sexta-feira, 4 de outubro de 2024

Terror na era da Internet das Coisas

Ilustração: Espaço Ilusório/Globo

Ataque de Israel aos pagers do Líbano é novo passo na história do cerco às populações. Com a interconexão e o desenvolvimento da IA, todos os aparatos eletrônicos – do forno microondas ao GPS e ao caixa eletrônico – poderão ser usados contra seus usuários
Por Nathan Gardels, em Noema | Tradução: Antonio Martins

Os recentes ataques letais atribuídos a Israel, que explodiram pagers e walkie-talkies espalhados entre milhares de militantes do Hezbollah, anunciam um novo passo na história da guerra para destruição distribuída. Ao sofrer os bombardeios aéreos maciços que se seguiram, a população aterrorizada do Líbano estava desconectando qualquer dispositivo com baterias ou fonte de energia ligada a uma rede de comunicação, por medo de que pudesse explodir em suas mãos.

Atingir simultaneamente os pontos mais distantes de uma rede só é possível nesta nova era de conectividade que nos une a todos. Este passo se coloca ao lado do primeiro bombardeio aéreo na Primeira Guerra Mundial e do uso de armas nucleares pelos EUA no Japão no final da Segunda Guerra Mundial como uma nova arma de sua época tecnológica, que, mais cedo ou mais tarde, se repetirá globalmente.

Como as invenções anteriores de guerra, o conhecimento e tecnologia que, num primeiro momento, são domínio exclusivo do agressor pioneiro, inevitavelmente se espalharão para outros com interesses e intenções diferentes, e até opostos. O gênio saiu da garrafa e não pode ser colocado de volta. Com o tempo, estará disponível para qualquer um que tenha os meios para invocá-lo para seus próprios fins.

O Hezbollah cambaleia. Mas podemos ter certeza de que os establishmentsde defesa em todas as nações – do Irã à Rússia, China e EUA – estão correndo para se antecipar a essa nova realidade, buscando vantagem sobre todos os adversário, que certamente estão tentando fazer o mesmo.

Em 1995, o culto Aum Shinrikyo liberou o agente nervoso mortal, sarin, no metrô de Tóquio, matando 13 pessoas e deixando cerca de 5.500 passageiros contaminados. Em uma entrevista na época, o futurista Alvin Toffler observou que “o que vimos no Japão é a derradeira devolução do poder: a desmassificação das armas de destruição em massa… onde um indivíduo ou grupo pode possuir os meios de destruição em massa se tiver a informação para fabricá-los. E essa informação está cada vez mais disponível.”

Mesmo esse pensador visionário não podia imaginar então que, além de indivíduos ou grupos poderem ter acesso ao conhecimento sobre os meios de destruição em massa por meio de redes de informação, essas próprias redes de acesso a esse conhecimento e de conexão entre indivíduos ou grupos podem servir como um sistema de ataque contra seus usuários.

Embora os ataques israelenses tenham supostamente envolvido um hackeamento logístico de baixa tecnologia em cadeias de suprimento mal monitoradas, não é preciso ser um cientista de IA para perceber o potencial da guerra distribuída na Internet das Coisas de hoje, onde todos os dispositivos estão sincronizados – desde smartphones até sistemas de alarme doméstico e GPS no seu carro ou no caixa eletrônico do seu banco.

Modelos de IA cada vez mais poderosos serão capazes de implantar algoritmicamente instruções programadas pelas mesmas plataformas de rede de onde coletam seus vastos volumes de dados.

Não é mais segredo que a CIA e o Mossad israelense desativaram temporariamente as centrífugas de combustível nuclear do Irã em 2009, infectando seu sistema operacional com o malware Stuxnet. Nem é difícil de imaginar que tais ataques direcionados também possam ser ampliados e distribuídos por uma variedade de dispositivos por meio de novas ferramentas de IA.

A escrita, ou código, está claramente visível após o ataque do Hezbollah. As redes de uso dual serão armadas como o campo de batalha do futuro. As mesmas plataformas que unem as pessoas podem também ser o que as despedaça.




 

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