Ricardo Nunes (à esq.) e Pablo Marçal (Foto: Reprodução)
“Marçal e Nunes promovem um confronto neopentecostal raso, para saber quem domina mais a Bíblia”, escreve o colunista Moisés Mendes
Moisés Mendes
O sarcasmo é uma invenção do diabo, a mais debochada de todas as criaturas bíblicas. Foi o diabo que levou Pablo Marçal, no debate Folha/UOL dessa segunda-feira, à armadilha de, ao tentar depreciar Tabata, atacar as mulheres com essas frases:
“Oh, Tabata, se mulher votasse em mulher, você ia ganhar no primeiro turno. A mulher não vota em mulher, a mulher é inteligente. Ele tem sabedoria, ela tem experiência”.
Foi o diabo, mesmo não tendo sido citado diretamente por nenhum deles, que empurrou Marçal e Ricardo Nunes para o duelo que deveria esclarecer qual dos dois conhece mesmo a Bíblia.
O diabo incitou Marçal a dizer que sabe de cor, sem precisar de colas, versículos da Bíblia adequados a todas as situações. Nunes caiu na arapuca e respondeu com o salmo 133:
“Oh, quão bom é que os irmãos habitem com união. É como o óleo precioso que desce sobre a cabeça e a barba de Aarão”.
O prefeito tinha a voz baixa e vacilante, ao se arriscar a citar um trecho longo e complexo, e Marçal respondeu na hora com a singeleza de um versículo pela metade do salmo 69: “O zelo pela sua casa me consumiu”.
E avisou, logo depois da citação: “O verdadeiro cristão vai para o confronto”. E assim estava inaugurado o primeiro debate sobre pretensos temas bíblicos, disfarçado de debate político, quase como um quiz show.
Marçal disse que Nunes não sabe nada da Bíblia, Nunes replicou que tem um grupo de oração que se reúne na sua casa, e Boulos e Tabata, sem grandes conhecimentos na área, foram alijados do game.
Marçal desafiou Nunes: “Mostra quem é o pai de Melquisedeque, mostra pra nós pelo menos dois filhos de José. Mostra pra nós que é assíduo na palavra e que é homem de oração”.
Nunes, disse o ex-coach, como se discursasse no Pico dos Marins em meio a chuvarada e ventania, não sabe que a Bíblia tem mais de 30 mil versículos. E o prefeito seria incapaz de citar pelo menos dois.
Disse várias vezes que pede perdão. Que esperou ser perdoado por Tabata, ao admitir que havia ofendido a memória do pai dela, mas a candidata não se manifestou e ele ficou chateado.
E pediu perdão também por ter “trabalhado para um canalha”, que o induziu quando jovem a cometer crimes, ao ser cobrado de novo pela condenação por aplicar golpes pela internet em velhinhas.
O Marçal bíblico investiu muito na ideia do perdão, para amaciar a própria imagem. Mas talvez seja tarde demais, mesmo que tenha dito: “Faço gestão do meu corpo, da minha alma e da minha casa”.
O diabo, esse ser sarcástico, apoderou-se do modelo do debate, que permitia o livre pensar, e patrocinou o que se sabia que uma hora iria acontecer.
O que eles apresentam como religiosidade dominou pelo menos metade do duelo. Sempre em tom de farsa e marketing, como uma ostentação neopentecostal rasa do que Nunes e Marçal se esforçam para dizer que são.
Faltou Datena, ausente, para incorporar algum personagem adequado aos temas do enfrentamento. Como a tentação da citação é irresistível, citemos João 8:44:
“Vocês pertencem ao pai de vocês, o diabo, e querem realizar o desejo dele. Ele foi homicida desde o princípio e não se apegou à verdade, pois não há verdade nele. Quando mente, fala a sua própria língua, pois é mentiroso e pai da mentira.”.
Esses trechos devem ser declamados por alguém com uma voz semelhante à de Cid Moreira, com gargalhadas diabólicas ao fundo.
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