quinta-feira, 6 de junho de 2024

A agonia da Europa

Imagem: Antonio Filigno

Por SAMUEL KILSZTAJN*
aterraeredonda.com.br/

Os europeus, quando desembarcaram nas Américas, África, Ásia e Oceania não portavam vistos de entrada

A verdade do europeu branco cristão sempre foi o seu dom de iludir, dominar militarmente o mundo enquanto catequizava os nativos de forma hipócrita e cínica. Europeu naturalmente inclui aquele que cruzou o Atlântico, principalmente em direção aos Estados Unidos, Argentina e Brasil. Com a Revolução industrial, os europeus, que já haviam “descoberto” as Américas e promovido a imigração compulsória de africanos, tornaram-se os donos do mundo.

Além de submeterem a Índia à Companhia Britânica, a China a partir das guerras do ópio e o Japão por iniciativa norte-americana, os europeus colonizaram o sudeste asiático e a Oceania e dividiram arbitrariamente a África e o Oriente Médio em países com o auxílio de réguas e esquadros. Esses 300 anos de hegemonia e o atual declínio crônico da Europa foram matéria do artigo de José Luís Fiori, publicado no site A Terra é Redonda.

Apenas o Império Russo, que se estendia até os confins da Ásia, por ter derrotado Napoleão, conseguiu manter-se intacto, sendo posteriormente substituído pela União Soviética – URSS. Com a iminência da dissolução do Pacto de Varsóvia, a OTAN e a URSS acordaram em manter neutros os membros do Pacto de Varsóvia. Entretanto, todos os antigos membros do Pacto de Varsóvia foram incorporados à OTAN porque, segundo a mesma, o acordo fora firmado com a URSS, dissolvida em 1991. Foi então acordado entre a OTAN e a Rússia que a Bielorrússia e a Ucrânia constituiriam a nova região neutra… e o embate segue na guerra da Ucrânia em curso.

Os europeus, quando desembarcaram nas Américas, África, Ásia e Oceania não portavam vistos de entrada. Muito pior do que isso, chegaram feito uns selvagens, sem respeitar as regras e a cultura local, para civilizar os nativos. Em nome de Deus, exterminaram e submeteram esses povos, catequizando-os para salvar a sua alma. Para entrarem nos países coloniais, contudo, estes nativos devem portar vistos de entrada, entram ilegalmente e se submetem à cultura europeia. E, diferentemente da legislação vigente nos países das Américas, nenhum país europeu confere cidadania automática a filhos de imigrantes nascidos em seu solo.

A Inglaterra deixou a União Europeia, mas continua membro da OTAN, ao lado dos Estados Unidos. A Alemanha pode governar o hemisfério esquerdo do cérebro da Europa Continental, mas a França certamente governa o hemisfério direito, a França é o coração da Europa. E a França ainda tem domínios em regiões tão longínquas como a Nova Caledônia.

Mas o coração latino dos franceses anda partido, com uma profusão de grupos de esquerda manifestando-se a favor dos imigrantes, como o Solidariedade Europa Sem Fronteiras e organizações de voluntários que metem as mãos na massa, como a Utopia 56, que enfrenta as autoridades e oferece apoio moral, legal e material aos imigrantes ilegais, inclusive barracas para o seu alojamento. Verdadeiras vilas de barracas margeiam o Sena na região central de Paris, reservada às camadas privilegiadas da população.

Em meio ao impasse sobre os rumos em direção a uma nova ordem mundial, os participantes deste jogo de interesses estão todos apreensivos com a aventura empreendida pelo estado de Israel na Palestina e seus possíveis e imprevisíveis desdobramentos.

Para a Europa branca cristã que efetivamente dominava o mundo, o judeu sempre foi o outro, essa meia-dúzia de Spinoza, Marx, Freud, Einstein e Rothschild que, na forma de projeção, a Europa queria acreditar ter um projeto para dominar o mundo. Agora, na Palestina, o judeu é o europeu em guerra contra o oriente, uma guerra que carece de estratégia, carece de tática, ou seja, uma aventura que unificou os israelenses e poupou o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, mas que ninguém sabe como vai terminar. Haverá limites para a hipocrisia e o cinismo europeu frente ao massacre em curso do povo palestino?

*Samuel Kilsztajn é professor titular em economia política da PUC-SP. Autor, entre outros livros, de Returnees [https://amzn.to/44SsSjE].


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