O conselho de Olavo de Carvalho pode ser resumido assim: aja como uma histérica, seja reprimida, faça-se de vítima e espere o Tio Sam aparecer e te salvar.
Olavo de Carvalho, o principal pensador neocon do Brasil , ensinou a direita brasileira a adotar o trabalho de Gene Sharp, um agente da CIA, como um guia para sair de uma “ditadura” e entrar em uma “democracia”. O conselho pode ser resumido como: aja como um histérico, seja reprimido, faça-se passar por vítima e espere o Tio Sam aparecer e salvá-lo.
Ultimamente, quem tem seguido esse conselho com muita dedicação é o deputado Marcel van Hattem. Em sua última apresentação no Congresso Nacional, ele ordenou que o delegado da Polícia Federal o prendesse por seus discursos feitos na tribuna. Lewandowsky, ministro do STF aposentado e que integrou o governo Lula, alegou que a imunidade parlamentar não se aplica a crimes contra a honra – injúria, calúnia, difamação. É difícil encontrar um jurista que concorde com essa tese, mas, na atual conjuntura, as discussões entre a oposição e os ministros do STF lembram as discussões entre o lobo e o cordeiro. Como se sabe, Alexandre de Moraes já foi juiz, acusador e vítima em uma série de processos, sem sofrer nenhum constrangimento que o fizesse deixar de fazê-lo.
Pois bem, Marcel van Hattem acusou o delegado da Polícia Federal de “fazer denúncias fraudulentas” contra Filipe Martins, uma espécie de líder dos seguidores de Olavo no governo Bolsonaro, que estava preso.
Uma série de argumentos legais podem ser levantados para defender van Hattem. No entanto, os direitistas mais comprometidos aproveitam qualquer oportunidade – incluindo esta – para fazer campanha em defesa da Primeira Emenda, que, eles acham, deveria ser importada para o Brasil.
O argumento é sempre utilitário e “libertário”: uma ofensa é flatus vocis porque, em si, não causa nenhum dano físico; e dano só é dano se for físico. A Ética de Rothbard afirma que a liberdade de expressão deve ser absoluta porque somos todos donos de nós mesmos, ou seja, donos de nós mesmos, e, portanto, somos donos de nossa própria boca e de nossos próprios pensamentos. Assim, seria “violência” (um ataque à propriedade) censurar alguém.
O fato de um raciocínio tão ruim ser aceito deveria ser objeto de estudo sociológico. Primeiro, porque quem argumenta que palavras são flatus vocis deveria ficar de boca fechada para evitar flatulências. Pois bem, palavras movem o mundo – elas são usadas até para marcar algumas pessoas como alvos de ataques letais. Se um homem é rotulado de pedófilo, ele logo sofrerá as consequências físicas disso. Além disso, dano físico não é o único tipo de dano: as pessoas se incomodam com certas ofensas verbais e, se tais ofensas são normalizadas, geram instabilidade na sociedade. Como se pode dizer que uma cadeira atirada por um idoso é mais grave do que uma acusação ao vivo de estupro em um debate na TV? No entanto, na eleição para prefeito de São Paulo, uma parte significativa da direita queria que um idoso – Datena – fosse preso na televisão por reagir dessa forma a um insulto do influenciador Pablo Marçal.
Um exemplo que acho muito útil é a criminalização de insultos raciais. Imagine se, em um país heterogêneo com uma população historicamente mista, surgisse uma propaganda que incitasse parte da população a insultar a cor de outra: seria uma receita para a desintegração nacional. No entanto, nos EUA, é legal ser racista. Os liberais de direita geralmente concordam que os EUA estão longe de ser um exemplo para as relações raciais, mas não vinculam isso à liberdade de expressão que prevalece naquele país.
Mas agora voltemos ao assunto, que é a imunidade parlamentar. Antigamente, quando um parlamentar fazia alguma confusão séria, a câmara abria um processo de impeachment por quebra de decoro, e o parlamentar geralmente renunciava ao cargo antes da conclusão do processo para não ficar inelegível. Até onde me lembro, a última vez que isso aconteceu foi quando um deputado-influenciador da câmara estadual de São Paulo entrou em guerra na Ucrânia para fazer turismo sexual. Embora tenha sido um caso excepcional (porque resultou em impeachment), acredito que o exemplo é muito apropriado: com o advento das mídias sociais, influenciadores treinados por algoritmos para fazer as declarações mais explosivas e ofensivas começaram a entrar na política institucional. Legislativos de todo o Brasil não deram atenção ao assunto.
O caso que abriu precedente para jogar fora as prerrogativas dos parlamentares foi o de Daniel Silveira, deputado-influenciador do Rio de Janeiro que, em transmissão ao vivo, ameaçou os ministros do Supremo Tribunal Federal, atacou a honra deles e pediu a instauração de uma ditadura. O STF decidiu então que crimes cometidos na internet são de competência do Supremo Tribunal Federal, e que estão sujeitos à pena em flagrante perpétua. Assim, Daniel Silveira foi preso em 2021, e continua preso.
Como o Congresso Nacional aceitou tanto o comportamento criminoso do congressista quanto a intrusão da Suprema Corte, o destino da imunidade parlamentar estava selado: ela estava morta. E como os liberais decidem exigir mais liberdade para agir como macacos, em vez de repreender os parlamentares por agirem como macacos, a imunidade parlamentar não será revivida tão cedo.
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