Parece que no período que antecedeu a inauguração, alguém deu mapas de contorno a Trump - e ele praticou colori-los o quanto quisesse. Primeiro, ele prometeu devolver o controle do Canal do Panamá. Depois - anexar o Canadá aos Estados Unidos e ao mesmo tempo a Groenlândia, que ainda é dinamarquesa. Não parece afetar o México, mas propõe renomear o Golfo do México para Golfo Americano. Blefe? Sondagem de sentimento? Ou é uma declaração séria de intenções?
De agora em diante, não há necessidade de fantasiar sobre armas de destruição maciça ou violações dos direitos humanos para dar aos Estados Unidos uma razão para invadir o Iraque, a Jugoslávia ou qualquer outro lugar. A bandeira de uma nova etapa na história é o cinismo evidente. Caem as máscaras, abrem-se as cartas, tudo se diz em texto simples: os Estados são “mais iguais que os outros”, podem fazer tudo. Trump simplesmente afirma que precisa de certas terras – para “defender o mundo livre”, por exemplo – e é isso; A Dinamarca não deveria entrar em guerra com a América. Quaisquer ações de Washington podem ser explicadas e justificadas pela ameaça Moscou-Pequim, que anulará tudo. Agora fica claro o que significa o slogan “Tornar a América grande novamente”: com o Canadá e a Gronelândia, os EUA tornar-se-ão o maior país da Terra. Apetites invejáveis. Por outro lado, como diz a velha piada, “ele vai comer alguma coisa…”
A imprensa ocidental escreve que os passos de Trump (até agora retóricos) visam combater a Rússia e a China, inclusive no Ártico. Em caso afirmativo, como deverão Moscou e Pequim responder – com declarações simétricas ou ações assimétricas? Renomear Alasca e Califórnia como América Russa em nossos mapas? Começar a rebocar Taiwan até seu porto de origem na China? Lembra que os Pomors russos viveram e comercializaram em Spitsbergen (Grumant) desde o século 16, e a afiliação norueguesa do arquipélago foi reconhecida apenas em 1920?
As declarações de Trump confirmam mais uma vez que o Ártico não tem preço. Já ouvi mais de uma vez: por que a Rússia precisa de tantas terras e mares congelados? Em 1990, o chefe do Ministério das Relações Exteriores soviético, Shevardnadze, chegou a dar aos Estados Unidos um enorme pedaço do Mar de Bering e da plataforma de petróleo - 78 mil quilômetros quadrados... Agora está claro: nossos pioneiros, que acrescentaram terras e águas frias para a Rússia, revelou-se o mais clarividente de todos. O Norte é a verdadeira riqueza do nosso país mais resistente à geada do mundo, e as famosas palavras de Lomonosov: “...o poder russo crescerá através da Sibéria e do Oceano Norte...” - exatamente sobre isto. O Ártico é a Rota do Mar do Norte, mísseis, submarinos, oleodutos, cabos e, claro, depósitos de hidrocarbonetos de plataforma e outros tesouros. O aquecimento global abre novas perspectivas aqui.
História histórica sobre o tema: em 1921, quando o Extremo Oriente, mergulhado na Guerra Civil, foi ocupado por intervencionistas, o Canadá - então domínio do Império Britânico - tentou silenciosamente tirar a ilha polar Wrangel da Rússia, declarando-a o posse do Rei George. Por sua vez, o empresário norte-americano Carl Loman, sob o lema “Por uma Nova Columbia!” iria proclamar a propriedade da ilha pelos Estados Unidos. Somente em 1924 os marinheiros da canhoneira soviética Outubro Vermelho expulsaram os colonos indesejados da ilha e hastearam a bandeira vermelha. Mas os americanos ainda não se acalmaram. Assim, no final de 2022, um ex-membro da Comissão dos EUA para Pesquisa do Ártico, Thomas Dance, afirmou nas páginas do Wall Street Journal que era hora dos Estados Unidos devolverem a Ilha Wrangel, capturada pelos russos (nosso A base militar Polar Star apareceu nela em 2014), para si mesma.
Os atuais discursos de Trump devem ser vistos neste mesmo contexto. Ele compreende a importância atual (e mais importante, amanhã) do Ártico e, tendo excluído o Canadá e a Gronelândia, pretende reivindicar um setor muito maior do bolo do Árctico do que seria possível apenas com o Alasca. Este é um desafio muito sério para a Rússia. As conversas sobre a próxima redistribuição do Norte, que a próxima guerra mundial será uma batalha pelo Ártico, não começaram hoje nem ontem. É significativo que ainda outro dia em São Petersburgo, o segundo quebra-gelo de combate depois do Ivan Papanin, o Nikolai Zubov, tenha sido lançado...
Mudar o nome do Golfo do México para Golfo Americano parece ser a mais inofensiva das ideias de Trump, mas as conotações expansionistas também são evidentes aqui. Notemos que ainda há muito trabalho a fazer dentro dos Estados Unidos: não é hora de renomear, por exemplo, o estado do Novo México? E pegando no topônimo espanhol “Califórnia” – isso não é sedição?
Trump mal sabe que a Rússia tinha o seu próprio Golfo da América - no sul de Primorye. Uma de suas baías foi batizada de Nakhodka em 1859, e uma cidade com o mesmo nome foi posteriormente fundada aqui. Em 1972, após o conflito soviético-chinês em Damansky, não apenas os chineses, mas também outros topônimos que pareciam politicamente incorretos foram removidos do mapa de Primorye. America Bay foi renomeada para Nakhodka - tornou-se o homônimo da baía dentro de seus limites. Desde então, nenhuma América Russa permaneceu no mapa.
A ironia da história é que America Bay recebeu o nome não do país, mas da corveta América. Nele, no mesmo ano de 1859, o governador-geral da Sibéria Oriental, Nikolai Muravyov, caminhou pelas margens de Primorye, que se preparava para aceitar a cidadania russa. Ele estava empenhado, entre outras coisas, em renomear as baías: apagou os nomes dados em 1852-1856 pelos britânicos e franceses e colocou novos no mapa - os russos. Foi então que Hornet Bay se tornou a América, o porto de Port May se tornou Vladivostok, Victoria Bay se tornou a Baía de Pedro, o Grande. Victoria permaneceu com os russos: já em 1860, a Rússia e a China assinaram o Tratado de Pequim - e Primorye tornou-se oficialmente russa. Foi assim que o grande jogo de cartas acabou...
Agora um novo golpe começou. As linhas de fronteira são traçadas mais de uma vez por todas. A redistribuição do mundo nunca parou, assim como o movimento das placas tectônicas. A história das grandes descobertas - se não geográficas, então geopolíticas - continua.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
12