segunda-feira, 28 de novembro de 2016

"Um país não vive apenas de consumo, mas também de produção"

por Carlos Drummond — http://www.cartacapital.com.br/

O economista Pedro Rossi desmonta as falácias do mercado sobre as variações do real e seus efeitos

                                                                                                                                                                                                                                                        Volkswagen do Brasil
Indústria
A indústria sofre com as flutuações monetárias
O liberalismo financeiro, o recuo estatal nas instâncias regulatórias e a livre flutuação das taxas de câmbio devem ceder espaço, depois da vitória de Donald Trump nos EUA, para um maior grau de protecionismo, controles de fluxos de capitais e atuação mais firme dos Estados Nacionais nos mercados cambiais.

No novo contexto, a manutenção de taxas de juros muito altas e de abertura excessiva da economia tende a fragilizar a posição brasileira, prevê o economista Pedro Rossi, da Unicamp. Entre a quarta-feira 9, quando o resultado eleitoral foi divulgado, e a segunda-feira 14, o dólar subiu 8,65% e atingiu 3,45 reais. Prevê-se o ressurgimento das falácias e dos lugares-comuns sobre os supostos horrores da desvalorização do real.

A pedido de CartaCapital, Rossi analisou declarações de representantes do mercado de capitais publicadas em jornais entre setembro e outubro do ano passado, período de desvalorização da moeda nacional para a faixa entre 3,50 e 4 reais por dólar.

Considerado um dos principais especialistas no assunto, o professor da Unicamp lançou, em junho, Taxa de Câmbio e Política Cambial no Brasil, caso raro de livro de economia aceito por ortodoxos e heterodoxos e discutido em universidades entre profissionais do setor financeiro e empresários. A seguir, algumas opiniões do mercado e as considerações de Rossi.

Opinião do mercado: “O dólar bate recordes de alta. Muitas pessoas acham que isso não as afeta, pois não ganham em dólar nem pretendem viajar para o exterior em breve. A verdade, porém, é que o dólar mais alto deixa o brasileiro mais pobre”.

Pedro Rossi: É verdade, a variação da taxa de câmbio afeta a todos nós, mesmo aqueles que não consomem importados ou não viajam ao exterior. Os produtos nacionais nas prateleiras dos supermercados, além de competirem com os estrangeiros, usam insumos provenientes também do exterior e que ficam mais caros, pressionando os preços pagos pelo consumidor. 

Ninguém vive, porém, só de compras, pois as pessoas trabalham também. E o emprego depende da competitividade das empresas de cada país, que é afetada pela taxa de câmbio. Se o trabalhador tem um acréscimo temporário de poder de compra a curto prazo, por causa do barateamento de produtos com componente importado e da queda de preços de itens nacionais em resultado da concorrência com estrangeiros, com a valorização cambial, a longo prazo ele pode perder o emprego. 

Na afirmação acima enxerga-se apenas um lado da moeda, o do consumo. Um país não vive apenas de consumo, mas também de produção. Tornar os produtos importados mais baratos pode levar à falta de renda para comprá-los, pois esses substituem os empregos e a produção domésticos. 

Rossi, autor do respeitado estudo sobre política cambial (Foto: Marcos Oliveira/Ag. Senado)

OM: “O impacto da alta do dólar na vida das pessoas vai chegar a todos, inclusive à dona de casa”.

PR: Sim, a curto prazo a dona de casa enfrenta o aumento de vários preços, mas a médio prazo o marido dela arruma emprego e a vida pode melhorar. Uma desvalorização cambial serve como incentivo à produção doméstica, portanto, à geração de empregos. Ao tornar os produtos estrangeiros mais caros, o câmbio pode incentivar o investimento dos empresários brasileiros, o que aumenta a capacidade produtiva e a geração de empregos. 

OM: “Um dólar tão valorizado retrata uma economia que está em desequilíbrio”.

PR: A taxa de câmbio não é termômetro da saúde da economia, mas um sintoma da demanda e oferta por produtos, serviços e ativos financeiros domésticos. No caso brasileiro, as motivações financeiras dominam a formação da taxa e o setor cambial é muito permeável às especulações financeiras. Há dois fatores que explicam a excessiva volatilidade da moeda brasileira: o juro muito alto para padrões internacionais e um mercado de derivativos que atrai os especuladores. 

OM: “O Brasil está em situação de desequilíbrio fiscal e isso mostra que o governo gasta mais do que ganha e os investidores não enxergam uma solução sustentável para esse problema num futuro próximo”. 

PR: Alguns economistas sustentam uma posição ideológica de que todos os males econômicos decorrem do déficit fiscal. O ajuste fiscal é uma espécie de “Posto Ipiranga” da política econômica, onde se resolve tudo. 

A dinâmica cambial geralmente não tem nada a ver com o déficit fiscal. O governo brasileiro sempre teve déficit nominal, tanto nos períodos de valorização quanto nos de depreciação. No governo FHC, com a moeda apreciada, o governo teve déficits primários em 1996 e 1997 e déficits nominais acima de 5% do PIB. No governo Lula, apesar dos superávits primários, o governo teve déficits nominais e o câmbio valorizava. 

OM: “Não há perspectiva de melhora. A consequência disso é que o real se desvaloriza e ficamos mais pobres. Perdemos poder de compra em relação ao resto do mundo”.

PR: A desvalorização não é necessariamente um mal, pois a contrapartida da piora no poder de compra pode ser uma melhora na capacidade produtiva. Ao longo das últimas décadas, a indústria brasileira deteriorou-se com longos períodos de câmbio apreciado.

O empresário brasileiro tornou-se cada vez mais um importador e as cadeias produtivas domésticas foram desconstruídas. Ou seja, a rede de fornecedores doméstica foi gradualmente substituída por produtos estrangeiros, transferindo renda e emprego para fora. Com o câmbio valorizado, mais brasileiros viajaram ao exterior e consumiram importados, mas a indústria foi prejudicada. 

É alta a volatilidade de preços das commodities (Foto: Antonio Cicero/Fotoarena)

OM: “A alta do dólar afeta a vida das pessoas comuns, porque puxa a inflação para cima. Muitas matérias-primas são importadas, inclusive o trigo, o gás e a gasolina. Isso provoca um aumento do pãozinho, do macarrão, da gasolina”.

PR: Esse comentário olha só para um lado da história, o do consumo, mas há também a parte da produção. A alta do dólar permite a mais empresas brasileiras acessar os mercados, o que pode trazer mais emprego e renda para o Brasil.

No que se refere à competitividade das empresas, o movimento da taxa de câmbio tem efeito análogo a uma combinação de políticas tarifárias. Uma desvalorização cambial equivale a um aumento das tarifas de importação somado à redução das tarifas de exportação.

Com isso, amplia-se a competitividade dos produtos domésticos, simultaneamente nos mercados interno e internacional. Por outro lado, uma valorização cambial equivale à combinação de redução de tarifas de importação e de aumento das tarifas de exportação. Prejudica, portanto, a produção de bens domésticos transacionáveis no País e no exterior. 

OM: “Alguns produtos como soja, carne, café, açúcar e milho também têm seus preços atrelados ao dólar. Apesar de a produção ser local, quando o dólar sobe, fica mais vantajoso para o produtor exportar. Caso mantenha o item para ser vendido também aqui dentro, ele procurará receber mais por isso”.

PR: Há produtos com preços determinados no mercado internacional e cotados em dólar. É o caso das commodities agrícolas e dos minerais, que se caracterizam, entretanto, por uma grande volatilidade de preços que acompanha os ciclos financeiros da economia internacional. A taxa de câmbio entre o real e o dólar tem acompanhado essa volatilidade, o que prejudica o desempenho de outros setores, como o industrial, e reforça a especialização da economia brasileira em commodities. 

A alta da produção seria a contrapartida da queda no consumo (Foto: Fabio Scremim/APPA)

OM: “Com os produtos importados mais caros, os nacionais acabam sofrendo também um reajuste e essa é outra maneira de a alta do dólar influenciar os preços em geral. Os produtores aproveitam a alta do importado para aumentar a margem de lucro, inclusive do similar nacional”.

PR: Exato, mas a alta dos preços decorrente de aumentos da taxa de lucro pode incentivar as companhias a investir e a trazer novas empresas para o mercado, o que promove crescimento e emprego.

Ou seja, o aumento dos preços dos importados dá uma folga para o empresariado brasileiro, que assim terá melhores condições de competição. Esse aumento da taxa de lucro pode estimular o investimento e atrair novos empresários, o que faz crescer a renda, o emprego, torna o setor mais competitivo e assim normaliza a taxa de lucro.

OM: “A curto prazo, alguns setores podem até ser beneficiados com a alta do dólar. Mas, a médio e a longo prazo, todos perdem, pois a moeda foi desvalorizada, porque a economia está enfraquecida”.

PR: A taxa de câmbio não é uma variável natural que valoriza quando a economia está bem e desvaloriza quando está mal. Ela é a relação entre duas moedas, o dólar e o real, que são ativos financeiros sujeitos à especulação e às bolhas de preços. 

A instabilidade cambial é extremamente prejudicial à economia, pois traz incerteza para o sistema produtivo. Diante da instabilidade, um empresário tem dificuldade em calcular custos e retornos e pode ter problemas patrimoniais com dívidas em moeda estrangeira. Para as famílias, fica complicado estimar os custos da viagem de uma família ao exterior. 

Tanto a redução da volatilidade quanto a definição de um patamar adequado para a taxa de câmbio são estratégicas. O câmbio é uma ferramenta de política econômica e um instrumento de desenvolvimento que não deve ser deixado exclusivamente à mercê das expectativas volúveis do mercado financeiro.

Reportagem publicada originalmente na edição 928 de CartaCapital, com o título "O abecedário do câmbio"

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