 15 minutos a depender da estação, o metrô de Los Angeles é sem muitas dúvidas um dos mais sujos e inseguros do mundo. Resíduos e ratos nos trilhos, pisos com marcas ressecadas de algum líquido que caiu há muito tempo e nunca foi lavado, um cheiro forte de maconha que é quase onipresente e que se mistura com urina, mofo e até fezes.

Vista da Hollywood Boulevard com Downtown Los Angeles ao fundo, a partir do Ovation Mall (Acervo do autor, 2024)

A quantidade de pessoas em situação de rua circulando é alta, mas o que chama atenção são as condições de desumanidade e falta de dignidade diante do estado psicológico e físico em que se encontram. Pessoas vivendo em realidades paralelas, sem calçados, com ferimentos na cabeça, mãos e pernas, entre outras condições vulneráveis, independente do gênero. O esvaziamento de grande parte das estações e a falta de segurança recorrente são um prato cheio para a sensação de insegurança. São raros os espaços e momentos onde vemos funcionários do sistema. Movimentações duvidosas vindas de figuras masculinas acabam por nos deixar em pânico e alerta constante. É preciso lembrar que estamos na cidade que, além de símbolo da indústria cinematográfica estadunidense, é também símbolo máximo do rodoviarismo do mesmo país. Los Angeles é cortada e estruturada por imensas vias expressas e não são poucas as produções audiovisuais que fazem piadas com a situação, como é o caso da personagem Samantha Jones em Sex and the City, quando faz uma visita às suas amigas em Nova York e relata ter esquecido de como era usar suas pernas para caminhar.

Acampamento de pessoas em situação de rua na Hollywood Boulevard (Acervo do autor, 2024)

Hollywood é uma área razoavelmente diversa para os padrões angelenos, com uso misto do solo e diferentes modos de ocupação, entre casas, prédios de apartamentos, escritórios, comércio e serviços. Contudo, ainda bastante limitada a certas tipologias e com muitas áreas de estacionamento que não foram construídas. É nítida a diferença entre os novos empreendimentos imobiliários e o lugar anterior, onde as novas edificações tentam atrair outros olhares e investimentos, mesmo que sem mudar a qualidade da limpeza dos espaços públicos e do sistema de metrô. Talvez uma maneira de demarcar as diferenças socioespaciais no país da máxima da propriedade privada, com placas em comunidades de classes médias e altas que alertam para os sistemas de vigilância, a parceria com a polícia local e para não adentrar os jardins, que funcionam como muros simbólicos.

Dos novos espaços privados mais significativos estão uma série de edifícios residenciais com várias placas de “aluga-se” e o Ovation Mall, um shopping center em formato semi-aberto que serve de mirante para Hollywood e forma um complexo junto de um hotel e dos tradicionais teatros Dolby e Chinês. A paisagem também conta com número significativo de edifícios antigos, verticais e horizontais, normalmente em esquinas, de estilo Art Déco. Entretanto, contrastam com o fachadismo do entretenimento que dá cara à Hollywood Boulevard. A desigualdade é enorme entre os morros ocupados por mansões e a área plana, principalmente de centralidades. Pessoas em situação de rua com sérios transtornos mentais e físicos se misturam aos turistas que são a clara maioria dos pedestres. É imperativo que a massa das pessoas em situação de vulnerabilidade seja negra, sobretudo preta.

Corredor de palmeiras e pobreza nas ruas de Hollywood (Acervo do autor, 2024)

Pode parecer pedante relatar mais um caso de rodoviarismo, mas não foi surpresa perceber que até o Aeroporto Internacional (LAX) é estruturado por grandes vias entre os terminais, em um formato que em outros tempos poderia ser visto como “futurista”. Todo o percurso a partir de Downtown é formado por imensas rodovias entre diversos bairros, o que nos leva a reparar em linhas de metrô que estão em superfície e implantadas entre as estruturas rodoviárias, fazendo-nos pensar que, até mesmo o transporte metroviário está sujeito a obedecer às orientações da supremacia do carro. Inclusive, a linha de metrô que vai até Santa Mônica é de superfície e precisa parar em vários cruzamentos para dar passagem aos carros no trajeto.

Região de South Los Angeles vista de uma rodovia (Acervo do autor, 2024)

Músicas populares como California Gurls, de Katy Perry e Snoop Dog, mencionam lugares como Palm Springs e Laguna Beach, assim como a onipresença das palm trees (palmeiras) como referência da paisagem do sul da Califórnia. A música foi escrita em resposta à Empire State of Mind, de Jay-Z e Alicia Keys, sobre Nova York. Assim como Rio de Janeiro e São Paulo, existem rixas culturais e econômicas entre as duas megacidades estadunidenses que, diferente das brasileiras que formam uma macrometrópole contínua, estão em extremidades geográficas opostas no país. Na última década também foi a vez de Fergie declarar seu amor por Los Angeles em L.A. LOVE (la la), onde circula pela cidade em um trailer com uma enorme caveira mexicana que mistura suas cores com os letreiros da Hollywood Boulevard. De modo globalizante, canta uma homenagem para Los Angeles citando uma série de outros lugares pelo mundo, como Tóquio, Moscou, Londres, Rio de Janeiro, São Paulo, México e Joanesburgo. E claro, Hacienda Heights, sua comunidade natal no leste de Los Angeles. Dentre tantas identidades possíveis para a metrópole do super espraiamento e da segregação rodoviarista, seria uma delas a do genérico-decadente de Hollywood? Foi um prazer, LA.


Lucas Chiconi Balteiro é arquiteto e urbanista, mestrando em História e Fundamentos da Arquitetura e do Urbanismo na FAU/USP e membro dos grupos de pesquisa “Cultura, Arquitetura e Cidade na América Latina” (CACAL, FAU/USP) e “Cidade, Arquitetura e Preservação em Perspectiva Histórica” (CAPPH, UNIFESP).

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