quarta-feira, 4 de dezembro de 2024

CELAC e integração regional, para onde?

Fontes: Rebelião


Em 3 de dezembro de 2011, vinte e dois meses após sua criação em Playa del Carmen, a Cúpula formal de instalação da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos culminou em Caracas.

A CELAC teve como precedente imediato a Cúpula Latino-Americana e Caribenha sobre Integração e Desenvolvimento (CALC), articulação com a qual tentou promover o aumento do comércio intrarregional, a expansão dos mercados e a facilitação da circulação de produtos produtivos e de pessoas para – assim as declarações – “contribuir para o desenvolvimento dos países da região”.

Para além do aspecto integracionista, as claras prioridades econômicas podem ser atribuídas – além de uma visão geral ainda presa ao desenvolvimentismo capitalista – à pressão dos interesses empresariais e, mais especificamente, aos impactos recessivos que foram previstos quando a bolha financeira imobiliária explodiu. nos Estados Unidos, país que naquela época, junto com o Canadá, ainda fazia parte da rede.

Por outro lado, e com características diferentes, um importante antecessor da CELAC foi o Grupo do Rio, como mecanismo permanente de consulta e acordo político. Este, por sua vez, foi herdeiro do Grupo de Apoio Contadora e Contadora, cuja principal missão era estabelecer um sistema de ação conjunta para promover a paz na América Central, após as sangrentas ditaduras e o terrorismo de Estado com os quais lutaram até as insurgências populares. Missão que a CELAC de alguma forma conseguiu formalizar na Declaração da Zona de Paz, acordada pelos seus membros na sua II Cimeira, realizada sob a presidência Pro Tempore de Cuba, em Havana, em 2014.

A comunidade, que reúne os 33 Estados da América Latina e do Caribe, surgiu com o impulso da onda de governos próximos das necessidades populares, após o impacto devastador do neoliberalismo na região.

A não inclusão dos Estados Unidos da América e do Canadá na CELAC apresenta, para além da diversidade de sinais políticos que contém, um sinal claramente soberanista, numa tentativa progressiva de demarcar a região da sombra permanente da interferência e da exploração por parte do estratégia da hegemonia norte-americana em relação ao seu “quintal”. Ao mesmo tempo, no seu carácter original, constitui um sinal claro de contrapeso à OEA, um braço manipulado pelo financiamento dos EUA, que deu cobertura diplomática formal ao torpedeamento sistemático de todas as ações de integração soberana opostas aos desígnios da potência do Norte. .

Da mesma forma, a CELAC carrega em si, especialmente através dos países caribenhos, um claro pano de fundo descolonizador, permitindo que nações exploradas e escravizadas durante séculos exijam reparação pelos incalculáveis ​​danos sofridos, além de aspirarem como um todo a novas relações de maior paridade com outras regiões. do mundo, fortalecendo em particular a cooperação Sul-Sul.

Estrutura histórica e processo

Para vislumbrar onde e como o processo integrativo implícito na CELAC poderia ser fortalecido, pode ser interessante voltar um pouco mais atrás. O enfraquecimento das antigas potências colonialistas na Segunda Guerra Mundial (ou “grande guerra” para os soviéticos) trouxe consigo o surgimento da maioria dos países hoje agrupados nas Nações Unidas. Nas três décadas subsequentes, entre 1945 e 1975, ocorreu uma impressionante onda de descolonização em que quase todos os países da Ásia e de África alcançaram a sua independência nacional (com poucas excepções como a Namíbia, a Libéria e o território ainda não descolonizado da República). . Árabe Saharaui Democrático).

Contudo, a maior parte das novas nações manteve relações de relativa dependência com as antigas metrópoles coloniais, preço que exigiam para ceder à exigência de administração soberana. Uma possível via de fuga desta armadilha foi a da associação supranacional, que após diversas tentativas – e inúmeras divergências motivadas intra e extra-regionalmente – conduziu a blocos e subblocos regionais.

Ao mesmo tempo, com a intenção de relançar as suas indústrias destruídas e subsequentemente expandir o mercado para as suas empresas e reduzir os seus custos laborais e de conversão monetária, os países europeus, impulsionados pela França e pela Alemanha, criaram o que é atualmente conhecido como a União Europeia. Também na Europa Oriental e na Ásia Central, após o desmembramento da União Soviética, desenvolveram-se lentamente espaços econômicos e de cooperação como a União Económica Eurasiática, entre outras organizações supranacionais.

Na América Latina e no Caribe, antes da CELAC, foram formadas a CARICOM, a UNASUL e a ALBA-TCP, entre outros mecanismos de integração solidária e autodeterminação.

A constituição destes blocos regionais trouxe consigo duas dificuldades: por um lado, a necessidade de harmonizar as divergências causadas pelos altos e baixos políticos dentro deles e, por outro, a burocratização centralista na tentativa de compensá-las.

O divisionismo na nossa região é fomentado através de diferentes tácticas pelas intenções hegemônicas dos Estados Unidos e levou ao abrandamento, à ineficácia e à dormência das organizações integracionistas soberanas. O segundo caso, de centralismo burocrático, é hoje fortemente sofrido pelas populações europeias, mas também é visível na distância com que as pessoas percebem estes processos. Afastamento que é reforçado pela comunicação inerte de “relações públicas”, que não aproxima as vantagens e os frutos da integração regional do cidadão comum.

Conquistas e deficiências da CELAC

Após o seu vigoroso impulso inicial, o progresso da CELAC foi severamente dificultado pela ascensão de governos de direita, que simultaneamente esvaziaram e paralisaram a UNASUL. O golpe parlamentar e judicial, o intervencionismo americano, a morte e envelhecimento de líderes históricos e, de forma mais geral, o desgaste do ciclo de políticas pós-neoliberais juntamente com a emergência de uma nova geração distante desse sentimento e dessa orientação, conspiraram para esta virada política.

O processo só pôde ser retomado, embora de forma um tanto atenuada, quando o mexicano Andrés Manuel López Obrador assumiu a presidência pro tempore do bloco por dois períodos, 2020 e 2021. Nessa época, o peronismo também havia recuperado o governo na Argentina, promovendo Alberto Fernández uma política externa de cooperação em chave integracionista em seu período temporário à frente da CELAC (2022). Este novo ciclo foi por sua vez reforçado pelo impacto da vitória eleitoral popular na Colômbia, pela recuperação da democracia na Bolívia, pelo regresso ao governo de Lula da Silva no Brasil e pela reconquista política da esquerda nas Honduras, cujo líder Xiomara Castro detém atualmente o PPT da organização, após o período de 2023 em que pela primeira vez uma nação caribenha, São Vicente e Granadinas, assumiu o comando.

Entre as conquistas da CELAC durante os treze anos desde a sua criação, podemos contar, além da já citada Declaração da Zona de Paz, a cooperação aeroespacial, o estabelecimento de programas de combate à fome e de soberania alimentar, a colaboração na produção e distribuição de vacinas contra a Covid-19. 19 entre alguns países, bem como um plano de autossuficiência e compras conjuntas na área da saúde.

Através de tratados bilaterais, foram superadas as barreiras ao comércio intra-regional, ao mesmo tempo que se registaram progressos na ação concertada face às catástrofes naturais e nos intercâmbios sobre o desenvolvimento tecnológico, científico e acadêmico.

Da mesma forma, para além da grave dissidência interna, foi possível instalar fóruns e mecanismos de diálogo e interação com a China, a União Europeia, a Liga Árabe e é anunciada uma próxima reunião entre o bloco Latino-Americano-Caribenho e a União Africana. Ao mesmo tempo, está sendo estudada uma modalidade que permite dotar a comunidade de um esquema institucional mais sólido.

Contudo, o grande défice de articulações supranacionais, hoje essenciais para resistir ao jugo neocolonial das corporações financeiras, é a falta de participação do povo. As já habituais “Cúpulas Sociais” que acompanham as reuniões oficiais devem tornar-se mecanismos de participação permanente, pois só assim será possível garantir que as novas realidades de um mundo plenamente interligado sejam introduzidas nas agendas da luta e da consciência popular.

Sem dúvida, isto deve refletir-se em cada um dos entes federados – hoje ainda conhecidos como países – promovendo novas formas de verdadeira democracia direta e participativa. A democracia que, por sua vez, longe de constituir apenas uma forma política, deve expandir-se de forma multidimensional, promovendo a paridade e a igualdade de oportunidades para o desenvolvimento humano em todos os aspectos sociais, culturais, econômicos, de comunicação, de gênero, etc.

O impulso comunitário

Para tornar efetivas essas utopias necessárias, o maior obstáculo é a desintegração social, a dificuldade de fortalecer laços permanentes. Aspecto que também é observável em cada uma das microesferas sociais. Portanto, a condição para a evolução política e geopolítica rumo à unidade regional – e mais além, rumo a um mundo mais solidário e fraterno – será um processo de recomposição do tecido social, das relações humanas.

Esta inversão do sentido divergente que hoje prevalece, dada a interligação civilizacional do mundo e a aceleração das transformações técnico-científicas, não poderá basear-se em valores pertencentes a outras épocas históricas, mas terá de assentar na duplo reconhecimento da essência humana em cada pessoa e na humanidade como um todo, com a sua inestimável riqueza de nuances. Ou seja, na órbita e perspectiva de um Humanismo universalista, inclusivo e respeitador da diversidade.

A ética que poderá dar coerência a este esforço revolucionário será a aplicação de uma sensibilidade de rejeição a todas as formas de violência, qualquer que seja a sua manifestação. Por outras palavras, enquanto a violência física, econômica, cultural, religiosa, psicológica ou de gênero continuar a ser naturalizada, aceite e justificada, as portas para o novo mundo não se abrirão. Abertura que exigirá participação coletiva e, paralelamente, esforço individual para modificar condições e hábitos não escolhidos.

Javier Tolcachier é pesquisador do Centro Mundial de Estudos Humanistas e comunicador de uma agência de notícias internacional com foco em Paz e Não-Violência Pressenza.



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