segunda-feira, 3 de março de 2025

A sombra da guerra: negociações e negócios na Ucrânia

Fontes: The economist gadfly


Diplomacia e dólares, o grande negócio da guerra na Ucrânia (El Tábano Economista)

Em 18 de fevereiro, autoridades russas e americanas se encontraram na Arábia Saudita por quatro horas, no que ambas as delegações descreveram como conversas “positivas”. O encontro foi apresentado como um primeiro passo para normalizar as relações entre os dois países e iniciar as discussões sobre a guerra na Ucrânia. Marco Rubio, representante do Departamento de Estado dos EUA, descreveu a reunião como "o primeiro passo de uma longa e difícil jornada". No entanto, além das declarações diplomáticas, as negociações parecem estar estagnadas, enquanto especulações e interesses estratégicos de ambos os lados dominam o cenário.

A Rússia teve que fazer uma viagem diplomática para explicar os detalhes da reunião aos seus aliados, como China, Coreia do Norte e Irã. A queda da Síria não passou despercebida por esses parceiros, e a reaproximação de Moscou com Washington criou nervosismo entre eles. Por outro lado, as verdadeiras intenções de Donald Trump continuam sendo um mistério para a Rússia. Embora alguns nos Estados Unidos acreditem que Trump deva adotar uma estratégia de negociação que crie dilemas para Moscou, tudo o que foi conseguido até agora foi instalar uma narrativa falsa que aumenta as preocupações na Ucrânia e na Europa.

Essa situação lembra a estratégia de Richard Nixon e Henry Kissinger em 1971, quando os Estados Unidos abordaram a China para enfraquecer a União Soviética durante a Guerra Fria. O golpe de mestre de Nixon explorou a rivalidade sino-soviética, dividindo o bloco comunista e fortalecendo a posição estratégica dos Estados Unidos. Hoje, a ideia de Trump com a Rússia parece ser semelhante: distanciar Moscou o máximo possível da órbita chinesa.

As especulações em torno da reunião giram em torno dos benefícios econômicos que ambos os países podem obter. Para a Rússia, há três componentes principais: o retorno de empresas ocidentais que abandonaram o mercado russo, o destino dos US$ 300 bilhões em ativos congelados pelo Ocidente e os benefícios para seus parceiros chineses na reconstrução das quatro regiões anexadas pela Rússia: Donetsk, Lugansk, Kherson e Zaporizhia.

Durante a reunião em Riad, autoridades russas apresentaram aos seus colegas americanos um gráfico detalhando os US$ 324 bilhões em perdas sofridas por empresas americanas que deixaram o mercado russo. De acordo com o Fundo Russo de Investimento Direto (RDIF), essas perdas estão distribuídas por setores como tecnologia e mídia (123 bilhões), bens de consumo (94 bilhões), financiamento (71 bilhões), indústria (26 bilhões) e energia (10 bilhões). Três dias após a reunião, o presidente Vladimir Putin anunciou que a Rússia precisa de um mecanismo regulatório para empresas ocidentais que buscam retornar, garantindo que as empresas russas não percam sua vantagem competitiva.

Uma das questões mais delicadas é o destino dos US$ 300 bilhões em ativos soberanos russos congelados na Europa. A Rússia poderia concordar que esses fundos fossem usados ​​para a reconstrução da Ucrânia, mas insistiria que parte do dinheiro fosse para as regiões anexadas. Segundo o Banco Central Russo, esses ativos estão distribuídos entre euros (207 bilhões), dólares americanos (67 bilhões), libras esterlinas (37 bilhões), ienes japoneses (36 bilhões), dólares canadenses (19 bilhões), dólares australianos (6 bilhões) e dólares de Cingapura (1,8 bilhão).

Alguns propõem que esses fundos sejam entregues à Ucrânia por meio de um complexo “empréstimo de repatriação”, no qual a Rússia e os Estados Unidos poderiam ser parceiros, desde que haja garantias de responsabilização. É aqui que entra a BlackRock, a gigante financeira que busca participar dos fundos de reconstrução. A BlackRock adquiriu recentemente a Global Infrastructure Partners (GIP), uma das maiores gestoras de ativos de infraestrutura do mundo, com investimentos em oleodutos, energia renovável, telecomunicações, portos e aeroportos.

A China, por sua vez, também tem um papel crucial nesse cenário. Pelo menos uma dúzia de empresas privadas chinesas estão cooperando ativamente com empresas nas regiões ocupadas de Donetsk e Lugansk, fornecendo-lhes equipamentos e outros produtos. Um exemplo é a pedreira de Karan, um local abandonado que foi reaberto em outubro de 2022. Em maio de 2023, empregava 243 pessoas e, em 2024, foram construídas duas novas plantas para a produção de concreto e britagem de pedras. Esses produtos são usados ​​na construção de estradas e na produção de concreto em Donetsk, Kherson e Zaporizhia.

A ideia de recuperar os fundos investidos pelos Estados Unidos na Ucrânia parece estar tomando forma. O acordo, que dificilmente incluirá as garantias de segurança que Kiev busca há muito tempo, se concentraria na exploração dos vastos depósitos ucranianos de minerais essenciais, como lítio e titânio, para a produção de veículos elétricos, energia limpa e defesa. Mais de 53% desses recursos estão localizados nas quatro regiões anexadas pela Rússia, o que pode se tornar outro negócio para os 300 bilhões de dólares congelados.

No entanto, nem todos estão felizes com esse cenário. A BlackRock, por exemplo, precisa tornar realidade a ideia de um exército europeu, motivada pela possível retirada dos Estados Unidos. Os fundos do plano Mario Draghi poderiam dar a este fundo de investimento a opção de participar da reconstrução da Ucrânia, algo que já havia negociado com Volodymyr Zelensky. A BlackRock também é acionista de empresas militares como a alemã Rheinmetall, juntamente com Goldman Sachs, Bank of America e Société Générale.

Em última análise, toda oportunidade é um motivo para negociação, haja guerra ou não. O encontro na Arábia Saudita pode ter sido apenas o começo de um jogo muito maior, onde interesses econômicos e geopolíticos continuarão a dominar o palco.



 

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