domingo, 9 de fevereiro de 2025

Justiça sob ataque: o risco real da interferência dos EUA no caso Bolsonaro

STF e Jair Bolsonaro (Foto: Reuters)

O DOJ dos EUA tem sido uma das peças-chave na aplicação da guerra híbrida contra governos que desafiam os interesses norte-americanos

Reynaldo José Aragon Gonçalves
brasil247.com/

O destino da democracia brasileira pode estar sendo decidido muito além de nossas fronteiras. Com Trump de volta à Casa Branca e seus aliados no controle do Departamento de Justiça dos EUA, cresce a suspeita de uma operação internacional para interferir no sistema jurídico brasileiro e salvar Bolsonaro e seus aliados da responsabilização pelos crimes de 8 de janeiro.

O perigo da anistia e os movimentos suspeitos.

O Brasil vive um momento crítico em sua democracia. A movimentação política em torno de uma possível anistia aos golpistas do 8 de janeiro de 2023 levanta preocupações sérias sobre a influência de forças internas e externas que buscam garantir a impunidade de criminosos que atentaram contra o Estado democrático de direito. As recentes declarações do novo presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), em defesa da anistia e da implementação de um semipresidencialismo, indicam que há uma articulação no Congresso para limitar os poderes do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e transferir maior controle ao Legislativo. Essa proposta, que fere princípios constitucionais, surge no contexto de uma extrema-direita fortalecida e cada vez mais alinhada aos interesses internacionais do trumpismo e das elites econômicas norte-americanas. A situação se agrava com a notícia de que o Procurador-Geral da República, Paulo Gonet, participou recentemente de um jantar com figuras bolsonaristas, figuras interessadas na anistia aos acusados de golpe de Estado. O encontro contou com a presença de Ricardo Salles, ex-ministro do Meio Ambiente; Ives Gandra Filho, ex-ministro do TST e jurista bolsonarista; e Marco Aurélio Mello, ex-ministro do STF. Também estava presente o advogado de Almir Garnier Santos, ex-comandante da Marinha, um dos principais investigados na trama golpista. Esse tipo de articulação política entre membros do alto escalão do Judiciário e figuras comprometidas com o bolsonarismo sugere que há um esforço coordenado para enfraquecer as investigações e aliviar as pressões sobre os militares e políticos envolvidos no golpe.

O cenário torna-se ainda mais preocupante quando observamos o histórico do Departamento de Justiça dos Estados Unidos (DOJ) e de suas instituições associadas, que há décadas operam ativamente na desestabilização de governos progressistas em países da América Latina. A influência norte-americana em golpes e intervenções políticas no Brasil não é novidade. Em 1964, a CIA e o Departamento de Estado dos EUA forneceram apoio estratégico e financeiro ao golpe militar contra João Goulart. Em 2016, a derrubada de Dilma Rousseff contou com o respaldo indireto de fundações e think tanks ligados ao DOJ e ao establishment jurídico dos EUA. O próprio lawfare contra Lula e o PT na Lava Jato teve suporte de setores do Departamento de Justiça, com colaboração direta de procuradores brasileiros. Agora, em fevereiro de 2025, a volta de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos reacende os alertas sobre o papel que o DOJ, a USAID, think tanks conservadores e as Big Techs podem desempenhar na política brasileira. O Projeto 2025, elaborado por setores ultraconservadores nos EUA, tem como um de seus principais objetivos o aparelhamento completo das instituições americanas para fortalecer a agenda MAGA (Make America Great Again), que tem forte conexão ideológica com o bolsonarismo. Com figuras-chave do governo Trump assumindo cargos estratégicos no DOJ e no Departamento de Estado, a extrema-direita norte-americana pode estar se movimentando para proteger Bolsonaro e seus aliados da responsabilização pelos crimes cometidos.

Diante desse quadro, o Executivo e o Supremo Tribunal Federal (STF) continuam sendo as principais trincheiras na defesa da democracia brasileira. Contudo, sofrem pressões de diversos setores, incluindo a Justiça dos EUA e as Big Techs, que enxergam figuras como Alexandre de Moraes como uma ameaça ao modelo de impunidade e desinformação que sustentou o bolsonarismo. A resistência do STF em relação à regulação das plataformas digitais e o endurecimento das investigações sobre redes bolsonaristas fizeram com que empresas como Meta, X (antigo Twitter) e Google passassem a atuar diretamente para deslegitimar as ações do tribunal e enfraquecer a fiscalização sobre as práticas das redes sociais. A movimentação pelo enfraquecimento das instituições brasileiras, a defesa da anistia e o fortalecimento de Bolsonaro pela extrema-direita internacional não são eventos isolados. Trata-se de uma estratégia bem coordenada, com respaldo de setores do DOJ e de figuras do governo Trump, que pode ter impactos profundos na democracia brasileira. O que está em jogo não é apenas a punição dos golpistas de 8 de janeiro, mas a própria sobrevivência do sistema democrático frente a uma rede global de interesses que busca transformar o Brasil em um laboratório permanente da guerra híbrida e da extrema-direita internacional.

O papel histórico dos EUA na desestabilização de governos progressistas.

O histórico de interferência dos Estados Unidos na política latino-americana é extenso e bem documentado. Ao longo do século XX e XXI, diversas instituições norte-americanas, como a CIA, o Departamento de Estado, o Departamento de Justiça (DOJ) e a USAID, atuaram direta ou indiretamente para desestabilizar governos progressistas e garantir que esses países permanecessem alinhados aos interesses estratégicos e econômicos de Washington. No Brasil, essa influência foi determinante em três momentos-chave: o golpe militar de 1964, o golpe jurídico-parlamentar de 2016 e a guerra jurídica da Lava Jato contra o PT e Lula. Agora, com a volta de Donald Trump ao poder nos Estados Unidos, há sinais de que uma nova ofensiva pode estar em curso, desta vez para proteger Bolsonaro e seus aliados da responsabilização pelos crimes cometidos, incluindo a tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023. A interferência norte-americana na derrubada de João Goulart em 1964 é um dos casos mais emblemáticos da participação dos EUA na desestabilização de governos na América Latina. Documentos desclassificados da CIA e do Departamento de Estado mostram que o governo dos Estados Unidos esteve diretamente envolvido na articulação do golpe, oferecendo apoio financeiro, estratégico e militar aos conspiradores. O então embaixador dos EUA no Brasil, Lincoln Gordon, manteve contato direto com os generais golpistas e garantiu que Washington apoiaria qualquer ação para impedir que o Brasil seguisse uma trajetória independente. Como parte desse apoio, os EUA lançaram a Operação Brother Sam, um plano secreto que previa o envio de armas, combustível e apoio naval aos golpistas, caso houvesse resistência militar ou popular ao golpe. Com a deposição de Goulart, os EUA garantiram a instalação de um regime ditatorial no Brasil, que duraria 21 anos e serviria como modelo para outras intervenções na região.

Mais de meio século depois, a interferência norte-americana no Brasil assumiu novas formas. O golpe contra Dilma Rousseff em 2016 não se deu mediante tanques nas ruas, mas por meio do uso instrumental do Congresso, do Judiciário e da grande mídia para desestabilizar o governo. O lawfare tornou-se a principal ferramenta da guerra híbrida, e instituições norte-americanas, como o Departamento de Justiça e o FBI, tiveram um papel determinante no processo. A Operação Lava Jato, por exemplo, foi conduzida com colaboração direta entre procuradores brasileiros e agentes do DOJ, resultando na perseguição seletiva de políticos e empresários ligados ao Partido dos Trabalhadores, enquanto figuras alinhadas aos interesses dos EUA foram poupadas. O impacto da Lava Jato foi devastador para o Brasil. Além de resultar na derrubada de um governo democraticamente eleito, a operação destruiu setores estratégicos da economia, como a Petrobras e a Odebrecht, abrindo espaço para que empresas estrangeiras ocupassem o vácuo deixado pela desestabilização do mercado nacional. O próprio ex-presidente Lula foi preso em 2018 em um processo amplamente questionado, baseado em acusações frágeis e sem provas concretas. Sua prisão impediu que ele concorresse nas eleições daquele ano, facilitando a vitória de Jair Bolsonaro, um candidato alinhado à extrema-direita global e aos interesses geopolíticos dos EUA sob a presidência de Donald Trump.

O modelo de desestabilização aplicado no Brasil não foi isolado, mas sim parte de uma estratégia recorrente dos EUA na América Latina e no mundo. O golpe de Estado no Chile em 1973, que resultou na derrubada de Salvador Allende e na ascensão da ditadura de Augusto Pinochet, foi amplamente patrocinado pela CIA, que financiou a oposição e desestabilizou a economia chilena antes da intervenção militar. Na Venezuela, os Estados Unidos tentaram diversas vezes enfraquecer os governos de Hugo Chávez e Nicolás Maduro, promovendo sanções econômicas e apoiando golpes fracassados, como o de 2002 e o reconhecimento de Juan Guaidó como "presidente interino". Na Bolívia, a derrubada de Evo Morales em 2019 foi articulada pela Organização dos Estados Americanos (OEA), um organismo tradicionalmente alinhado aos interesses norte-americanos, que divulgou um relatório fraudulento para justificar a remoção do presidente progressista.

Agora, em fevereiro de 2025, com Donald Trump de volta ao poder, há sinais claros de que os mesmos mecanismos estão sendo acionados para garantir a sobrevivência do bolsonarismo no Brasil. O Projeto 2025, um documento elaborado por think tanks ultraconservadores nos EUA, prevê o aparelhamento completo das instituições norte-americanas para consolidar a agenda MAGA (Make America Great Again). Esse plano inclui o controle total do Departamento de Justiça e do FBI para proteger aliados da extrema-direita e perseguir opositores, a instrumentalização do Departamento de Estado para fortalecer lideranças conservadoras no exterior e a ampliação da influência das Big Techs sobre governos e sistemas eleitorais. A nomeação de Pam Bondi como Procuradora-Geral dos EUA fortalece essa estratégia, pois ela é uma das principais aliadas de Trump e já demonstrou disposição em utilizar o sistema de justiça para fins políticos. Além disso, a escolha de Marco Rubio como Secretário de Estado indica que a relação entre Washington e os movimentos de extrema-direita latino-americanos será ainda mais próxima. O histórico de intervenções dos EUA na América Latina mostra que não se trata de uma hipótese improvável ou de uma teoria da conspiração, mas de uma estratégia sistemática que se repete ao longo do tempo. O fortalecimento do bolsonarismo no Brasil, a defesa da anistia para golpistas e a articulação entre militares, políticos e setores do Judiciário indicam que há um movimento coordenado em curso, possivelmente com apoio externo, para impedir a responsabilização de Bolsonaro e de sua base política. A história ensina que o DOJ e outras instituições norte-americanas foram utilizados para manipular o cenário político de diversos países, e a situação atual do Brasil sugere que esse padrão está se repetindo. O que está em jogo, mais uma vez, é a soberania nacional frente a uma agenda internacional que busca manter o Brasil como um território subordinado aos interesses norte-americanos.

O Departamento de Justiça dos Estados Unidos (DOJ) tem sido uma das peças-chave na aplicação da guerra híbrida contra governos que desafiam os interesses norte-americanos. Ao longo das últimas décadas, o DOJ desenvolveu métodos sofisticados de influência sobre sistemas jurídicos estrangeiros, utilizando o conceito de lawfare – a manipulação da lei como arma de guerra política – para desestabilizar governos progressistas. Esse modelo não se dá apenas através de sanções econômicas ou intervenções diretas, mas pela cooptação de sistemas judiciários nacionais, o que permite que processos judiciais sejam usados para perseguir lideranças políticas e eliminar adversários políticos sem a necessidade de golpes militares tradicionais. No Brasil, esse modelo foi claramente visível na Operação Lava Jato, que serviu como um laboratório de guerra jurídica coordenado entre o DOJ, o FBI e setores do Ministério Público Federal brasileiro, resultando no enfraquecimento de forças progressistas e na ascensão do bolsonarismo.

O lawfare tem sido uma ferramenta essencial dos EUA na guerra híbrida, permitindo que operações jurídicas substituam táticas militares convencionais. Isso ocorre por meio da cooperação seletiva entre o DOJ e Ministérios Públicos de outros países, onde promotores e juízes são treinados em programas oferecidos pelos EUA, criando uma dependência institucional e ideológica. No Brasil, essa cooperação ficou evidente na Lava Jato, quando procuradores da força-tarefa estabeleceram comunicação direta e informal com agentes do DOJ e do FBI, sem o devido conhecimento do Ministério da Justiça. Documentos vazados pela Vaza Jato revelaram que Deltan Dallagnol, Sérgio Moro e outros membros da operação mantinham contato frequente com o Departamento de Justiça dos EUA, o que violava os protocolos legais de cooperação internacional. Essa relação permitiu que a Lava Jato agisse seletivamente, destruindo empresas brasileiras como a Petrobras e a Odebrecht enquanto protegia concorrentes estrangeiros e políticos alinhados aos interesses norte-americanos.

O Departamento de Justiça dos EUA e o lawfare: a arma Jurídica da guerra híbrida contra o Brasil.

O impacto da instrumentalização do sistema de justiça pelo DOJ vai muito além do Brasil. Casos semelhantes ocorreram em diversos países da América Latina e do mundo, onde a guerra híbrida utilizou o lawfare para remover ou enfraquecer governos progressistas. Na Argentina, o lawfare foi usado contra Cristina Kirchner, que enfrentou uma série de processos judiciais baseados em acusações frágeis, muitas das quais foram posteriormente desmentidas. No Equador, Rafael Correa foi alvo de uma perseguição judicial que o impediu de disputar novas eleições. No Paraguai, o impeachment relâmpago de Fernando Lugo, em 2012, contou com respaldo de setores jurídicos e políticos influenciados por think tanks norte-americanos. Agora, em fevereiro de 2025, com Donald Trump novamente no comando dos EUA, há um novo realinhamento dessas estratégias, e tudo indica que o Departamento de Justiça norte-americano pode estar se movimentando para proteger Bolsonaro e sua base política da responsabilização pelos crimes cometidos. Com a posse da nova Procuradora-Geral dos EUA, Pam Bondi, aliada direta de Trump, o DOJ passa a ter um comando altamente ideológico e disposto a usar a instituição como uma arma política. Bondi tem um histórico de atuação conservadora e já demonstrou sua disposição de usar o sistema judiciário para fins políticos, tendo sido uma das defensoras de Trump durante o primeiro processo de impeachment e uma figura ativa no combate a políticas progressistas. Sua nomeação faz parte de uma estratégia maior do Projeto 2025, que busca consolidar o controle da extrema-direita sobre instituições de Estado e alinhar os sistemas judiciários dos EUA e de seus aliados para atuar em favor da agenda MAGA.

A nomeação de Marco Rubio como Secretário de Estado dos EUA reforça essa preocupação. Rubio tem laços próximos com a extrema-direita latino-americana e defendeu historicamente medidas agressivas contra governos progressistas na região. Ele é um dos principais articuladores da política norte-americana para Cuba e Venezuela e tem relação direta com figuras bolsonaristas, como Eduardo Bolsonaro. Com Rubio no comando da diplomacia norte-americana, o Brasil pode enfrentar pressões diretas e indiretas para suavizar as investigações contra Bolsonaro e seus aliados militares, garantindo que os golpistas escapem de punições severas. Outro fator preocupante é a influência das Big Techs na construção desse cenário. Empresas como Meta (Facebook, Instagram, WhatsApp), Google e X (antigo Twitter) têm um histórico de tolerância e, em alguns casos, colaboração com campanhas de desinformação da extrema-direita global. A ascensão de Trump fortalece essas corporações no jogo político, especialmente porque plataformas como X, sob a liderança de Elon Musk, passaram a atuar abertamente contra regulações que limitam a propagação de fake news. A ofensiva do STF brasileiro, liderada por Alexandre de Moraes, contra redes de desinformação bolsonaristas irritou profundamente as Big Techs, que passaram a patrocinar um discurso de que o Brasil vive uma “censura judicial”, narrativa essa que ecoa nos círculos trumpistas nos EUA. Esse contexto reforça o argumento central de que o tempo da justiça é um fator determinante na guerra híbrida. Conforme discutido no artigo "O Tempo da Justiça na Era da Hiperconectividade", publicado no Jornal GGN, há um descompasso estrutural entre a velocidade das redes sociais e o tempo de resposta do sistema jurídico. Esse descompasso é explorado estrategicamente pela extrema-direita para manipular a opinião pública antes que os fatos sejam devidamente apurados. No caso da tentativa de golpe de 8 de janeiro, esse mecanismo tem sido utilizado para minimizar a gravidade dos crimes cometidos e criar um ambiente favorável para a anistia dos golpistas. Enquanto o STF e o Executivo lutam para garantir a responsabilização dos envolvidos, setores da mídia e das redes sociais alimentam um discurso de vitimização dos bolsonaristas, sugerindo que há uma perseguição política em curso. Diante desse cenário, a instrumentalização do Departamento de Justiça dos EUA e de suas instituições associadas deve ser acompanhada com atenção. A história mostra que essas movimentações acontecem raramente sem um propósito maior, e os indícios de pressão para garantir a impunidade de Bolsonaro e seus aliados são cada vez mais evidentes. Se o Brasil não resistir a essa ofensiva, corre o risco de repetir o ciclo histórico de interferências externas, onde o sistema de justiça é manipulado para consolidar interesses estrangeiros em detrimento da soberania nacional.

O Projeto 2025 e o aparelhamento das instituições dos EUA pelo trumpismo: como o MAGA influencia o bolsonarismo.

Desde sua ascensão ao poder em 2016, Donald Trump consolidou um projeto político de extrema-direita que transcende os limites da política tradicional dos Estados Unidos. Seu movimento, conhecido como MAGA (Make America Great Again), não é apenas uma plataforma eleitoral, mas sim um projeto de poder que busca reformular o Estado norte-americano para consolidar um modelo ultraconservador, autoritário e tecnocrático. O Projeto 2025, elaborado por think tanks alinhados ao trumpismo, é a materialização dessa estratégia, desenhando um plano de ação para aparelhar completamente as instituições de Estado dos EUA e fortalecer aliados internacionais, incluindo Jair Bolsonaro e a extrema-direita brasileira. O Projeto 2025 foi desenvolvido pela Heritage Foundation, um dos principais think tanks conservadores dos EUA, em parceria com outras entidades ultrarreacionárias, como o America First Legal, Center for Renewing America e Claremont Institute. O documento apresenta uma estratégia detalhada de quatro anos para consolidar o poder trumpista sobre a máquina estatal norte-americana, eliminando qualquer resquício do liberalismo clássico e da autonomia das instituições. O objetivo central do projeto é transformar o governo dos EUA em um instrumento puramente ideológico, garantindo que todas as decisões do Estado estejam subordinadas à agenda MAGA. Para isso, o plano prevê a purga de servidores públicos "não confiáveis" e sua substituição por leais ao trumpismo, o controle absoluto sobre o Departamento de Justiça, FBI e órgãos de inteligência para perseguir adversários políticos e proteger aliados, a instrumentalização do Departamento de Estado para fortalecer regimes de extrema-direita em todo o mundo, o desmonte das regulações ambientais, trabalhistas e sociais para favorecer grandes corporações e bilionários da tecnologia e a militarização da política externa para conter a ascensão da China e de blocos como os BRICS.

Com a posse de Trump em janeiro de 2025, esse projeto começou a ser implementado com rapidez. A nomeação de Pam Bondi como Procuradora-Geral dos EUA e de Marco Rubio como Secretário de Estado já sinaliza a intenção de transformar as instituições norte-americanas em um instrumento de guerra política contra opositores e em um trampolim para expandir o poder do trumpismo globalmente. Pam Bondi tem um histórico de fidelidade a Trump e participou ativamente de sua defesa durante o primeiro impeachment, enquanto Marco Rubio sempre foi um dos maiores defensores da política de intervenção dos EUA na América Latina, especialmente contra governos progressistas. Essa nova configuração institucional tem impacto direto no Brasil. O bolsonarismo sempre foi um apêndice do trumpismo, tanto no discurso quanto nas estratégias políticas e digitais. Durante o governo Bolsonaro, Eduardo Bolsonaro manteve relações estreitas com Steve Bannon, ex-estrategista de Trump e um dos maiores articuladores da extrema-direita global. Agora, com o trumpismo reassumindo o poder nos EUA, há uma forte tendência de que essa rede internacional seja reativada para proteger Bolsonaro e sua base política das investigações em curso. O primeiro sinal dessa movimentação foi a mudança de tom da diplomacia norte-americana em relação às investigações sobre a tentativa de golpe de 8 de janeiro. Enquanto o governo Biden mantinha uma postura mais crítica ao bolsonarismo e apoiava as instituições democráticas brasileiras, o novo governo Trump tem dado sinais de que pode pressionar o Brasil nos bastidores para aliviar as acusações contra Bolsonaro e os militares envolvidos no golpe. Com o Departamento de Estado e o DOJ sob comando de figuras leais ao trumpismo, a tendência é que os EUA passem a atuar diretamente para enfraquecer as investigações e criar um ambiente favorável à anistia dos golpistas.

Além disso, as Big Techs desempenham um papel fundamental nesse processo, especialmente no que se refere à desinformação e à guerra cultural. Empresas como Meta (Facebook, Instagram, WhatsApp), Google e X (antigo Twitter) foram essenciais na ascensão da extrema-direita ao redor do mundo, permitindo a propagação de fake news, discursos de ódio e teorias conspiratórias sem regulamentação adequada. Durante o governo Biden, houve tentativas de aumentar a regulação dessas plataformas, mas com Trump de volta ao poder, a tendência é que essas empresas tenham ainda mais liberdade para atuar como megafones da extrema-direita. Isso significa que a máquina de desinformação bolsonarista pode ser reativada com força total, com apoio direto de setores do governo norte-americano. Outro ponto crucial do Projeto 2025 é a aliança entre o trumpismo e o tecnolibertarianismo, uma ideologia defendida por bilionários como Peter Thiel, Elon Musk e outros magnatas do Vale do Silício. Esses empresários têm uma visão de mundo baseada no fim do Estado como conhecemos, na privatização total dos serviços públicos e na ideia de que as corporações devem substituir os governos tradicionais. O Brasil, como um dos principais laboratórios da guerra híbrida e da extrema-direita, se encaixa perfeitamente nesse modelo. Durante o governo Bolsonaro, vimos uma aproximação direta entre a extrema-direita brasileira e esses setores do Vale do Silício, e a volta de Trump ao poder nos EUA deve fortalecer essa conexão. O Projeto 2025 não é apenas um documento político; é um plano detalhado de como a extrema-direita norte-americana pretende remodelar a geopolítica global, influenciar eleições e garantir a sobrevivência de seus aliados. No Brasil, isso se traduz diretamente na tentativa de garantir a impunidade de Bolsonaro e seus aliados militares, na manutenção da influência das Big Techs sobre o debate público e na utilização do Departamento de Justiça dos EUA como ferramenta para proteger os interesses da extrema-direita internacional. Se o Brasil não estiver atento a essa movimentação, corre o risco de repetir o ciclo histórico de interferências externas que marcaram sua trajetória política e institucional.

A rede de apoio internacional ao bolsonarismo: como instituições americanas atuam para proteger a extrema-direita brasileira.

Desde a ascensão de Jair Bolsonaro à presidência em 2018, a extrema-direita brasileira consolidou sua conexão com instituições estratégicas dos Estados Unidos, criando uma rede de apoio ideológico, jurídico e econômico que sobreviveu mesmo após a saída de Bolsonaro do poder. Essa articulação envolve setores do governo norte-americano, think tanks conservadores, fundações empresariais e plataformas de tecnologia, todos operando em um modelo consolidado de influência externa sobre governos latino-americanos. A volta de Donald Trump ao poder em 2025 intensifica ainda mais essas relações, reativando laços estratégicos entre o bolsonarismo e as forças mais radicais do establishment norte-americano. O Departamento de Estado dos EUA, agora sob comando de Marco Rubio, é um dos principais canais institucionais de apoio ao bolsonarismo. Rubio, que há anos mantém relações próximas com Eduardo Bolsonaro, é conhecido por sua postura agressiva contra governos progressistas na América Latina e por seu alinhamento com a agenda ultraconservadora. Durante o governo Trump, Rubio foi uma das vozes mais ativas na política externa dos EUA para a América Latina, apoiando sanções contra Venezuela e Cuba e incentivando movimentos oposicionistas nesses países. Com sua nomeação para o cargo de Secretário de Estado, é altamente provável que o Brasil volte a ser um dos focos de atenção de sua gestão, especialmente no que diz respeito às investigações contra Bolsonaro e seus aliados.

Outro pilar fundamental dessa rede de influência é o Departamento de Justiça dos EUA (DOJ), que já desempenhou um papel central na guerra híbrida contra governos progressistas na América Latina. Durante a Operação Lava Jato, procuradores norte-americanos colaboraram diretamente com membros do Ministério Público Federal brasileiro para enfraquecer o governo do Partido dos Trabalhadores e promover um processo de desestabilização que resultou na ascensão do bolsonarismo. Agora, sob o comando de Pam Bondi, uma fiel aliada de Trump, o DOJ pode ser instrumentalizado para interferir no cenário político brasileiro, seja através de pressões jurídicas, investigações seletivas ou cooperação com setores do Judiciário brasileiro para aliviar a situação de Bolsonaro. Os think tanks ultraconservadores norte-americanos também desempenham um papel crucial nesse processo. Instituições como a Heritage Foundation, Hudson Institute e Claremont Institute há anos promovem programas de treinamento e financiamento para políticos e ativistas de extrema-direita ao redor do mundo. Eduardo Bolsonaro, por exemplo, já participou de eventos promovidos pela Heritage Foundation e mantém uma relação próxima com figuras influentes desse think tank. Essas instituições fornecem suporte intelectual e político para a consolidação de um movimento global de extrema-direita, promovendo encontros, elaborando estratégias jurídicas e influenciando políticas públicas de países aliados.

Além dessas instituições, há um fator econômico determinante: o apoio de bilionários do Vale do Silício, que enxergam no trumpismo e no bolsonarismo um caminho para a implementação do tecnolibertarianismo. Figuras como Peter Thiel, Elon Musk e David Sacks têm financiado think tanks e plataformas digitais que amplificam discursos da extrema-direita. A compra do Twitter (atual X) por Elon Musk foi um marco nesse processo, permitindo que redes bolsonaristas voltassem a operar livremente na plataforma, sem restrições contra desinformação ou discurso de ódio. No contexto atual, a volta de Trump ao poder nos EUA fortalece ainda mais esse eixo, garantindo que as Big Techs operem como aliadas estratégicas na propagação de conteúdos que favorecem o bolsonarismo. Essa articulação internacional também se manifesta na esfera jurídica. O bolsonarismo tem recebido apoio de escritórios de advocacia e juristas norte-americanos ligados ao movimento ultraconservador. Um dos exemplos mais recentes foi a contratação de Jason Miller, ex-assessor de comunicação de Trump, para auxiliar na defesa de Bolsonaro nos processos sobre a tentativa de golpe de 8 de janeiro. Miller é o fundador da plataforma Gettr, uma rede social que se tornou um refúgio para bolsonaristas banidos de outras plataformas por espalhar fake news e discurso extremista. Sua atuação junto à defesa de Bolsonaro reforça a tese de que há uma mobilização internacional para proteger o ex-presidente brasileiro e sua base política. Outro ponto relevante é a ofensiva contra o STF e contra Alexandre de Moraes, promovida por setores alinhados ao trumpismo. Durante os últimos anos, Moraes se tornou o principal alvo das redes bolsonaristas, acusado falsamente de promover censura e perseguição política. Esse discurso tem sido amplificado por veículos de mídia ligados à extrema-direita norte-americana, como a Fox News e o Breitbart, além de influenciadores digitais e políticos aliados de Trump. A estratégia é clara: enfraquecer o STF para criar um ambiente favorável à anistia dos golpistas e garantir a impunidade de Bolsonaro. A conexão entre as instituições norte-americanas e o bolsonarismo não é uma questão especulativa, mas sim um processo documentado e amplamente observado nos últimos anos. O que estamos vendo em 2025 é a reativação dessa rede de apoio, agora com Trump de volta ao poder e figuras-chave do seu governo ocupando posições estratégicas para influenciar o cenário político brasileiro. A luta pela soberania do Brasil depende da capacidade de identificar e resistir a essas interferências externas, garantindo que as instituições nacionais não sejam capturadas por interesses estrangeiros disfarçados de cooperação diplomática ou jurídica.

O Perigo Real da Interferência Jurídica e o Futuro da Soberania Brasileira.

O Brasil se encontra em um momento decisivo, onde o sistema de justiça não é apenas um campo de batalha interno, mas também uma peça estratégica em um jogo geopolítico muito maior. A confluência de fatores como o retorno de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos, a ascensão de figuras ultraconservadoras ao comando de instituições norte-americanas e a reativação de redes internacionais de extrema-direita coloca o país sob uma ameaça concreta de interferência externa no curso de suas investigações judiciais. O Departamento de Justiça dos EUA (DOJ), ao longo das últimas décadas, demonstrou sua capacidade de instrumentalizar processos jurídicos para desestabilizar governos, influenciar sistemas de justiça estrangeiros e proteger aliados estratégicos – e não há qualquer indicação de que essa postura vá mudar no cenário atual. A volta de Trump trouxe consigo uma reorganização profunda das instituições norte-americanas, em especial do DOJ, agora sob o comando de Pam Bondi, conhecida por sua atuação partidária e por sua disposição em usar o sistema judiciário para fins políticos. Isso, aliado à nomeação de Marco Rubio como Secretário de Estado, fortalece um eixo ideológico claramente alinhado ao bolsonarismo, o que levanta questionamentos sobre qual será o real papel dessas instituições no desenrolar das investigações contra Bolsonaro e seus aliados. Há precedentes históricos suficientes para afirmar que o DOJ pode atuar, direta ou indiretamente, para enfraquecer processos judiciais no Brasil, seja por meio de pressões diplomáticas, seja através da influência sobre setores do Ministério Público e do Judiciário que já demonstraram alinhamento com as diretrizes de Washington.

A experiência da Operação Lava Jato serve como um alerta fundamental sobre como a cooperação jurídica internacional pode ser manipulada para atender interesses externos, resultando na perseguição seletiva de líderes progressistas e no enfraquecimento de setores estratégicos da economia nacional. A revelação de que procuradores brasileiros mantinham comunicação informal e ilegal com o DOJ e o FBI durante a operação demonstra que essa influência não é meramente teórica, mas sim uma realidade concreta, documentada e amplamente utilizada na guerra híbrida contra o Brasil. Agora, com a perspectiva de um novo ciclo de interferências, torna-se essencial que o sistema jurídico brasileiro esteja preparado para resistir a tentativas de cooptação e manipulação. O descompasso entre o tempo da justiça e o tempo da desinformação nas redes sociais cria uma brecha explorada por aqueles que buscam subverter o processo democrático. A extrema-direita global aprendeu a usar o tempo da hiperconectividade contra o tempo da justiça, produzindo narrativas que relativizam crimes, criminalizam opositores e enfraquecem instituições antes mesmo que os fatos sejam julgados. O bolsonarismo, assim como o trumpismo, entende que a opinião pública pode ser moldada rapidamente através das plataformas digitais e que, uma vez instaurada uma crise de confiança no Judiciário, torna-se muito mais fácil legitimar manobras jurídicas para proteger seus líderes. É nesse contexto que o papel das Big Techs se torna central: ao controlar o fluxo de informações, essas empresas moldam a percepção do público sobre a legitimidade das investigações e das decisões judiciais.

As pressões para que Bolsonaro e seus aliados sejam anistiados não são meramente nacionais. O movimento pela impunidade tem ramificações internacionais e está sendo estrategicamente amparado por redes ultraconservadoras nos EUA. Se há um esforço coordenado para minar as investigações e criar um ambiente político favorável à absolvição de figuras centrais do bolsonarismo, ele não pode ser ignorado ou subestimado. O que está em jogo não é apenas a punição dos responsáveis pela tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023, mas a própria soberania do sistema de justiça brasileiro diante de pressões externas e tentativas de aparelhamento ideológico. Se o Brasil deseja manter sua autonomia jurídica e garantir que a democracia prevaleça, será necessário resistir a essas influências e estabelecer mecanismos claros de proteção contra a instrumentalização do Judiciário para atender interesses estrangeiros. O alerta já foi dado pela história. Cabe agora às instituições brasileiras decidir se irão aprender com ele – ou repetir os mesmos erros que permitiram que o país fosse manipulado por mãos invisíveis em momentos cruciais de sua trajetória.



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