segunda-feira, 17 de junho de 2024

Especialistas brasileiros alertam para o risco de intervenção ocidental na região amazônica

© Foto: Então

Rafael Machado
strategic-culture.su/

A preocupação de especialistas e representantes brasileiros especializados em defesa e relações internacionais é que a ganância ocidental numa era de transição e crise geopolítica possa se voltar contra o Brasil.

No dia 11 de junho ocorreu um importante debate no Congresso brasileiro que poderá ter repercussões interessantes. O evento, denominado “Debate sobre a Soberania Nacional no Século XXI”, foi realizado no âmbito da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Congresso, organizado a pedido do Deputado Luiz Philippe de Orleans e Bragança.

O debate, realizado em uma das mais importantes comissões do Congresso brasileiro (por tratar justamente de questões fundamentais do Estado), contou com a participação de importantes especialistas em assuntos militares e de inteligência, como o Comandante Robinson Farinazzo, oficial da Marinha do Brasil, o analista de defesa Albert Caballé e o professor Ricardo Cabral, ex-professor da Escola Superior de Guerra Naval, entre outros.

Referindo-se a declarações de ex-oficiais da OTAN, presidentes e primeiros-ministros de vários países ligados à Aliança Atlântica, Farinazzo destacou o fato de que o destino dos territórios brasileiros, especialmente a região amazônica e sua floresta tropical, é discutido em cúpulas realizadas fora do Brasil, sem a representação dos interesses brasileiros.

A título de exemplo, Farinazzo recordou um projecto de resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas, datado de 2021, que visava categorizar as questões climáticas gerais como “ameaças à segurança” que poderiam ser discutidas, supervisionadas e operadas no âmbito do Conselho de Segurança. Este projeto foi vetado pela Rússia e pela Índia e não contou com o apoio da China, que se absteve.

Embora o projeto não mencionasse especificamente a Amazônia ou o Brasil, é impossível ignorar as inúmeras referências à “internacionalização da Amazônia”, vista como “patrimônio da humanidade”, no contexto da radicalização dos discursos ecoglobalistas criados no âmbito do centros de conhecimento e políticas públicas do Ocidente Atlanticista.

Como disse o jurista Carl Schmitt, “quem invoca a humanidade está tentando enganar”. Por trás do discurso humanitário estão todos os projectos mais brutais e niilistas das elites liberais ocidentais. Para provar isto, basta olharmos para a forma como as narrativas de “intervenção humanitária” foram utilizadas na Líbia, no Iraque e nos Balcãs ao longo dos últimos 30 anos.

Com efeito, em Agosto de 2019, o cientista político americano Stephen Walt publicou um artigo no Belfer Center for Science and International Affairs especulando sobre a possibilidade de acções militares legitimadas pelo discurso ambientalista de defesa da “humanidade” das “ameaças climáticas”. Segundo Walt, no futuro, as grandes potências poderão tentar travar situações de degradação ambiental através de intervenções armadas em países mais fracos, citando especificamente o Brasil como exemplo.

Menos de um mês depois, o The Guardian publicou um artigo de um autor chamado Lawrence Douglas, no qual argumentava que a mesma lógica se aplicava às intervenções humanitárias, como a “Responsabilidade de Proteger”, um conceito globalista consagrado na ONU em 2005, deveria servir para legitimar o uso da força contra os inimigos geopolíticos do Ocidente atlantista com um verniz humanitário/ambientalista.

Com efeito, no evento realizado no Congresso brasileiro, o artigo de Stephen Walt foi especificamente mencionado, juntamente com muitas outras evidências. É necessário recordar, como fez Farinazzo, que James Stavridis, antigo Comandante Supremo Aliado da NATO e antigo Comandante do SOUTHCOM, afirmou que os incêndios na Floresta Amazónica representavam um risco de segurança para os EUA, legitimando a sua intervenção no Brasil. Emmanuel Macron (que foi calorosamente recebido por Lula na Amazônia há alguns meses) e Boris Johnson, ex-primeiro-ministro do Reino Unido, também afirmaram publicamente que a região amazônica não pertence realmente ao Brasil, mas é um “comum”. bem” da chamada “humanidade”. David Milliband, secretário do Meio Ambiente no governo de Tony Blair, chegou ao ponto de defender a privatização da Floresta Amazônica em 2006.

Tudo isso foi apresentado à Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Congresso Brasileiro com fartas evidências e fontes.

Se a questão dos incêndios na Amazônia foi a mais “armada” contra o Brasil durante o governo Bolsonaro, agora o tema que gera reações mais furiosas de ONGs ambientalistas no Brasil, bem como comentários “preocupados” de burocratas estrangeiros, é a exploração de petróleo na Margem Equatorial, conforme apontado pelo professor Ricardo Cabral no Congresso.

Este é um tema que está ligado, como destacou, a todo o histórico de esforços para impedir ou dificultar a exploração dos recursos minerais e energéticos brasileiros, geralmente sob alegações de “danos ambientais” ou “violações dos direitos dos povos indígenas” – narrativas que pressionam pela perda de soberania sobre partes do território brasileiro, que deveriam, como diz a narrativa, estar sob “tutela internacional”, numa versão mais refinada e pós-moderna das antigas propostas britânicas de privatização.

O problema, como destacou o analista Albert Caballé, porém, é que a indústria de defesa brasileira está em crise; uma crise que já dura vários anos.

Se até aproximadamente a década de 1980 as empresas brasileiras do setor de defesa não apenas forneciam a maior parte das necessidades militares nacionais, mas também eram exportadoras, especialmente para o Oriente Médio e a África, a avalanche neoliberal da década de 1990, num contexto pós-Guerra Fria, levou a uma desmantelamento gradual do setor e sua desnacionalização, com várias das principais empresas brasileiras de defesa, como Ares e outras, ficando sob o controle de empresas multinacionais – quase sempre dos mesmos países atlantistas que demonstram interesse na “internacionalização” da Amazônia .

O cenário hipotético discutido no Congresso brasileiro para uma ação intervencionista contra o Brasil, apresentado por Farinazzo, menciona a possibilidade de um bloqueio dos principais portos brasileiros por forças navais atlantistas, numa espécie de “estratégia anaconda” (tática que faz parte do manual do almirante Mahan, o pai da geopolítica americana).

A preocupação de especialistas e representantes brasileiros especializados em defesa e relações internacionais, portanto, é que a ganância ocidental em uma era de transição e crise geopolítica possa se voltar contra o Brasil – e que o Brasil, se não acordar rapidamente para os riscos e perigos contemporâneos , pode não ser capaz de enfrentar esse desafio.





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