quarta-feira, 19 de fevereiro de 2025

Ou o Brasil acaba com a Selic, ou a Selic acaba com o Brasil

Centrais sindicais protestam em São Paulo contra taxa básica de juros no Brasil (Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil)

"A Selic é nefasta: ao subir, sinaliza inflação futura e eleva preços. Além disso, transfere renda de pobres para ricos de forma improdutiva"

J. Carlos de Assis
brasil247.com/

Ou o Brasil liquida com a Selic, ou será liquidado por ela. Esta taxa arbitrária e subjetiva, operada pelo Banco Central, que indexa hoje o mercado financeiro e praticamente toda a economia brasileira, tornou-se uma erva daninha que contém todos os elementos para fazer explodir, em algum momento futuro não muito distante, o mercado financeiro do país, levando toda a economia de roldão.

A Selic é duplamente nefasta. Primeiro, quando o Bacen a aumenta sob o pretexto de combater a inflação. Nesse caso, ela, de fato, indica aos agentes econômicos a inflação futura, e eles tratam de elevar seus preços a fim de se defenderem dela por antecipação. Por outro lado, a Selic é o mais poderoso instrumento de transferência de renda de pobres para ricos em nossa sociedade, de forma absolutamente improdutiva.

Esse instrumento tem a forma de “moeda financeira”, ou moeda que rende juros, disponível apenas para ricos e milionários. Eles depositam seus bilhões de reais em saldos de caixa no Bacen por meio das chamadas “operações compromissadas”, com liquidez diária, e recebem juros pelo prazo decorrido. Para ajustar o prazo à meta anunciada da Selic, fixada de 45 em 45 dias, o banco picota a taxa diariamente no over.

A “moeda financeira” é, hoje, o principal meio de transações financeiras das classes dominantes. Naturalmente, está fora do alcance das classes dominadas e do homem comum, que dificilmente têm saldos de caixa para deixar rendendo nos bancos. Não só isso. A “moeda financeira” empurra o dinheiro circulante na economia para fora do sistema produtivo, em favor do setor rentista parasitário.

E não é tudo. A Selic é o indexador da dívida pública, que está custando ao país, anualmente, só de juros, cerca de R$ 1 trilhão. Quando se consideram os outros serviços financeiros, como correção monetária e amortização, a conta final chega a quase R$ 2 trilhões. Esse montante está próximo do orçamento primário, onde são contabilizadas as despesas de real interesse público, como educação, saúde, previdência e outras.

No ritmo em que a Selic avança sobre o orçamento primário, esmagado pelo orçamento financeiro (este é sagrado, tem que ser pago de qualquer maneira), não demorará muito para o Brasil literalmente quebrar. Não haverá dinheiro para pagar o serviço da dívida pública. Nesse caso, estou inclinado a recomendar a solução Donald Trump: dar o calote na dívida pública e pagá-la com títulos precatórios de longo prazo.

Bastaria, para isso, que o presidente Lula tivesse coragem de congelar as operações compromissadas do Banco Central e recorrer aos precatórios. O Brasil, que não tem dívida externa para complicar as negociações com a banca internacional, pode dar-se ao luxo de chamar os banqueiros internos para um acordo. Se não quiserem, é o caso de invocar o imperativo da segurança nacional, já que, em breve, não teremos outra saída mesmo.

É claro que extinguir a Selic não basta para consertar a economia. É preciso substituí-la por alguma taxa de juros que não seja um fetiche inflacionário para supostamente controlar a inflação. O que importa é equilibrar demanda e oferta globais no mercado, já que a inflação resulta de um desequilíbrio entre essas duas variáveis, e não de déficit público ou de uma taxa básica de juros baixa.

A saída é convencer o Banco Central a operar uma taxa de juros básica no mercado aberto compatível com o nível de liquidez da economia, necessário para estimular a produção e a oferta a altas taxas, de forma a contrabalançar uma eventual alta da demanda proveniente de déficit público. A propósito: um déficit público de 3% do PIB, como o admitido nos países do euro pelo Banco Central Europeu – que não é propriamente um banco irresponsável –, seria um tremendo estímulo ao aumento da demanda, da produção (oferta) e do PIB no Brasil.

Um déficit de 3% do PIB, o qual somava, em fevereiro, R$ 11,655 trilhões, significaria colocar nas mãos do governo cerca de R$ 340 bilhões para investimentos adicionais líquidos em infraestrutura e despesas do orçamento social neste ano. Se a isso se acrescentasse a reforma financeira sugerida acima, escaparíamos da forca para a qual nos está empurrando a Selic – sob a complacência cúmplice do mercado financeiro e a indiferença de economistas acadêmicos, cuja frieza em relação a essa taxa perversa não consigo entender!



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