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Imagem: Afeez Ajibola Yusuf
BRUNO BONCOMPAGNO*
A luta por melhores direitos e alguns privilégios está em voga, massificada, ninguém aguenta mais esse mundo sem futuro
O jornal Financial Times não cansa de publicar artigos de seus brilhantes colunistas: seres esclarecidos, cujo intelecto é comprovado por suas formações em Cambridge, Oxford, London School of Economics ou em Harvard ou Princeton, sendo o gênio um Rhode Scholar. A verdade é uma: juntando todos esses posh bastards, não temos um cérebro por inteiro.
Acompanhemos um dos Big Reads, que logo aparece no centro da tela quando abrimos o site. Intitulado “Trump, Putin, Xi and the new age of empire“, Gideon Rachman começa com uma declaração marcante: vocês já escutaram sobre o neoliberalismo e o neoconservadorismo, agora é a era do neoimperialismo. Brilhante, formado em Cambridge, premiado internacionalmente, somente um britânico conseguiria formular uma sentença lúcida como essa, sucinta, elucidativa. É verdade, eu já escutei sobre essas duas vertentes, essa terceira, porém, não me saúda enquanto novidade.
Foi a Inglaterra, afinal, que dominou mais de três quartos do mundo no século XIX. Vladímir Lênin havia escrito seu clássico Imperialismo: último estágio do capitalismo em 1905. Hannah Arendt escreveu Origens do Totalitarismo detalhando a atitude dos europeus na terceira seção do livro, no começo do século passado. O que seria esse neoimperialismo que Gideon Rachman quer nos falar?
Ele explica: a Rússia invadiu a Ucrânia em 2022, e mesmo com Vladimir Putin deixando claro que sua intenção não é territorial, Gideon Rachman acha importante questioná-lo. A China pretende anexar Taiwan ao seu território nos próximos anos, sem invasões ou guerras, Xi Jinping quer apenas a reunião de uma parte milenar da China. Donald Trump tem outros planos: invadir o Canadá, o México, a Groenlândia, renomear o Golfo do México para Golfo da América, quer reconquistar o Canal do Panamá. O presidente norte-americano quer construir uma Riviera em Gaza, tornando o cemitério de crianças e idosos num ponto turístico para os sociopatas do ocidente. Gideon Rachman nos apresenta esses três líderes com a mesma preponderância, com o mesmo tom.
Xi Jinping, líder da People’s Republic of China, respeita o passado de sua grande nação, cujo maior feito militar foi subir a Grande Muralha da China. Sendo um império há 3000 anos, os chineses nunca invadiram outras nações. Comerciavam com a Índia, com a América Latina pré-Colombo, com os Persas; viram Roma se destruir, Napoleão perder as guerras, Alexandre se tornar pequeno, isso sem tentar dominar outros povos. A China, mesmo tendo completo domínio de seu mar e do comércio mundial, nunca impôs sua vontade de maneira brutal, colonizando, torturando e escravizando, diferente dos europeus.
Vladimir Putin, numa conferência em Munique em 2007, advertiu aos países europeus: a expansão da OTAN para o leste, indo à Ucrânia, desafiando a soberania russa, será respondida na mesma moeda. A fala de 2007 não foi respeitada: os americanos tinham um smirk em suas faces; os alemães caçoaram de Vladimir Putin; os franceses fumavam cigarros atrás de cigarros, quando se lembravam o que aconteceu com Napoleão. Os EUA, além de humilharem a Rússia continuamente desde o desmanche da União Soviética, queriam colocar bases militares na fronteira russa, com mísseis de longo alcance direcionados à Moscou e São Petersburgo. A OTAN nasce como um órgão nazista, cujos líderes eram da SS, tal como a NASA.
Vladimir Putin já declarou publicamente seu interesse político e estratégico nessa operação especial militar: desmilitarizar a Ucrânia, desnazificar a Ucrânia e impor a neutralidade geopolítica, sem deixá-los entrar na OTAN. O ex-presidente Valodymyr Zelensky, mais conhecido por sua carreira de comediante, segue porém, as ordens da elite americana e britânica que financiam, além das armas, a corrupção incessante de seu governo. Jeffrey Sachs, professor da Universidade de Columbia em Nova Iorque, está indo à público diariamente para delatar a corrupção desenfreada desse governo do palhaço Zelensky.
Segue um trecho de uma entrevista concedida ao Economic Times pelo ex-presidente Volodymyr Zelensky: “presidente, o Trump disse que só os Estados Unidos da América deram $200 bilhões tanto em armas quanto em dinheiro para seu governo; o que vossa excelência a falar sobre isso?” “nós recebemos, dos 175 bilhões (já roubou 25), apenas $75 bilhões, não sei o que aconteceu com o resto”.
Volodymyr Zelensky afirmou publicamente que ou Donald Trump está mentindo sobre o montante enviado pelos filantropos norte-americanos, ou que seu governo passou a mão em $125 bilhões apenas dos norte-americanos.
Os russos não pretendem entrar numa nova guerra mundial; Vladimir Putin mantêm a mesma retórica e agenda desde que entrou no poder, substituindo o então presidente Boris Yeltsin, no dia 31 de dezembro de 1999: a Rússia quer ser parceira dos EUA; a Guerra Fria já acabou; o mundo funciona melhor com a multipolaridade; não expandam a força militar da OTAN para leste. É possível encontrar discursos legendados de Vladimir Putin do começo dos anos 2000, falando exatamente nesses termos.
O líder russo já está no poder há 25 anos, tendo compartilhado o palco mundial com: George W. Bush (o imbecil); Barack Obama; Donald J. Trump; e Joe Biden. Foram quatro governos diferentes, dois democratas e dois republicanos, que mantiveram a mesma postura em relação aos interesses russos: total descaso, queimando pontes, rindo e humilhando sucessivamente a ex-superpotência soviética. O poder norte-americano, após a queda do Muro de Berlim, se tornou hegemônico, unipolar, conquistando o que bem e mal queriam, independente da saúde política internacional.
A história contada para nós, no Brasil, é pura propaganda; mas não leva muita inteligência para perceber as contradições presentes no discurso norte-americano: eles, no século XX, apoiaram diversos golpes militares na América do Sul; eles, que invadiram o Vietnã para defender os interesses coloniais (ou neoimperialistas) dos franceses; eles, que mentiram na ONU sobre “armas de destruição em massa” para justificarem a guerra no Iraque; eles, que na África, no Oriente Médio e no Sudeste Asiático, pagam terroristas e os treinam para derrubarem governos democraticamente eleitos, instaurando o eterno caos.
Os norte-americanos, desde a Guerra da Coreia, humilham os povos não-europeus; eles não prezam pelo nosso futuro, pelo nosso sucesso enquanto povo. Ao mesmo tempo em que eles roubam nossos excedentes, eles nos vendem o Mickey Mouse e o cigarro Hollywood.
A maior arma do ocidente é a propaganda. Somente simulando para fingir que o mundo no qual vivemos, baseado na hegemonia unipolar norte-americana, é bom para o resto da população mundial. Já lhes aviso, pois vos considero amigos: do jeito que está não fica. As contradições não andam de mãos dadas, buscando formas de se ofuscarem no presente: estão na cara. O mal-estar deste sistema econômico, imposto para nós pelos norte-americanos, por órgãos como o FMI e o Banco Mundial, se salientam e passam a atingir classes abastadas. A luta por melhores direitos e alguns privilégios está em voga, massificada, ninguém aguenta mais esse mundo sem futuro.
Quando Xi Jinping e Vladimir Putin se juntaram no final do ano passado, uma única fala do líder chinês bastou para que entendêssemos o que está acontecendo no sentido macro da história, segue a paráfrase: “a magnitude do que está acontecendo aqui é milenar”. E é fato: essa mudança no status quo internacional quebrou a ordem estabelecida desde as grandes navegações dos séculos XV e XVI.
A Europa que imperialmente colonizou o mundo agora está falida. E os norte-americanos que se alimentavam dessa relação perderam para uma nova superpotência, ressurgida das cinzas, depois de 100 anos de humilhação e 75 de reconstrução. Só por isso o Financial Times vende a noção de que Xi Jinping e Vladimir Putin são “neoimperialistas” – uma bobagem.
*Bruno Boncompagno é graduando em economia na Facamp.
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