A preparação dos Bolsonaro para disputar as eleições de 2018 começou muito antes do período autorizado pela Justiça Eleitoral. Contando com a vitória, o clã fazia planos. Numa tentativa de maquiar o passado, o então pré-candidato, ciente de seus pontos sensíveis, do que podia atingir a ele e à família, dava início a uma operação pente-fino.
Seus assessores tinham tarefas a serem cumpridas. O policial Fabrício Queiroz, por exemplo, ficou encarregado de dar um jeito em algumas pessoas que, embora lotadas no gabinete, não davam expediente lá. Eram os funcionários-fantasmas do gabinete de Flávio Bolsonaro, e cabia a Queiroz ajudar a administrar o grupo.
No meio da manhã de 5 de dezembro de 2017, Queiroz enviou uma mensagem a Danielle Mendonça da Nóbrega. A conversa começou às 10h11 e durou 45 minutos.*
“Quando você puder, queria te encontrar e entregar seus contras [contracheques] e conversar [com] você.”“Oi meu amigo. Bom dia. Ah podemos sim. Só me avisar. É conversa boa ou ruim?”“Sobre seu sobrenome não querem correrem risco, tendo em vista que estão concorrendo e [a] visibilidade que estão. Eu disse que você está separada e está se divorciando.”“Ah entendi. Verdade meu amigo.”“Vocês estão se divorciando?”“Não.”“Hummm.”“Continuamos casados. Separados de corpos. Você acha que vai pegar alguma coisa?”“Estão fazendo um pente-fino nos funcionários e família deles. Saiu uma matéria já no Globo de domingo.”
“Ah não leio jornal. Nem vejo tevê. Fico por fora. Mas me segura lá.”“Tentarei.”
O alerta do clã Bolsonaro foi disparado por uma reportagem de O Globo. Dois dias antes, o jornal publicara que entre os assessores de Flávio havia dois familiares da advogada Ana Cristina Siqueira Valle, segunda mulher de Jair Bolsonaro,1 conhecida como Cristina. Ela mesma havia sido assessora de Carlos, outro filho do pré-candidato.
Mesmo assim, não se sabe como, Queiroz conseguiu manter Danielle Nóbrega na lista de funcionários de Flávio na Alerj. E o tempo foi passando. A situação ilegal era favorecida pelo fato de que a própria Assembleia não divulgava a lista de nomes dos assessores de cada deputado. Aquela troca de mensagens entre Queiroz e Danielle, em dezembro de 2017, seria um prenúncio do que viria a acontecer.
O problema com Danielle era exatamente o que Queiroz havia mencionado na conversa: o sobrenome. Até 2011, ela fora casada com Adriano Magalhães da Nóbrega, ex-capitão do Bope da Polícia Militar do Rio de Janeiro. Conhecido pela coragem, Nóbrega terminou expulso da corporação em 2014 por se envolver em crimes do jogo do bicho. Matador de aluguel, ingressou como miliciano nas fileiras do crime organizado carioca e passou a liderar um grupo que ficou conhecido por “Escritório do Crime”, em Rio das Pedras.
Esse grupo de assassinos profissionais, há muito ignorado por setores da polícia civil e da promotoria fluminense, entrou no radar dos investigadores que tentavam identificar os executores da vereadora Marielle Franco, do PSOL, em março de 2018. Assim, com tantos detalhes vindo à tona, o segredo da proximidade entre os Bolsonaro e Nóbrega não ia durar muito. Danielle, porém, parecia ignorar o risco que o ex-marido corria. Tampouco se preocupava com sua conexão com Nóbrega.
Já Queiroz tinha noção do problema e deixou evidente que a família Bolsonaro também temia ser relacionada àquele sobrenome. Mesmo assim, no primeiro semestre de 2018, o assessor de Flávio foi, sigilosamente, ao apartamento onde Adriano morava na Barra para almoçar com o ex-colega de farda e sua nova mulher, Julia Lotufo. Os três falaram da campanha presidencial em tom animado, mas ainda em dúvida sobre as reais chances de Bolsonaro vencer. Meses depois, em 6 dezembro de 2018, de homem forte dos bastidores do clã, Queiroz foi rebaixado a pária, catapultado para os holofotes de um escândalo, após a publicação de uma reportagem do Estadão.
Faltava cerca de um mês para a posse do presidente eleito e a calçada na frente da guarita do condomínio Vivendas da Barra tinha virado uma espécie de acampamento de jornalistas desde o fim da eleição, um mês antes. Os funcionários do local até haviam fixado umas grades para controlar o movimento de pessoas.
Jair Bolsonaro tem uma casa no Vivendas desde 2009, onde vivia com Michelle Bolsonaro, sua terceira mulher, e a filha mais nova, Laura. No mesmo condomínio, a poucos metros, em outra casa também pertencente a Jair, mora o vereador Carlos Bolsonaro, o segundo filho do presidente.
O Vivendas fica na avenida Lúcio Costa, de frente para a praia da Barra da Tijuca, na Zona Oeste do Rio, entre o Posto 3 e 4. Quando um morador quer dar um mergulho no mar, é só atravessar a rua. Protegido por muros e uma cerca de arame farpado, abriga casas de alto padrão, mas não chega a ser um condomínio de luxo. Da rua, na entrada, não se vê a casa de Bolsonaro.
A fachada do Vivendas aparecia na tevê com frequência naquele fim de 2018. As pessoas se postavam em frente à portaria, ansiando pela oportunidade de ver Jair. Se não tivessem tempo de esperar por ele, só gritavam “Mito” e tiravam uma foto do local.
A alguns metros da portaria está o hotel Windsor Barra, palco de alguns encontros importantes para a história de Bolsonaro. Flávio também mora a poucas quadras dali. É um pedaço da Barra que funciona como se fosse um refúgio do clã.
O modo como Bolsonaro se comportava com os jornalistas nesse período que antecedia à posse já sinalizava sua difícil, para dizer o mínimo, relação com a imprensa. O presidente eleito passava a maior parte do tempo em casa desde o fim de setembro, antes do primeiro turno, se recuperando das complicações do atentado que sofrera no início daquele mês. Mas, mesmo depois de recuperado e já eleito, ele não despachava em nenhum escritório. A imprensa teve que fazer plantão na frente do condomínio, era o único jeito de acompanhar os planos de Bolsonaro para o país, sobretudo a escolha e o anúncio do time de ministros.
Os vizinhos não gostavam da presença dos repórteres, mas não havia alternativa. As equipes se revezavam todos os dias. Chegamos a levar cadeiras de praia para ter onde sentar, do contrário eram horas e horas em pé. Quando alguém queria ir ao banheiro, recorria aos hotéis das redondezas. Das primeiras horas da manhã até tarde da noite, passávamos o dia, com chuva ou sol. Fizemos amizade com ambulantes que vendiam água e outros itens. Almoço ou jantar eram pedidos por aplicativos.
O Jornalista Fábio Serapião, então repórter do jornal O Estado de S. Paulo, estava de férias no Rio de Janeiro na primeira semana de dezembro de 2018. Tomava um chope no Jobi, no Leblon, na Zona Sul, quando surgiu a possibilidade de encontrar uma fonte. E a pessoa chegou com uma dica: o nome dos Bolsonaro era mencionado nos arquivos de uma operação relacionada aos processos da Lava Jato fluminense. Na hora o repórter lembrou que pouco tempo antes alguém lhe havia sugerido acessar documentos do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), nos quais haveria uma menção a Jair.
Na sequência, a fonte, ainda no bar, entregou a Serapião uma cópia digital de uma gama enorme de dados, e as férias do jornalista se encerraram ali. Ele voltou para o hotel e varou a noite lendo documentos, até que encontrou um relatório de 422 páginas, no qual o nome citado não era o de Jair, mas o de um ex-assessor
de Flávio Bolsonaro.
O documento registrava uma movimentação atípica de 1,2 milhão
de reais na conta de Fabrício Queiroz, descrito ali como assessor de
Flávio, na época da produção daquele relatório. O filho mais velho
de Bolsonaro se elegera para o Senado, mas ainda não havia
tomado posse.
Movimentação atípica é o nome que se dá a uma transação não
usual efetuada em uma conta bancária. Não é necessariamente
ilegal, mas gera um alerta para órgãos de controle como o Coaf.
Nesse caso, haviam entrado cerca de 600 mil reais na conta de
Queiroz e o mesmo montante havia saído ao longo de um ano, de
janeiro de 2016 a janeiro de 2017. Um dado importante, e que
reforçava o alerta, era que o salário do correntista não era
compatível com tal movimentação. Ele recebia 8,5 mil reais da Alerj
e mais 12,6 mil reais da PM do Rio. Ou seja, em sua conta havia
entrado muito mais dinheiro que a soma de seus vencimentos — na
verdade, o dobro. E o que também chamava a atenção era que
Queiroz não retinha os valores depositados: ele os sacava
periodicamente. O dinheiro entrava mas também saía e seguia, em
espécie, para outro lugar, já que não era o assessor quem
enriquecia. Parte dos valores que entraram na conta de Queiroz
vinha de pessoas que também apareciam lotadas no gabinete de
Flávio. A suspeita era de que os milhares de reais fossem entregues
ao primogênito de Bolsonaro, que afinal era o chefe de Queiroz.
Na quinta-feira, 6 de dezembro de 2018, a reportagem “Coaf
relata conta de ex-assessor de Flávio Bolsonaro” sacudiu o Brasil.
Desde as primeiras horas da manhã, a matéria de Serapião pautou
a imprensa. Levou um dia para a família Bolsonaro dar as caras e
começar a tentar se explicar sobre o escândalo. Foi por isso que, na
sexta-feira, 7 de dezembro, quando o senador eleito Flávio
Bolsonaro chegou ao Vivendas da Barra em um Toyota preto no fim
da tarde, um batalhão reforçado de jornalistas o esperava.
O Senador saiu da automóvel funcional da Alerj e caminhou em
direção à portaria. Informal, vestia calça jeans e camisa polo cinza.
Na mão esquerda, o celular. Andava olhando para os lados,
tentando aparentar tranquilidade. Atrás dele, vinha um homem cuja
expressão meio envergonhada demonstrava que ele não queria
aparecer nas fotos. Mas era inevitável. Victor Granado havia
cursado direito com Flávio e estava ali não só como amigo, mas
também como assessor e advogado do senador eleito.
Os dois entraram no condomínio sem falar com os jornalistas e
foram à casa do presidente. Algum tempo depois saíram e Flávio
não evitou a imprensa. Na “rodinha do quebra-queixo”, como
costumamos nos referir às coletivas de rua, ele foi questionado pela
primeira vez sobre o assunto. Como se explicava todo aquele
dinheiro na conta de Queiroz, seu ex-assessor? De onde viera
aquele valor? “Não posso dar detalhes do que ele [Queiroz] vai falar
para o Ministério Público, que vai ouvir e ter que se convencer ou
não”, disse Flávio.
Só que, para aumentar o caos, Fabrício Queiroz não era
localizado. Nem sequer havia atendido às convocações de
depoimento feitas pelo Ministério Público fluminense. No dia
seguinte, sábado, o próprio Bolsonaro tomou a frente e ensaiou uma
explicação. O clima continuava pesado. Em uma formatura na
Marinha, no Rio de Janeiro, o presidente eleito foi confrontado pelos
jornalistas e tentou se justificar. Mais do que dizer que conhecia
Queiroz, Bolsonaro admitiu uma amizade longa:
Conheço o senhor Queiroz desde 1984. Vamos aí 34 anos. Depois, nos encontramos novamente, eu deputado federal e ele sargento da Polícia Militar do Rio de Janeiro. Somos paraquedistas. Nasceu ali… Continuou uma amizade… Em muitos momentos estivemos juntos, em festas… Até porque me interessava, tinha uma segurança pessoal ao meu lado. Um tempo depois foi trabalhar com meu filho. Em outras oportunidades, eu já o socorri financeiramente. Nessa última agora, houve um acúmulo de dívida. E resolveu pagar com cheques. Não foram cheques de 24 mil reais, nem seis cheques de 4 mil reais. Na verdade, dez cheques de 4 mil reais. E assim foi feito. E eu não botei na minha conta, porque eu tenho dificuldade pra ir em banco, andar na rua. Eu deixei pra minha esposa. Eu lamento o constrangimento que ela está passando, com sua família, no tocante a isso. Mas ninguém dá dinheiro sujo por cheque nominal, meu Deus do céu.
Na ocasião, me pareceu curioso ouvir Bolsonaro falar que tinha
dificuldades de ir ao banco. Quem acompanhou aqueles plantões na
portaria do Vivendas sabia muito bem que um de seus passatempos
era justamente ir ao caixa eletrônico sacar dinheiro nas manhãs de
domingo para depois comprar carne para o churrasco. Bolsonaro
nem se preocupava com o transtorno que aquela situação causava
aos policiais federais que atuavam em sua segurança — alguns
nem mesmo escondiam a irritação.
A temperatura do escândalo era sentida em grande parte devido a
um conjunto de cheques que Queiroz havia depositado para a
primeira-dama, o que também estava citado no documento.
Apareciam seis cheques de 4 mil reais, portanto, 24 mil reais. O
nome de Michelle no meio desse escândalo a incomoda desde o
primeiro dia em que o caso veio à tona. Ela nunca falou da situação
e, a portas fechadas, já cobrou o marido. Não à toa, Bolsonaro se
desculpou publicamente.
Na movimentação atípica de Queiroz também apareciam várias
transferências de um grupo de assessores de Flávio, que somavam
116,5 mil reais. E ainda havia outros 216,4 mil reais em depósitos
fracionados, sem origem identificada. Valores inferiores a 5 mil reais,
o mais das vezes. Esses depósitos e transferências sugeriam que
as pessoas entregavam para Queiroz, sistematicamente, todo mês,
a maior parte de seus salários.
Aquela situação levantou um alerta. Queiroz também fazia vários
saques em dinheiro vivo — o policial retirou, de modo fracionado,
320 mil reais, e quase a metade desse total em um caixa que ficava
dentro da Alerj. Ele tirava todo esse dinheiro de sua própria conta,
em espécie. É difícil imaginar uma pessoa, mesmo um policial,
andando com tanto dinheiro vivo no centro do Rio.
Era a “rachadinha”. Uma das práticas mais antigas no serviço
público. Funciona assim: ao contratar o assessor, o parlamentar
exige que o funcionário lhe entregue mensalmente parte ou todo o
salário. Com isso, o vereador, deputado ou senador passa a enriquecer com um dinheiro que não é seu. Muitas vezes esses
assessores não prestam nenhum serviço. São os funcionários-fantasmas.
À medida que os casos começaram a ser investigados, essas
práticas passaram a ser denunciadas por três tipos de crime.
Primeiro, peculato, mau uso do dinheiro público. Depois, lavagem de
dinheiro, uma vez que quem recebe verba desviada — em geral em
espécie — a usa para comprar imóveis, carros, pagar contas,
ocultando sua origem ilegal. Mas se a prática existe de modo
organizado, e possui um comando, então pode estar configurado o
que conhecemos por formação de quadrilha.
“Rachadinha” é só o apelido para um esquema criminoso. Mas
era o nome usado dentro da Câmara ou da Alerj. Até para apurar a
história, era preciso falar a linguagem interna. Depois o termo foi
parar nas matérias jornalísticas e o caso ficou conhecido assim,
tornando-se uma referência quase impossível de modificar. Mas o
diminutivo está apenas no apelido. Na prática, o esquema espúrio
rende milhões para quem se vale dele.
Naquele dezembro de 2018, a família Bolsonaro demonstrava
constrangimento e irritação. Mesmo os ministros escolhidos por
Bolsonaro se recusavam a falar do assunto. Onyx Lorenzoni, futuro
titular da Casa Civil, irritou-se numa coletiva, chegando a questionar
o salário dos repórteres. Como se assessores parlamentares,
funcionários públicos por definição, não tivessem que dar
explicações sobre seus salários, pagos com dinheiro dos brasileiros.
Já Sergio Moro, ex-juiz da Operação Lava Jato em Curitiba e a
poucos dias de tomar posse como ministro da Justiça do novo
governo, levou uma semana para tocar no assunto e foi sucinto:
“Vou colocar uma coisa bem simples. Fui nomeado para ministro da
Justiça. Não cabe a mim dar explicações sobre isso”. Era um tanto
inusitado que um juiz federal, especializado em lavagem de dinheiro
e organização criminosa, considerasse suficiente a mera declaração
do presidente citando um empréstimo para explicar aquele dinheiro
todo, sobretudo as quantias entrando e saindo da conta de um policial. Moro havia justamente deixado a magistratura para integrar
o governo Bolsonaro dizendo que ampliaria o combate à corrupção.
O tempo passava e Queiroz seguia sumido, o que só reforçava as
suspeitas. Aliás, o relatório que detalhava a movimentação em sua
conta não falava só dele. O documento tinha sido o estopim para a
abertura de 22 procedimentos independentes de investigação no MP-RJ e que citavam outros assessores da Alerj. O calhamaço
original de 422 páginas existia desde janeiro de 2018, mas todo o
restante do Brasil só teve conhecimento dele a partir da reportagem
do Estadão, onze meses mais tarde.
Desde 2017, os procuradores da Lava Jato no Rio preparavam
uma operação, a Furna da Onça, e investigavam parlamentares da
Alerj que recebiam suborno da Fetranspor (Federação das
Empresas de Transportes de Passageiros do Estado do Rio de
Janeiro). A operação, que só aconteceria em novembro de 2018,
apurou uma movimentação financeira suspeita de vários servidores.
O documento relacionava 75 assessores ou ex-assessores de
parlamentares com mandato no Palácio Tiradentes, antiga sede da
Assembleia. E quase no final, na página 325, detalhava depósitos e
saques na conta de Fabrício Queiroz.
Só que quando os procuradores da Lava Jato tomaram
conhecimento do relatório, ainda no início de janeiro de 2018, eles
verificaram que não podiam atuar naquele tipo de investigação, pois
não se tratava de um crime federal. O calhamaço foi então enviado
para a sede do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, e foi
parar no oitavo andar, no escritório da Procuradoria-Geral de Justiça
do Rio. Durante todo o ano de 2018, a papelada ficou sobre uma
mesa do Gaocrim (Grupo de Atribuição Originária Criminal da
Procuradoria-Geral de Justiça).
Naquela época, o responsável por atuar no caso era o
procurador-geral José Eduardo Gussem. E ele não falava do
assunto publicamente. Tampouco sua equipe. Na realidade, ele nos
evitava a todo custo. Só em janeiro de 2019, um mês depois do
escândalo do Coaf, ao tomar posse para um segundo mandato na
Procuradoria-Geral do Rio, é que Gussem tocou no assunto. Admitiu
que meses antes o relatório do Coaf fora usado para abrir investigações a respeito de diferentes núcleos de assessores da
Alerj:
Chegaram ao Ministério Público, inicialmente, no mês de janeiro de 2018. Foram para o laboratório de combate à lavagem de dinheiro. Nele ficaram até julho de 2018, quando nós abrimos as primeiras portarias que os senhores estão recebendo aí, sem identificar esses deputados estaduais.
Com aquele discurso, de informações pouco claras, Gussem não
explicou por que todos aqueles procedimentos ficaram parados ao
longo de todo o segundo semestre de 2018, período eleitoral. Ele
ainda chegou a dizer que Flávio Bolsonaro não era investigado. Que
o estava apurando fatos e não pessoas. Mesmo assim, o
senador tinha sido chamado para depor naquele mês de janeiro e,
até aquele momento, não existiam informações financeiras
suspeitas do primogênito de Bolsonaro. Tudo soava confuso e
contraditório.
O clima na família Bolsonaro era tenso desde que a história do
dinheiro na conta de Queiroz fora divulgada. O clã tentava disfarçar,
mas entrou em parafuso. Por mais que naquele dia, em frente ao
condomínio do pai, Flávio tentasse transparecer tranquilidade, a
verdade é que ele parecia prestes a ter um colapso nervoso.
Dias depois da notícia sobre a conta do assessor, o jornal Folha
de S.Paulo publicou outra matéria envolvendo o amigo do
presidente. A filha mais velha do policial, Nathália Queiroz — lotada
como assessora no gabinete de Jair Bolsonaro quando deputado —,
trabalhava como personal trainer e tinha entre seus clientes atores
famosos como Bruna Marquezine e Bruno Gagliasso. Morena e
atlética, Nathália contava em seu perfil no Instagram mais de 10 mil
seguidores e havia postado fotos que cobriam anos de seu trabalho
como personal. Nenhuma menção a atividades de assessoria na
Câmara dos Deputados. E antes de ser lotada no gabinete do
presidente, Nathália constara da lista de funcionários de Flávio
Bolsonaro na Alerj por quase dez anos. Como assessora de Jair, foram quase dois, até 2018. No relatório, ela teria depositado 84,1
mil reais para o pai entre 2016 e 2017.
Pouco depois, o Jornal Nacional identificou um dos oito
assessores mencionados no relatório, com repasses de 1,5 mil reais
a Queiroz: o tenente-coronel Wellington Sérvulo Romano da Silva. O
militar vivia em Portugal e tinha passado 248 dias na Europa
durante o período em que constou como funcionário de Flávio. Dias
depois, soube-se que ele havia movimentado 1,59 milhão de reais
entre 2015 e 2018.
A cada dia surgia um dado novo sobre uma das pessoas citadas
no relatório. E Fabrício Queiroz seguia fora do radar. Apenas sua
família e os assessores mais próximos de Flávio tinham acesso a
ele.
No meio dessa tormenta, Jair aconselhou Flávio a montar uma
defesa jurídica sólida, com os melhores advogados dispostos a
assumir o caso. Gente capaz de resolver aquele problema logo.
Todos no círculo íntimo de Bolsonaro sentiam que o imbróglio, mais
do que complicar o primogênito, estava atingindo o presidente.
Flávio vivia momentos de muito estresse. Sempre o mais político
dos filhos e aquele com maior capacidade de diálogo e articulação,
ele submergiu. Evitou se expor e só atendia aos pedidos de
explicações de jornalistas por meio de sua assessoria de imprensa.
Aos próximos, porém, não negava seu estado emocional.
Na noite do dia 12 de dezembro de 2018, Flávio desabafou com
um amigo sobre a pressão dos últimos tempos. A conversa, por
telefone, beirava o desespero. Reclamou da imprensa, das
reportagens, mas também se queixou do pai. No íntimo, o senador
se preocupava com o rumo do futuro governo, mas também se
sentia acusado por algo cuja responsabilidade não era dele: “De
quem é o Queiroz? E cheque para Michelle? Para quem foram
esses cheques? O que eu tenho com isso?”.2
A lamúria fazia sentido. Jair sempre dizia que os quatro atuavam
juntos, um Bolsonaro era a continuidade do outro. Eles operavam
como um clã, e o líder, idealizador de tudo, dera os primeiros passos
na criação desse negócio trinta anos antes.
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