Supremo Tribunal Federal (Foto: Agência Brasil)
“O desfecho do confronto entre Congresso e STF vai determinar o que será de todos nós”, escreve o colunista Moisés Mendes
Moisés Mendes
Até o estagiário do Supremo, que chegou na semana passada e ainda não tem mesa e computador, sabe o que se passa lá dentro e na vizinhança. Sabe que há um duelo com etapas a serem vencidas aos poucos e talvez aos trancos, algumas com data de vencimento nesse ano.
O estagiário sabe, ou não teria passado na disputa pelo estágio, que é um jogo de forças para muito além do que, numa simplificação, seria o certo, o errado, o justo ou o razoável sob o ponto de vista do sistema de Justiça.
Sabe que o poder civil e fardado, mesmo fora do poder, como aparentemente estaria agora, se rearticula todos os dias, dois anos depois da tentativa de golpe, e está se rearticulando nesse momento.
Ele e seus colegas sabem que os militares sempre venceram, ganhando ou perdendo, como perderam na aposta pesada e desastrada que fizeram com Bolsonaro.
Sabe que o poder econômico se acomoda ao lado dos vencedores, mas com um pé ao lado dos perdedores. Que o golpe de 64 foi viabilizado e mantido por duas décadas pelo poder civil com dinheiro.
Ficou sabendo, porque qualquer Google também sabe, que grandes empresas nacionais e estrangeiras foram cúmplices da ditadura, com alguns casos exemplares de serviçais dedicados ao trabalho sujo, como aconteceu com a Folha de S. Paulo.
O estagiário estudou a anistia de 79 e suas consequências. Por isso sabe bem que anistiados voltam a conspirar ou a transmitir o que inspiram e conspiram aos que vêm depois.
Em poucos dias, o estagiário ficou sabendo que a guerra Congresso X Supremo é mais do que uma briga por anistia a golpistas subalternos. Que a anistia é para poupar todo mundo, e não só os manés do 8 de janeiro. E que, se a anistia passar, a porteira estará aberta para toda a boiada do fascismo.
O estagiário sabe que tem gente há muito tempo cercada pela Justiça e ainda agora sob investigação, dentro do balaio do inquérito das fake news. Gente com farda ou já de pijama, grandes empresários, a família do Bolsonaro, os ajudantes, os agregados.
Outro estagiário mais antigo disse ao estagiário mais novo que tem gente inalcançável nesse inquérito. Porque nunca foi alcançada por outros crimes, como sonegação, lavagem de dinheiro e contrabando. Gente que não perde uma só disputa na Justiça paroquial das cidades onde mora.
Mas sabe que, sem Alexandre de Moraes, ninguém saberia como estaríamos hoje, e que por isso ele pediu para estagiar no gabinete do ministro. Sabe até que ministros do próprio Supremo não sabem de onde Moraes tira tanta força.
O estagiário acompanha as tentativas da extrema direita de fragilizar Moraes e entende por que a grande imprensa está ao lado dos ameaçadores. Ele percebe as sutilezas de quem faz jogo duplo, mas joga com o fascismo.
Percebe que as corporações de mídia escondem as notícias sobre as investigações em torno de facções que vendem sentenças no Judiciário. Que a prática está mais disseminada do que se noticia.
E que é desse Judiciário que deveríamos depender para nos proteger dos poderosos, mas esse mesmo Judiciário vende sentenças aos poderosos.
O estagiário sabe que o desfecho do embate entre STF e Congresso vai determinar o que será de todos nós a partir desse ano, porque é esse o duelo que junta quase todas as lutas que a democracia já não consegue mediar por outros meios. Sabe que as esquerdas derrotadas nas urnas dependem ainda mais da bravura de Alexandre de Moraes.
Enquanto procura onde sentar e se informa sobre as normas da casa, o estagiário vai aprendendo e olhando para o prédio do Congresso, visto pelos fundos, ali ao lado, a pouco mais de 200 metros.
Está tão perto que o estagiário tem certeza de que sente seus odores. São mais do que enjoativos e incômodos, são assustadores os odores espargidos pelo Congresso.
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