Há duas áreas em que temos de nos concentrar: Uma é o gás e a outra é a dívida.
Michael Hudson [*]entrevistado por Nima Alkhorshid
resistir.info/
NIMA ALKHORSHID: Olá a todos. Hoje é quinta-feira, 2 de janeiro de 2025, e o nosso amigo Michael Hudson está de volta connosco. Seja bem-vindo, Michael.
MICHAEL HUDSON: É bom estar de volta.
NIMA ALKHORSHID: Michael, vamos começar com a chave económica para 2025. Na sua opinião, qual é a chave para 2025?
MICHAEL HUDSON: Bem, estive a pensar num bom título para a entrevista e penso que deveria ser: “A economia mundial de hoje é a melhor possível”. Penso que a situação econômica e política dos Estados Unidos, da Europa e do Próximo Oriente é, obviamente, instável. E quase todas as previsões específicas que fazemos são susceptíveis de estar erradas, porque há muitas variáveis em jogo e interesses concorrentes. Mas, na verdade, isto é o que os matemáticos chamam uma posição óptima. Isto pode soar otimista, e não costumo ser otimista, mas uma posição ótima é tecnicamente aquela que se tornará pior seja qual for o movimento que fizermos.
Ela é matematicamente tão boa quanto o possível. E é mais ou menos essa a situação que temos atualmente. Pode dizer-se que estamos no melhor dos mundos possíveis, dadas as políticas que conduziram aos conflitos a que assistimos: o conflito de interesses nacionais, o conflito de interesses internos, o conflito entre os Estados Unidos e a Europa, e os Estados Unidos contra o resto do mundo. E penso que este ano vai ser mais do que uma simples mudança. Penso que o caos é agora a política oficial dos EUA. E é isso que se faz quando se está a tentar impedir que o mundo avance numa direção que não é do seu interesse.
Tudo o que os Estados Unidos podem fazer é criar o caos, do Próximo Oriente à Europa e ao resto da economia, para impedir que os países BRICS tentem prosseguir os seus próprios interesses nacionais. Por isso, penso que vai haver uma série de confrontos, e posso dizer-lhe quais serão os confrontos, mas não há forma de lhe dizer agora como vão ser resolvidos. Em primeiro lugar, tem a guerra de Trump contra a Europa, que vai fazer colapsar ainda mais a economia europeia. Há um confronto entre a Turquia e o Próximo Oriente. Quem vai controlar o Próximo Oriente? Será um novo Império Otomano? E qual vai ser a relação entre a Turquia e Israel? E aqui em casa, neste momento, todos os jornais falam do confronto entre o Presidente Trump e o Congresso relativamente à política militar dos Estados Unidos contra o resto do mundo.
O Congresso está decidido a continuar a guerra contra a Rússia e não permite que o Presidente Trump faça qualquer tipo de acordo que abrande o antagonismo que está a conduzir os interesses dos EUA contra a Europa, contra os países do Sul global, devedores que estão a afetar a taxa de câmbio do dólar e a inflação interna aqui. É isso que significa ótimo. E o objetivo básico da política dos EUA é impedir que uma posição ótima mude, criando um caos tal que não haja alternativa. Portanto, estamos de volta ao que Margaret Thatcher disse, “não há alternativa” no que diz respeito à política dos EUA. E a tentativa de não criar uma alternativa está a levar outros países a forçar algum tipo de alternativa que, de momento, não tem um roteiro. Por isso, penso que há duas áreas em que temos de nos concentrar.
Uma é o gás e a outra é a dívida. E o problema mais imediato é o gás, porque é a chave política e econômica. A política externa dos Estados Unidos no último século tem sido a de tentar controlar a produção de petróleo e gás do Próximo Oriente, porque a energia é a chave da produção econômica. E a razão pela qual os EUA querem controlá-la é para impedir que outros países a tenham, se esses países agirem de uma forma a que os Estados Unidos se oponham.
Portanto, diante do objetivo de controlar o gás do Próximo Oriente, as pessoas perguntam porque é que é do interesse da América estar no Próximo Oriente? O que é que o Iraque e a Síria e mesmo o Irão têm a ver com os interesses dos EUA? Bem, a razão é que os interesses dos EUA querem impedir que outros países obtenham gás no Próximo Oriente, tal como os Estados Unidos estão agora a tentar impedir que outros países obtenham gás russo. E é por isso que o petróleo tem sido o centro da política externa dos EUA e da sua tentativa de dominar o mundo. E penso que essa é a única razão pela qual os EUA têm tanto interesse no Médio Oriente. Bem, o grande problema, claro, ainda mais imediato, são as novas sanções que estão planeadas contra o petróleo russo. O presidente polaco Sikorski acaba de dizer que “o que tem acontecido é maravilhoso”.
A União Europeia conseguiu impedir a Rússia de utilizar as suas exportações de petróleo e gás para chantagear as economias europeias, ameaçando cortar as exportações de energia”. Estas são as suas palavras. E é como se vender petróleo e gás à Europa fosse uma forma de guerra russa ao ameaçar deixar de o exportar. Porque é que a Rússia quereria deixar de exportar o seu petróleo e gás? Esse tem sido o pilar da balança de pagamentos da Rússia. Bem, foram as exportações de petróleo e gás que permitiram à Rússia ter divisas, comprar tecnologia americana, tecnologia chinesa e comprar os bens manufacturados e, até agora, os alimentos que as economias ocidentais vendiam à Rússia antes de as sanções obrigarem a Rússia a produzir os seus alimentos e bens de consumo. Portanto, são os Estados Unidos que estão a usar as sanções como chantagem contra a União Europeia.
Está a usar as sanções dizendo: “Bem, isso prejudica a Rússia, e mesmo que o custo de prejudicar a Rússia para os Estados Unidos valha a destruição do núcleo da indústria alemã, destruindo a estrutura de custos europeia, forçando preços mais elevados para a energia, petróleo e gás, fertilizantes, aço e tudo o que é feito com energia. Tudo isso vale a pena. É como quando perguntaram a Madeleine Albright: “Vale mesmo a pena matar aqueles milhões de bebés só para apoiar a política dos EUA contra o Iraque?” Ela respondeu: “Sim, vale a pena.” Essa é basicamente a política que o Congresso americano diz quando se trata das sanções dos EUA contra a Rússia que estão a destruir a economia europeia.
Sim, vale a pena. São danos colaterais. Não há qualquer tentativa de ter qualquer sentido de proporção matemática nos ganhos para os EUA ao prejudicarem a Rússia, e ao prejudicarem a Rússia, presumivelmente prejudicam a China como aliada da Rússia, prejudicam o Irão. Tudo isto faz parte de uma espécie de tentativa louca dos EUA de bloquear o acesso de todo o mundo à energia. Bem, pode imaginar o que vai acontecer. Está a ver o aumento dos partidos nacionalistas na Europa. Assistimos a um retrocesso, e a República Checa, a Moldávia, a Romênia e a Áustria acabam de ser cortadas pela Ucrânia.
Foi a Ucrânia que cortou o gás russo, não a Rússia, e no entanto a manchete do Wall Street Journal de hoje diz que a Rússia deixou de exportar gás para a Europa. Todos os meios de comunicação social dos Estados Unidos são tão anti-russos que é como se fosse a Rússia a causar o problema do gás na Europa e não a Ucrânia, que nem sequer é membro da UE. Por isso, o mais espantoso é que os líderes da União Europeia, não os líderes eleitos, mas os líderes da UE, Von Der Leyen e a senhora estónia maluca da NATO, estão a dizer: “Bem, não interessa o que os eleitores europeus querem. O nosso objetivo é proteger a Europa de que a Rússia tenha o poder de atravessar a Polónia e a Alemanha até ao Oceano Atlântico”.
Isto é uma loucura. E, claro, há uma reação adversa. E, nos Estados Unidos, até Elon Musk veio a público dizer que apoia a alternativa para a Alemanha, o partido nacionalista, porque faz sentido. Portanto, ninguém faz ideia de como é que a administração Trump vai continuar com tudo isto e se vai seguir uma política tão anti-russa que a Europa vai ter de decidir. Valerá a pena que os Estados Unidos bloqueiem o desenvolvimento económico russo, chinês e iraniano, à custa de termos de reduzir as nossas economias e de nos empobrecermos? Os políticos dizem que sim, que vale. Os eleitores dizem: não, não vale.
Alguma coisa vai ceder, e vai haver uma eleição, suponho, no final deste mês na Alemanha que vai começar a mostrar isso. Claro que acabaram de ter eleições na Roménia e o partido romeno diz: “Se votarem para não haver guerra com a Rússia, vamos cancelar as eleições porque descobrimos que no YouTube, no TikTok e noutros meios de comunicação, há muitos artigos a dizer que a Europa não deve lutar com a Rússia. São os fantoches de Putin que estão a escrever estas coisas. Trata-se de desinformação russa, que a ideia de paz e de não cortar as exportações russas de petróleo e gás é uma desinformação de tal magnitude que vale a pena anular eleições democráticas para a evitar”. E é essa a loucura que temos visto por cá. E o que está a tornar a situação ainda mais explosiva é o facto de, nos Estados Unidos, haver uma crise sobre como vamos fazer com as nossas exportações de gás GNL? Parece agora que o fracking (fracionamento hidráulico) está a diminuir.
Os furos de fracking para a extração de petróleo estão a secar. Os melhores furos já foram explorados[NR]. É muito mais caro depois de se ter extraído o petróleo rico que existe obter todas as pequenas quantidades de petróleo. É muito difícil. Por isso, os estrategas dos Estados Unidos estão, por um lado, a dizer, bem, vamos insistir em exportar mais para a Europa. O Presidente Trump está a insistir para que a Europa compre mais GNL americano, gás natural liquefeito, a quatro vezes o preço que estava a pagar à Rússia. Mas se o fizer, isso vai criar escassez nos EUA e os preços do gás americano vão subir. E se os preços do gás nos EUA subirem, então o índice de preços ao consumidor dos EUA também vai subir. E é a isso que os republicanos se estão a opor no Congresso.
Assim, a resolução do problema de como prejudicar a Rússia vendendo mais gás à Europa vai criar um novo problema nos EUA sobre o que fazer em relação ao facto de os proprietários americanos e outros utilizadores de gás estarem a passar pelo mesmo problema que os europeus atravessam, tendo de pagar mais pelo gás. E quanto tempo poderá a União Europeia aguentar tudo isto até que as nações individuais comecem a opor-se a receber ordens do topo da UE? O grupo de reflexão Breugel, na Europa, estima que, o corte pela Ucrânia das exportações de gás russo, na semana passada, custará à Rússia US$6,5 mil milhões em vendas este ano.
A Ucrânia irá perder mil milhões de dólares, mas o Presidente Biden acabou de compensar isso dando à Ucrânia um novo presente suficientemente grande para lhe permitir pagar a [não] venda de gás. Assim, os Estados Unidos estão basicamente a pagar à Ucrânia para que esta renuncie ao transporte de gás russo, apesar de ter o seu próprio orçamento em situação crítica, apenas para prejudicar a Europa. E o primeiro-ministro da Eslováquia, Robert Fico, ameaçou retaliar contra a Ucrânia. Disse que se não conseguirmos obter o gás e o petróleo da Rússia para produzir eletricidade, teremos de cortar as exportações de eletricidade para a Ucrânia.
Sabemos que os russos se concentraram em incrementar muito a sua própria produção de energia, mas nós [nos EUA] precisamos de toda a eletricidade que temos em casa ou os nossos preços vão subir por causa do que acabamos de fazer cortando as exportações de petróleo da Rússia. Assim, parece que os Estados Unidos vão prejudicar marginalmente a Rússia, mas acabarão por perder as políticas pró-EUA da Europa para as políticas de direita que estão a surgir. E isso parece ser uma permuta (trade off) que os Estados Unidos estão dispostos a fazer, mas que não pode deixar de sair pela culatra. E o efeito não é apenas nos EUA e na Europa.
Os preços do gás estão agora a subir para todo o resto do mundo. E isso inclui os países do Sul global. Portanto, alguma coisa tem de ceder, porque a África, a América Latina e outros países muito endividados atualmente não se podem dar ao luxo de pagar mais pelo seu gás e ainda manter o serviço da sua dívida externa em moeda forte, em dólares americanos. Por isso, o facto de os EUA venderem mais gás à Europa a preços elevados vai provocar uma subida do dólar.
Os europeus vão pagar mais euros para comprar gás a preços elevados em dólares. Isso vai fazer subir a taxa de câmbio do dólar em relação à Europa. E a subida da taxa de câmbio do dólar vai ter um efeito duplo nos países do Sul global. Porque não só os preços em dólares vão subir, como também o custo de comprar dólares em pesos ou em qualquer outra moeda local vai subir.
Assim, vai haver uma compressão orçamental muito intensa a desestabilizar os países BRICS, a desestabilizar os países devedores e os principais países dependentes das importações de petróleo e de gás e de energia. Por isso, está a ter este efeito dominó financeiro e de preços que atravessa todo o espetro de toda a economia. E a política externa dos EUA não pensa na economia mundial como um sistema completo. É uma visão em túnel. Como é que vamos ferir a Rússia? Vamos fazer isso primeiro. E depois pensamos no resto do mundo. É por isso que a política dos EUA está a criar o caos no resto do mundo.
NIMA ALKHORSHID: Mencionou o que aconteceu na Ucrânia e a forma como a Ucrânia não está a permitir que o gás chegue à Eslováquia e a outros países. Michael, na sua opinião, o Presidente francês Emmanuel Macron afirmou que a Europa não pode continuar a depender de outras potências para a sua segurança. Com a ascensão do AfD, que mencionou na Alemanha, acha que esta nova atitude por parte dos europeus pode ajudar? Porque, no fim de contas, eles não têm qualquer tipo de alternativa para a sua energia. Tem de ser a Rússia. Existe outra alternativa para a energia?
MICHAEL HUDSON: O que Macron tem dito é que não podemos depender de nenhum dos nossos próprios políticos para fazer a nossa política. Só podemos depender dos Estados Unidos para a nossa política. É isso que todas as suas ações têm dito. Ele gostaria de obter votos. É claro que os eleitores querem que os seus políticos apoiem políticas para os Estados Unidos. Essas não são as políticas de Macron. As políticas de Macron são diametralmente opostas à auto-suficiência europeia. Macron falou em enviar o exército francês. Vamos enviar tropas para a Ucrânia para ajudar a combater a Rússia. O único objetivo de Macron é combater a Rússia e sacrificar o resto da Europa.
É por isso que é tão impopular. Por isso o seu governo caiu. Por isso as finanças francesas estão num desastre. Assim, não tenho a certeza. Eu certamente não gostaria de considerar Macron como representando os interesses europeus. Não está a representar. Ele é basicamente um fantoche dos EUA. A segunda parte da sua pergunta é: “A Europa tem outra fonte de energia? Bem, graças ao Partido Verde, o partido da política ambiental, sim, tem duas fontes de energia. Tem carvão. É o combustível número um do futuro para os Verdes. Está a aumentar enormemente o consumo de carvão na Rússia e ela pode abater as florestas. Pode usar madeira.
E tem um grande mercado. Os alemães estão agora a comprar aquecedores locais. Ponha fogões a lenha. Estão a usar fogões a lenha. Se andar por uma zona rural na Alemanha, verá pilhas inteiras de troncos para alimentar os aquecedores. Portanto, sim, a Europa pode queimar as suas florestas e o seu carvão. É preciso tempo para construir uma central de energia nuclear. E a Europa decidiu que não quer energia atômica. Quer energia solar. Por isso, em todo o interior da Alemanha, e eu já lá fui, há moinhos de vento muito barulhentos que não só enlouquecem as pessoas, como enlouquecem o gado ou quaisquer outros animais que possa haver no campo.
Por isso, estão a fazer uma tentativa com a energia eólica, uma tentativa com a energia solar. Mas os Estados Unidos dizem: “Não, não pode ter energia solar ou eólica porque quem está a fazer os moinhos de vento? A China. Quem está a fazer os painéis solares que geram energia solar? A China. Portanto, não pode mesmo fazer isso. Têm mesmo de passar fome no escuro. E é esse, mais uma vez, o dilema da Europa. E não vejo ninguém, exceto os partidos de direita, a opor-se a isto.
A esquerda está completamente de acordo com a Guerra Fria dos Estados Unidos, porque os partidos de esquerda, como penso que já discutimos antes, têm sido formados por políticos que dependem de subsídios e subvenções muito elevados de organizações não governamentais, como o National Endowment for Democracy, para se desenvolverem. Portanto, não existe realmente uma formulação interna do que seria uma política econômica europeia racional para restaurar a prosperidade e, de facto, haverá uma forma de restaurar do desmantelamento a indústria pesada, a indústria siderúrgica, a indústria automóvel, a indústria transformadora, mesmo a dos fertilizantes e produtos químicos que já foram desmantelados? Ou será que a Europa tem de seguir o caminho que os Bálticos seguiram? Já estamos a ter taxas de fertilidade populacional em queda em toda a Europa, mas também estamos a começar a ter o mesmo tipo de imigração, não só de pessoas, mas também de empresas industriais que saem da Europa para outros lugares.
Por isso, não vejo, a curto prazo, qualquer possibilidade de a Europa ter uma alternativa à energia russa enquanto o seu sistema político for governado não por líderes nacionais locais eleitos, mas pela burocracia da UE, que é solidamente da NATO. E toda a Constituição Europeia, a Zona Euro, como já discutimos anteriormente, é basicamente dominada pela NATO e pelos Estados Unidos indiretamente. Não vejo grande solução, exceto a pobreza para a Europa.
Alguma coisa tem de ceder, obviamente. Quando é que vai ceder? E como é que vai ceder se não houver um apoio bipartidário em todo o espetro político para compreender o que está a acontecer? E enquanto isso a grande imprensa europeia continua a dizer que, bem, qualquer defesa da não luta contra a Rússia na Ucrânia está basicamente a servir os interesses nacionais russos e qualquer coisa que sirva os interesses nacionais russos é desinformação. É um pensamento errado. Não é o tipo de pensamento que vamos apoiar.
Este é o mundo Orwelliano de 1984 a que estamos a assistir na Europa. E não vejo... é obviamente pior do que tudo em Inglaterra, com Starmer e o Partido Trabalhista. Mas o que está a acontecer ao Partido Trabalhista é a mesma coisa que aconteceu ao Partido Social-Democrata alemão, que agora ficou atrás da Alternativa para a Alemanha nas sondagens e vai ser praticamente eliminado nas eleições deste mês. E vai haver um país europeu atrás do outro a seguir o caminho da Romênia. O que é que vai fazer quando as pessoas não votam nos Estados Unidos, mas votam no seu próprio bem-estar nacional? Para os Estados Unidos, isso significa que já não é um amigo.
NIMA ALKHORSHID: Como mencionou, a situação da economia alemã é muito má neste momento. Acha que a AFD é capaz? Tendo em conta a atual situação econômica da Alemanha e a sua fraqueza, acha que a AFD vai opor-se às políticas dos EUA na Alemanha, ou que vai dar-se bem com elas, e que está a tentar fazer algumas jogadas políticas e talvez convencer a administração Trump a aceitar que a Alemanha torne a ligar a linha entre a Rússia e a Alemanha?
MICHAEL HUDSON: Não creio que, a curto prazo, haja qualquer hipótese de restabelecer a ligação. Existe um grande legado de medo e de sentimento anti-russo na Europa, na Alemanha, especialmente devido ao trauma que os alemães orientais sofreram durante a União Soviética, que certamente afeta as pessoas mais velhas, embora não a geração mais jovem que não teve de passar por isso. Mas continua a existir o mesmo sentimento de ódio à Rússia que os Estados Unidos têm estado a financiar e a patrocinar na Ucrânia. A mesma coisa que se tem em Inglaterra nos últimos 150 anos, este ódio à Rússia, como se fosse o inimigo da civilização ocidental.
Os Estados Unidos estão a tentar representar os países da NATO, os países do Atlântico, como a própria civilização. E a alternativa não é realmente uma nova civilização, é como se fosse a anarquia, é a selva, como disse Borrell. Há esse sentimento, e não vejo que, mesmo que a população alemã e outras populações europeias votem em partidos nacionalistas, nenhum partido vá conseguir uma maioria absoluta no Congresso. Veja o que aconteceu na Letônia: um terço da população letã, o maior partido de todos, é o Partido do Centro da Harmonia. Este é o partido basicamente dos falantes de russo nos últimos 30 anos.
Mas apesar de ser o maior partido da Letônia, não tem tido representação na liderança do país. Isso deve-se ao facto de terem sido isolados pelos partidos neoliberais de direita. Por isso, penso que o modelo letão do maior partido pode ser retirado do poder e que vai dar lugar aos partidos pró-EUA e anti-russos. Este vai ser o modelo que as nações europeias vão adotar.
Sim, a nacionalista Alternativa para a Alemanha pode ser a maior potência, pode até conseguir mais do que o Partido Democrata-Cristão, mas a aliança entre os democratas-cristãos, os sociais-democratas, os Verdes e outros partidos, podemos manter de fora todos estes partidos nacionalistas pró-russos. E podemos fazê-lo até que a população europeia se esvazie. Isto pode continuar durante muito tempo. A vontade dos alemães de sacrificar os seus próprios interesses por um ideal abstrato parece fazer parte do seu carácter nacional.
NIMA ALKHORSHID: Michael, vê Donald Trump capaz de mudar as políticas em relação à Rússia, ou vamos ter o mesmo tipo de política que vimos na administração Biden?
MICHAEL HUDSON: Ninguém é capaz de mudar as políticas da Rússia. Os discursos do Presidente Putin e os do ministro dos Negócios Estrangeiros Lavrov têm sido muito claros. Declararam exatamente o que vão fazer. Trump disse: “Não podemos ter paz e parar? Vamos congelar o conflito e fazer tréguas. Bem, os negociadores russos, não tenho a certeza se Putin se vai reunir com Trump nessas condições, dizem: “Bem, sabe, tentamos isso há anos nos acordos que fizemos. E quando paramos de combater, a NATO começou imediatamente a reconstruir todo o seu armamento na Ucrânia Ocidental para fazer um novo ataque.
Não vamos voltar a seguir esse caminho. E, de qualquer forma, estamos a avançar muito, muito rapidamente. Veja a rapidez com que o exército russo está a avançar para oeste. Os líderes de Lugansk e Donetsk estão a dizer: “Somos nós que estamos a lutar aqui. Queremos acabar com toda esta luta este ano. Seria bom que terminasse antes da primavera, porque certamente a Ucrânia está a passar por um inverno infernal, um inverno frio, sem muito petróleo e gás, sem eletricidade, sem aquecimento. E este é o momento em que a Rússia pode dizer “oh, já lhe dissemos exatamente o que queremos”. E a solução não é simplesmente a paz na Ucrânia.
É voltar à paz que deveria ter sido assinada em 1921. Quando falamos de paz, estamos a falar de fazer regressar a NATO às suas fronteiras originais. Estamos a falar do que prometeu. Por isso, Sr. Trump, quando diz que está a propor um acordo para nós, em primeiro lugar, como é que vai conseguir que o seu acordo passe no Congresso? O Congresso é pressionado por políticos que fizeram toda a sua carreira a lutar contra a Rússia. Como é que pode controlar o Congresso? Em segundo lugar, mesmo que o Congresso o apoiasse, como é que vai conseguir que o exército lhe obedeça? Tentou fazer com que o exército parasse de lutar no Afeganistão.
Eles continuaram a lutar. Eles simplesmente ignoraram-no. Como é que vai controlar a CIA, a Agência de Segurança Nacional, o Departamento de Estado e as Forças Armadas sem limpar a liderança? Prometeu fazer isso, Sr. Trump, quando se candidatou. Queria tirar todos os seus inimigos do estado profundo. Porque não falamos depois de tirar os seus inimigos do exército, do Departamento de Estado, do FBI e das Agências de Segurança Nacional? Quando conseguir consolidar o seu poder, então perceberemos que tem capacidade para fazer um acordo com isto. Mas até agora, deixe-nos falar com o seu líder, seja ele quem for.
É o estado profundo. Arranje alguém com autoridade que, neste momento, pareça mais forte do que a sua para falarmos. Mas tudo o que estamos a falar consigo é algo que, em princípio, seria bom, mas não vamos mudar a nossa política, que temos anunciado com firmeza nos últimos três anos. Não vamos mudar isso só por causa de uma promessa que fez e que achamos que não pode cumprir. Você é muito parecido com o Presidente Biden. Os presidentes americanos tornaram-se figuras de proa, homens de frente para o estado profundo. E até que recupere o controlo do estado profundo através da presidência, não vejo como a América pode fazer qualquer acordo com qualquer país sobre qualquer coisa. O que é que diz a isto?
NIMA ALKHORSHID: Quando vê estes dois conflitos, um no Médio Oriente e outro na Ucrânia, e, ao mesmo tempo, Trump fala da Gronelândia, fala do Canadá, do México, de tudo isto. Isso está relacionado com a guerra que ele tem em mente contra a China ou é outra coisa?
MICHAEL HUDSON: Penso que é apenas outra coisa. Lembro-me de que, nos anos 70, se falava da dissolução do Canadá. Na Segunda Guerra Mundial, quase toda a indústria canadiana e o apoio governamental estavam concentrados numa província, Ontário. E creio que esse era o centro de C.D. Howe, uma das pessoas envolvidas. As províncias Prairie foram excluídas do centro de Ontário. E houve uma oposição crescente no Canadá francês ao Ontário, porque havia muitos sentimentos anti-franceses que foram encobertos fazendo o Canadá ter finalmente duas línguas. Mas infelizmente a linguagem não incluía o que a população francesa falava.
A língua era o francês e no Canadá fala-se occitânico. E foi muito engraçado. Uma vez, estava a almoçar na Bolsa de Valores de Montreal e os pedidos de comida estavam todos em francês. E eu conseguia perceber e falar muito bem com o empregado de mesa em francês. Depois, os corretores da bolsa começaram a falar comigo. E eu disse-lhe, sabe, é muito engraçado. Consigo perceber o empregado, mas não consigo perceber-vos a vocês. E os corretores da bolsa, bem, mas ele é um anglo. E o anglo-francês não era o seu francês. Estavam todos prontos para se separarem. Mas, acima de tudo, as províncias do centro do Canadá iam separar-se.
Por isso, penso que Trump, quando diz que o Canadá é um Estado, disse: “Bem, não podemos deixar o Canadá entrar como um só Estado. Mas, sabe, eu poderia dizer: vamos começar por Alberta e todas as suas areias betuminosas, as areias betuminosas, não o petróleo propriamente dito. E depois passemos às outras províncias. E, certamente, o Canadá Ocidental foi transformado numa espécie de pia corrupta do partido liberal, a Colúmbia Britânica. Por isso, pode ver muitos canadianos a quererem dizer, bem, vamos juntar-nos à América. Há muitos canadianos que não gostam do Canadá. Não sei se reparou nos atores e comediantes de Hollywood. A maioria dos comediantes do entretenimento americano tem sido canadiana nos últimos 50 anos. E isso porque, se cresceu no Canadá, essa é a única forma de manter a sanidade mental e de lidar com o mundo. Por isso, penso que Trump vê uma oportunidade de começar a conquistar Alberta e outras províncias do país. A mesma coisa com a Gronelândia.
Está a olhar para ela como um negócio imobiliário, mais ou menos assim. E penso que o seu modelo é William Seward a comprar o Alasca. E a razão pela qual Seward comprou o Alasca, e eu li a sua correspondência sobre isso, foi porque ele queria endividar os Estados Unidos. Os Estados Unidos não tinham imposto sobre o rendimento quando Seward comprou o Alasca. Só havia uma forma de obter as receitas para pagar o Alasca. E isso era aumentar as tarifas aduaneiras. E Seward era o líder do Partido Republicano, que era o partido protecionista que apoiava as tarifas. Por isso, estou a ver o Trump a querer dizer: “Bem, vamos comprar a Gronelândia. Isso vai custar um bocado de dinheiro.
Teremos de equilibrar o orçamento. E como é que vamos equilibrar o orçamento? Vamos aumentar as receitas aduaneiras. Sem perceber que, como já discutimos antes neste programa, se você aumentar as tarifas, isso vai aumentar os preços americanos, tornar a indústria e o trabalho americanos ainda menos competitivos com outros países e desestabilizar toda a economia interna. Mas essa é a fantasia de Trump. Não se apercebe de como a economia dos EUA faz parte de um sistema mundial e dos efeitos que vai ter em todo este sistema. Esse é o problema da política externa americana.
Baseia-se em teoria econômica lixo, sem qualquer ideia da história. E isso faz com que uma política tarifária seja hoje diferente do que era nos anos 1880 e 1890, antes de haver um imposto sobre o rendimento, e quando ainda eram utilizáveis tarifas para criar uma base industrial nos Estados Unidos. Agora não creio que seja recuperável aqui, tal como não é recuperável na Alemanha.
NIMA ALKHORSHID: Michael, nove países aderiram ao BRICS como parceiros do BRICS. Temos a Indonésia, a Malásia, Cuba, a Bolívia e outros países. Na sua opinião, quais são os principais objetivos dos países BRICS?
MICHAEL HUDSON: Os principais objetivos?
NIMA ALKHORSHID: Os principais objetivos dos países BRICS?
MICHAEL HUDSON: Bem, pôs o dedo no problema. Eles não explicaram os objetivos de todo. Não explicaram o que é uma política? E como é que vai ter uma política para os BRICS dizendo apenas que queremos prosperidade? Está bem. Queremos a nossa independência econômica e a nossa soberania. Mas quais serão especificamente os objetivos? E como é que vai conseguir que um conjunto de países politicamente muito diverso tenha um conjunto de objetivos comuns?
Bem, é bastante óbvio ver apenas empiricamente quais seriam os objectivos lógicos. O primeiro objetivo é lidar com o problema da dívida externa. Não há forma de os países BRICS poderem crescer e, ao mesmo tempo, pagar as dívidas externas que lhes foram impostas nos últimos 100 anos e, especialmente, desde 1945, pela filosofia neoliberal que tem sido promovida pelos Estados Unidos, pelo Fundo Monetário Internacional e pelo Banco Mundial.
As políticas que foram impostas aos países BRICS forçaram-nos a uma balança de pagamentos crônica e a um défice comercial em resultado da sua dependência dos Estados Unidos e dos seus aliados, o que os tornou países inviáveis. Isto significa que os empréstimos que foram feitos a estes países não têm qualquer hipótese de serem pagos. E isto é algo em que tenho trabalhado desde meados dos anos 60, quando era economista de balança de pagamentos, primeiro para o atual Chase Manhattan Bank, depois para as Nações Unidas no UNITAR, e depois para vários... quando organizei o primeiro fundo de dívida soberana em 1989, através da Scudder Stevens, para investir nas dívidas argentina e brasileira. Foi quando os Estados Unidos e outros detentores de obrigações começaram a comprar dívidas latino-americanas, depois de o incumprimento do México em 1982 ter conduzido à crise da dívida latino-americana.
Ninguém queria comprar aqueles títulos e a Scudder Stevens não conseguiu vender nenhum a compradores americanos ou europeus, porque todos pensavam que, bem, não havia maneira de pagar essas dívidas. E contrataram-me como consultor do fundo dizendo: “Bem, Dr. Hudson, você é conhecido como Dr. Doom. Sabemos que diz que as dívidas não podem ser pagas. Acha que elas podem ser pagas talvez durante cinco anos? Suponha que sabemos que as economias não podem pagar, mas há algum intervalo em que ainda possamos obter essas altas taxas de juros que eles têm de pagar? E descobri quem estava a comprar estas obrigações que a Merrill Lynch, o subscritor, estava a vender.
Foram todas compradas na Argentina, em Buenos Aires e no Brasil pela elite clientelar desses países, os banqueiros centrais, as administrações presidenciais, todas as elites. E o facto é que as pessoas que detêm estas obrigações em dólares são oligarquias clientes que não querem deter as suas próprias moedas, porque os países do Sul global e as suas oligarquias percebem que as dívidas não podem ser pagas. Os investidores europeus sabem que as dívidas não podem ser pagas. Basicamente, estão a vender aos fundos abutres. E isto é um problema para os países BRICS. Por um lado, os países BRICS, para crescerem, têm de amortizar as suas dívidas.
Mas, por outro lado, o dinheiro dos detentores das dívidas, que apoiam o dólar e se opõem à desdolarização, são os seus próprios interesses instalados. Assim, os interesses instalados em muitos dos países BRICS não estão a favorecer os interesses nacionais. É esse o grande conflito que temos entre o facto de estes países estarem bifurcados entre uma elite centrada nos EUA e o país como um todo. Bem, esse é um dos dois problemas que os BRICS terão. A segunda é o que vai fazer em relação ao facto de, em resultado da crise da dívida, estes países terem sido levados pelo Banco Mundial e pelo Fundo Monetário Internacional e pela política dos EUA a vender o seu petróleo, os seus direitos minerais, os seus recursos naturais, os seus monopólios naturais de infraestruturas públicas a investidores estrangeiros.
Como é que podem crescer se todo o seu patrimônio nacional e todas as receitas, as rendas fundiárias, as rendas das matérias-primas, as rendas do monopólio desse patrimônio nacional são pagas aos estrangeiros? Bem, pode olhar para os países BRICS de uma forma muito semelhante à da Rússia sob os cleptocratas. A Rússia tinha de facto uma solução para os cleptocratas. E essa solução era um imposto sobre as rendas. Suponhamos que se tomasse dos cleptocratas que compraram o níquel, Noros Niquel, ou a Gazprom, a Rússia poderia assim ter recuperado todas as receitas do níquel, do petróleo, dos diamantes e das outras matérias-primas vendidas e dizer: “Bem, vamos deixar-vos lucrar com o vosso investimento de capital. Penso que o vosso investimento de capital foi talvez de 100 rublos, talvez um par de dólares, e vocês obtêm milhares de milhões". Assim, podem lucrar com isso, mas toda a renda dos recursos naturais vai ser tributada.
Foi exatamente assim que a Grã-Bretanha se tornou a fábrica do mundo e depois os Estados Unidos. E a Alemanha seguiu-lhe o exemplo. Toda a lógica do capitalismo industrial consistia em libertar as economias da classe senhorial e da sua renda fundiária, em libertar as economias da renda econômica. E era isso que a teoria clássica do valor de Adam Smith, John Stuart Mill, Marx e os economistas americanos diziam: “Queremos evitar que a procura de rendas diminua a fim de alinhar os preços com o custo real de produção”. Foi isso que permitiu que a Inglaterra se tornasse a fábrica do mundo e, depois, que os Estados Unidos e a Alemanha substituíssem a Inglaterra, criando uma economia mista público-privada com o seu próprio controlo nacional da moeda.
Os países BRICS poderiam seguir esta política que fez com que primeiro a Inglaterra e depois a América e a Alemanha pudessem organizar o seu arranque industrial. Mas, para o fazer, é preciso ter um conceito de libertação das economias da renda econômica. Têm de ter um conceito que remonta basicamente a Adam Smith. A sua ideia de mercado livre era um mercado livre de rendas econômicas. Toda a riqueza das nações, disse ele, os proprietários deviam ser tributados.
Se tributarmos os proprietários, não teremos este poder externo estranho sobre a economia, que extrai as suas receitas sob a forma de rendas. Tudo isto foi a grande luta em torno da teoria do valor e do preço que ocorreu no final das guerras napoleônicas, em 1815, quando a classe senhorial de Inglaterra quis impor as leis do milho a fim de impedir a exportação de alimentos a baixo preço, de modo a que os senhorios pudessem manter as suas rendas agrícolas elevadas. Essa foi a grande luta que moldou o conflito político da Inglaterra durante 30 anos, até que as Leis do Milho foram finalmente revogadas em 1846.
Portanto, se as economias dos BRICS dissessem: vamos recuperar o nosso patrimônio natural dos cleptocratas, não apenas dos nossos próprios cleptocratas, mas das empresas estrangeiras que compraram o nosso petróleo e vidro, vamos usá-lo como a nossa base fiscal natural. E vamos usar essa base fiscal para financiar o nosso próprio desenvolvimento econômico. Bem, então vai poder fazer essencialmente neste século o que os países europeus do final do século XIX fizeram. O problema é que precisa de uma teoria econômica para isso. E a maioria dos economistas dos países BRICS, tal como os economistas chineses, foram formados nos Estados Unidos, e já não se ensina história do pensamento econômico nos Estados Unidos. Já não se ensina história econômica e, por isso, os países BRICS nem sequer estão conscientes de que o seu interesse económico natural é enriquecer da mesma forma que os Estados Unidos. E o que eles vêem é o notável arranque económico da China.
E a China chama a isto socialismo com caraterísticas chinesas, mas podia ser chamado descolagem a partir da teoria econômica americana com caraterísticas chinesas, porque isso é a descolagem econômica americana. Ah, foi considerada socialista porque se baseou fortemente no sector público.
E há um terceiro objetivo que os países BRICS devem ter, que tem de ser o aumento do nível de vida e da produtividade do trabalho. Porque não se pode ter uma guerra de classes contra o trabalho e esperar que o trabalho seja altamente educado, bem alimentado, bem alojado e produtivo. Se se quer uma mão-de-obra produtiva, será preciso elevar o nível de vida. E os interesses instalados na maioria destes países BRICS querem manter os salários baixos. Se têm fábricas ou qualquer que seja o seu negócio, olham para os salários dos trabalhadores como sendo antitéticos para eles próprios. E a forma como os Estados Unidos resolveram este problema foi dizer: “Muito bem, sabemos que vocês, industriais, não querem pagar salários elevados aos trabalhadores. Mas vamos fazer com que o governo assuma muitos dos custos de vida da mão-de-obra. O custo da educação, o custo dos cuidados de saúde, o custo dos transportes a baixo preço, as comunicações. E para que não tenham de pagar à mão-de-obra salários suficientemente elevados a fim de que paguem os seus próprios cuidados de saúde, educação e tudo isso.
Bem, obviamente não é isso que os Estados Unidos estão a fazer hoje. Está a acontecer exatamente o contrário. O patronato americano tem de pagar salários extremamente elevados porque o governo já não está a prestar esses serviços. Os países BRICS poderão perceber que não vamos seguir o conselho econômico neoliberal dos Estados Unidos de privatizar tudo e incluir a procura de rendas no preço do equilíbrio e do salário mínimo nos nossos países.
Mais uma vez, é preciso uma teoria econômica e uma doutrina econômica para isso. A doutrina foi a base da economia clássica do século XIX. E não vejo qualquer sinal de que a discussão desta doutrina esteja a emanar dos países BRICS. Fiz o meu melhor para ir à Rússia, à China, a Cuba e a outros países. Tentei explicar a Cuba como poderia aplicar um imposto sobre as rendas. E recebi uma espécie de olhares indiferentes do gabinete de Castro e das pessoas que o seguiam. Portanto, o problema é que os países BRICS sabem que querem enriquecer, mas não sabem que não têm de reinventar a roda.
O modo de criar um crescimento econômico próspero é evitar a dívida privada. Manter interna a dívida e a criação de dinheiro. As suas dívidas são contraídas na sua própria divisa e você controla a sua própria divisa da mesma forma que a China, através de um banco público e não de bancos comerciais privados. É preciso um imposto e uma renda econômica [sobre] o rendimento não ganho para encorajar o rendimento ganho que faz realmente parte do processo produtivo, não parte de toda a superestrutura que busca rendimentos, tal como é extraída desta. E é preciso criar uma força de trabalho interna próspera a fim de que possa tornar-se altamente produtiva.
Foi assim que os Estados Unidos desenvolveram uma força de trabalho de alta produtividade. A forma como os países BRICS podem seguir os seus interesses nacionais é clara, mas é preciso uma doutrina para isso e uma filosofia econômica. É esse o elemento que falta, na minha opinião, atualmente.
NIMA ALKHORSHID: Espero que os países BRICS o ouçam. Foi fantástico.
MICHAEL HUDSON: Isso significa ouvir o seu programa.
NIMA ALKHORSHID: Exatamente. Muito obrigado, Michael, por ter estado connosco hoje. É um grande prazer, como sempre.
MICHAEL HUDSON: É a primeira vez que falo tanto tempo quanto o Richard [Wolff] costuma falar.
NIMA ALKHORSHID: Feliz Ano Novo, Michael.
MICHAEL HUDSON: Para si também, Nima.
[NR] A economia das explorações mineiras é explicada pela teoria marxista da renda diferencial. Ver O Capital, tomo 3, capítulo 46.
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