sexta-feira, 16 de agosto de 2024

O boicote sistemático ao grande pacto nacional, por Luís Nassif


A ofensiva contra o Moraes faz parte dessa estratégia de desestabilização, já que o STF é a última garantia de estabilidade das instituições.


No artigo “Xadrez da Disputa EUA x China e as oportunidades do Brasil”, procurei apresentar um resumo das disputas geoeconômicas entre as duas potências e o papel do país nesse jogo.

É curioso o jogo em torno de Lula.

Não se tenha dúvida de que qualquer projeto de futuro tem que passar por um grande acordo nacional. E Lula é o negociador por excelência. Sempre foi seu ponto forte e, ao mesmo tempo, o maior alvo das críticas mais à esquerda.

Lula nunca foi de rupturas. Com Palocci, Meirelles ou Mantega, a área econômica sempre seguiu a mais estrita ortodoxia. O desafogo surgiu quando a explosão dos preços das commodities gerou recursos abundantes, que serviram para iniciar grandes obras, políticas industriais e, ao mesmo tempo, atender o mercado e os grandes cartéis. Quando a maré refluir, o nível de despesas correntes estava elevado e não pode recuar na mesma proporção.

No início da invasão da ultradireita no mundo, o guru Steve Bannon já previa que o maior obstáculo seria Lula. De um lado, por sua capacidade negociadora. De outro, por implementar políticas compensatórias que acabavam legitimando o papel do Estado e adiando a explosão irracional da ultradireita. Foi o país institucional do Supremo e da Lava Jato quem pariu o monstro da guerra às instituições.

Porque, então, Lula não é aceito pelo sistema?

De um lado, pela posição altiva na geopolítica. O Departamento de Estado sempre sonhou com o Brasil servindo de mão longa dos Estados Unidos para o Sul Global. Jamais se conformou com a insistência de Lula em manter uma diplomacia independente. Ouvi isso do próprio Otto Reich, diplomata que participou da tentativa de golpe contra Hugo Chávez, em visita ao Brasil, como representante dos Bush para estudar o mercado de etanol.

O segundo grande motivo é que as concessões à financeirização ocorrem nas políticas monetária, cambial e fiscal. Mas não avança na queima de estatais, base dos grandes negócios de Bolsonaro-Paulo Guedes, de FHC-Real. E ainda reserva migalhas do orçamento para políticas compensatórias.

É por aí que se entende essa guerra híbrida visando reduzir sua margem de negociação. Vendem o peixe de que Lula é partidário da gastança, do chavismo, do boliviarismo, do castrismo e tantos ismos mais couber.

Não há diferença entre os partidários da campanha anti-vacinas e os propagadores da gastança. Valem-se do uso recorrente de bordões, de narrativas falsas, confiando na ignorância rotunda do país.

A maior prova dessa ignorância foi o vice-presidente Hamilton Mourão, quando procurado por analistas alertando para o risco de perda da Embraer – uma empresa estratégica para a indústria de defesa. Seu argumento foi de que “a privatização é boa”. Foi preciso que o interlocutor alertasse que a Embraer tinha sido privatizada há décadas e, mesmo privada, continuava sendo uma empresa estratégica.

Continuo vendo no pacto da produção a única saída política para Lula, capaz de juntar setores em um grande acordo nacional capaz de romper o predomínio absoluto da Faria Lima sobre o Congresso e a opinião pública.

A recente ofensiva contra o Ministro Alexandre Moraes faz parte dessa estratégia de desestabilização, já que, no momento, o Supremo é a última garantia de estabilidade das instituições.

A democracia está sendo garantida ao custo de matar um leão por dia. Enquanto isto, a ultradireita avança por todos os poros do interior, do Congresso, e já começa a burilar suas novas lideranças depois que Bolsonaro se transformou em galinha morta.

E não há um projeto à vista para galvanizar os setores civilizados do país, da centro-esquerda à centro-direita.



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