segunda-feira, 10 de março de 2025

Que tipo de liberdade pode existir em uma visão de mundo darwiniana?

© Foto: Domínio público

Bruna Frascolla

Se o darwinismo não explica a moralidade humana, ele explica a moralidade dos humanos que acreditam no darwinismo.

Uma questão que me ocorreu ao escrever o último artigo é: É possível, dentro da estrutura da cultura ocidental, defender a liberdade e negar o cristianismo? Afinal, em nossa cultura temos, como chaves interpretativas opostas, o princípio religioso da criação e o princípio científico da seleção natural.

Do lado cristão, temos que Deus criou o homem dotado de livre-arbítrio: o homem faz tal e tal coisa com um conteúdo moral porque é livre. Do lado darwinista, o homem é o resultado viável de um processo atroz de seleção natural. Assim, será necessário explicar a ação humana com base nesse processo. Isso não é impossível, porque, como vimos, a moralidade é necessária mesmo em uma sociedade de ladrões. No entanto, se a moralidade não é nada além do resultado de um processo de seleção natural, é muito difícil dizer que um homem é livre. Quando um pássaro constrói seu ninho, este é um ato resultante da seleção natural – e não é um ato livre, pois o pássaro não é racional e não poderia agir de outra forma.

Não se segue que precisamos opor a evolução ao criacionismo. Assim como os terraplanistas, o criacionismo é uma pseudociência criada por literalistas bíblicos. Mas se nem todo cristão é criacionista, todo defensor militante da evolução é um defensor militante do ateísmo. Ora, o mecanismo evolutivo descoberto por Darwin evidentemente não prova a não existência de Deus, pois se pode dizer que Deus criou o mundo com criaturas que evoluem. Em geral, os ateus mais inteligentes concordam que não é possível provar a não existência de Deus, razão pela qual preferem discutir o ônus da prova. Afinal, é possível dizer que Deus criou o mundo com criaturas que evoluem; e é possível dizer que há um bule de chá orbitando o sol entre a Terra e Marte. Prová-lo é outra história.

No fim das contas, o darwinismo consiste em uma explicação da vida por meio de leis intrínsecas à matéria. Essa explicação remonta ao epicurismo, para o qual tudo o que existe são átomos e movimento. Do movimento incessante da matéria, surgem corpos ordenados; e, uma vez perturbada a ordem, o corpo perece e os átomos continuam a se mover. Assim, não cabe perguntar por que um animal é bem-feito, pois, se não fosse “bem-feito”, pereceria. Darwin reuniu material e mostrou que esse processo epicurista, que implica a destruição do inviável, é capaz de explicar a vida, contrariando a ideia de uma Criação estática. Mas Darwin era filho da Inglaterra de seu tempo.

A modernidade redescobriu muitas correntes filosóficas greco-romanas que a Igreja havia jogado na proverbial lata de lixo da História. Uma corrente era o epicurismo; outra, o pensamento pitagórico, para o qual o número é o princípio de tudo. Galileu se apropriou desse princípio e o traduziu para a ideia de que Deus escreveu o livro da natureza em linguagem matemática. Mais tarde, a pessoa que se apropriou dessa tradução de Galileu foi Newton, uma espécie de místico protestante dedicado (entre outras coisas) à exegese literal da Bíblia. Ele foi seguido por toda uma escola de pensamento, articulada nas Boyle Lectures, que abririam caminho para o criacionismo. Assim, se acreditamos que Galileu, Newton e Darwin estão certos, então acreditamos que o Criador é versado em matemática e que não há Criador!

Se nos tempos de Galileu e Newton (séculos XVI a XVIII) as leis matemáticas eram vistas como prova de um Criador versado em matemática, mas nos tempos de Darwin e dos darwinistas (séculos XIX até o presente), as leis evolutivas servem para provar que não há criação, então é razoável concluir que o que mudou foi a mentalidade da época. Na modernidade, os cientistas acreditavam em Deus; na pós-modernidade, os cientistas acreditavam no ateísmo. É por isso que eles deram tratamentos diferentes a princípios antigos redescobertos em diferentes eras.

Parece, então, que é conveniente para um físico raciocinar como um literalista bíblico, e é conveniente para um biólogo raciocinar como um ateu. Darwin não anulou a física galileana ou newtoniana, e a aceitação generalizada da suposição cosmológica do Padre Lemaître não destronou Darwin da biologia. A ciência avança com base nas suposições mais díspares. E todas essas são suposições com natureza moral, e a ovelha negra entre elas é o darwinismo. (Alguns dizem, no entanto, que o determinismo é um calvinismo secular, por causa da predestinação, o que também traz complicações filosóficas à noção de liberdade. Mesmo que isso pareça absolutamente correto para mim, ainda há uma enorme diferença entre uma moralidade puritana e uma moralidade inspirada pelo darwinismo.)

Pelo menos desde Lucrécio, o epicurismo tem uma mensagem moral contundente. Em suma, toda a vida é caótica, os deuses não se importam com os mortais, a religião nasce da ignorância das causas e é fonte de medos irracionais, como o medo da morte. Quem quiser saber mais sobre o epicurismo e a história de sua redescoberta pode ler The Swerve: How the World Became Modern (2011), do professor Stephen Greenblatt, de Harvard. O livro ganhou o National Book Award e até o Pulitzer. E o livro é uma tremenda peça de propaganda que, ao contar a história de Poggio Bracciolini, canta as virtudes eternas do epicurismo e repete clichês protestantes contra a “Idade das Trevas” (embora o autor seja judeu). O fato de este livro ter tido uma recepção institucional tão bem-sucedida é uma indicação de que as elites do mundo de língua inglesa estão tão comprometidas com o darwinismo que defendem ativamente suas próprias raízes, que são o epicurismo.

Voltemos finalmente ao ponto inicial. Se o darwinismo não explica a moralidade humana, ele explica a moralidade dos humanos que acreditam no darwinismo. Como não se espera que o homem aja como um animal diferente dos demais, então é aceito, por exemplo, que os machos copulem com quantas fêmeas puderem, e que as fêmeas copulem com qualquer macho que tenha recursos. Existe até uma ciência de “psicologia evolucionista” que é muito eficaz para explicar canalhas e vagabundas, mas de sucesso duvidoso para explicar homens e mulheres decentes. Um bilionário acredita que a coisa certa a fazer é engravidar o máximo de mulheres possível, de preferência por meio de fertilização in vitro com embriões selecionados, para presentear a humanidade com seu maravilhoso DNA.

Como a vida humana é um fenômeno material, todas as suas agonias se tornam patologias. O homem, um aglomerado de células, então vai ao psiquiatra para resolvê-las, e o psiquiatra prescreverá medicamentos que supostamente corrigem os desequilíbrios químicos que causaram a agonia. E como a saúde nada mais é do que a norma, não é de se admirar que as pessoas queiram construir identidades em cima de doenças (autismo, TDAH…). Porque a doença, o desvio da norma, é a diferença possível e a liberdade possível.

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