Deputado Arthur Lira, presidente da Câmara dos Deputados. Foto: Sérgio Lima/Poder360 05.mai.2022
O esquema de Artur Lira: articular prefeitos fisiológicos e deputados do baixo clero com a pauta do grande capital. O risco: avanço da direita em 2024 e um Congresso piorado em 2026. A alternativa: projetos de transformação local, apoiados nas mulheres e jovens
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O primeiro ponto a ressaltar sobre as eleições municipais brasileiras é que 65% delas são rurais (remoto ou adjacente) ou estão distantes de grandes centros urbanos. O mapa elaborado pelo IBGE identifica os rurais pelas cores verdes (escura e clara) e, em amarelo, os remotos.
Ocorre que esses municípios já foram pesquisados pela antropologia política. O estudo que mais me impressiona é o de Moacir Palmeira. Nele, o autor revela que nessas localidades a disputa eleitoral é polarizada entre quase sempre famílias detentoras do poder econômico.
Há uma moral política interessante nos municípios rurais ou remotos. Como parte da população gravita ao redor do poder econômico concentrado, os polos – situação e oposição – articulam praticamente todos os habitantes. E a prefeitura emprega os apoiadores do vencedor.
O consenso nessas localidades é de que quem vence merece empregar os apoiadores da última eleição, de maneira que se o segundo bloco vencer na eleição seguinte, tem o aval geral para demitir quem quiser para empregar os apoiadores. Lembremos que em 700 municípios brasileiros, a prefeitura é o maior empregador local.
Uma outra decorrência da polarização nesses municípios é ainda mais insólita: o apoiador do candidato derrotado só pode mudar de lado na eleição seguinte. Fica, portanto, atado ao bloco do derrotado por quatro anos, cumprindo uma “pena”.
Por que esses dados sobre municípios rurais e remotos são importantes para as eleições municipais? Porque elegem deputados federais. E, como sabemos, deputados federais atanazam a vida de presidentes e mandam em boa parte do orçamento federal.
O poder dos deputados federais começa com a revolta dos bagrinhos quando da eleição de Severino Cavalcanti como presidente da Câmara dos Deputados. Ficou pouco tempo, mas abriu espaço para os esquemas de Eduardo Cunha e Arthur Lira.
Até então, o baixo clero – assim chamado desde a ditadura militar porque eram deputados que não eram chamados para o “conselho de cardeais” convocado pelos militares para alinhar pautas no Congresso Nacional – era disperso nas suas agendas locais.
Com Cunha, o baixo clero se articulou. Cunha trouxe o apoio de federações empresariais para a campanha e suporte da bancada que ele elegia. Nos bastidores, afirmava-se que ele tinha 150 deputados federais de um total de 250 que articulou e conseguiu apoio de altos empresários.
O resultado foi que o baixo clero passou a defender uma agenda nacional que não tinha, a do alto empresariado. Lira deu um passo a mais e conseguiu capturar uma imensa fatia do orçamento federal que, agora, vai para os pequenos municípios que elegem o baixo clero.
Estima-se que quase 8 em cada 10 deputados estão nas sombras na Câmara de Deputados e são potencialmente do baixo clero, ou seja, sua força vem da articulação ao redor de Arthur Lira e formam a principal base do que se denomina Centrão.
Então, temos que ter claro que as eleições municipais compõem a base do poder do baixo clero instalado no Congresso Nacional. É a partir delas que se forma o arco político de base do Centrão e a base do poder de Arthur Lira.
Como o bolsonarismo procura atuar nesses pequenos municípios? Procurando estimular o sentimento de ressentimento frente ao governo federal e sugerir que Jair Bolsonaro e os ultraconservadores são perseguidos pela sana do ministro Alexandre de Moraes.
Esta é a motivação para as manifestações recentes lideradas pelo bolsonarismo: dar visibilidades à força e, ao mesmo tempo, perseguição que sofrem e, assim, coesionarem sua base municipal.
Como a esquerda deveria atuar nesses pequenos municípios? Atuando e organizando diretamente mulheres e jovens, criando inclusive, fontes de financiamento dos órgãos federais para gerar emprego e estruturas associativas de geração de renda. Explico: jovens e mulheres se subordinam ao patriarcado e coronelismo nos pequenos municípios.
Se o campo progressista e esquerda financiarem a autonomia econômica de jovens e mulheres nesses pequenos municípios, criaria uma pequena revolução em todo interior do país, quebrando ao menos parte do poder e monopólio econômico e político nessas localidades.
E as eleições nos grandes municípios? Aqui, a impessoalidade é mais forte e, assim, as agendas são mais disputadas e plurais. Por este motivo, grandes temas – saúde, segurança, obras, dentre outros – geram embates ideológicos e de interesses.
Nos grandes municípios, pelos motivos expostos, ocorre mais facilmente a nacionalização das pautas eleitorais. E é aqui que ocorre uma grande oportunidade para a esquerda: a emergência da agenda ambiental, devido à crise ambiental.
Em outras palavras, a agenda da extrema direita que dominava o cenário nacional com o bolsonarismo no governo, a questão da segurança nacional, está sendo substituída neste momento pela questão ambiental. E já está evidente que esta nova agenda cala a direita e a extrema-direita.
Eduardo Leite cometeu o maior deslize de sua vida política justamente ao colocar a sobrevivência do mercado acima da sobrevivência de vidas humanas quando comentou a necessidade de segurar doações aos desalojados. Fica evidente como direita e extrema direita não sabem o que dizer.
A esquerda, então, tem uma avenida a ocupar: articular uma discussão sobre desenvolvimento urbano a partir da crise climática, emplacando a agenda da saúde pública porque é ela que aparecerá nos próximos dias, com a baixa das águas no RS. Teremos epidemias sendo disseminadas pelas ruas sujas e tomadas por insetos e pequenos animais em circulação.
Estamos num momento importantíssimo da vida política do Brasil e o mote são as eleições municipais. Elas articularão presente com futuro e por aí que consolidaremos a democracia e políticas públicas inclusivas. Mas, terá muita disputa.
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