Drones são como ouro
de tolo: prolongam guerras que não conseguimos vencer
Nomeações da Casa Branca indicam a era
da guerra por controle remoto, que não traz vitória, mas retaliação
por Simon Jenkins, no
diário britânico Guardian, em 10.01.2013
A maior ameaça à paz mundial não são as
armas nucleares e sua possível proliferação. São os aviões não-tripulados e sua
garantida proliferação.
As bombas nucleares são armas inúteis,
brincadeira de poderosos ou dos que aspiram ao poder. Os drones estão tomando
conta dos mercados globais de armas.
Existem 10 mil em serviço, dos quais
mil armados, a maioria dos Estados Unidos. Alguns relatórios dizem que os
drones já mataram mais civis não combatentes que os atentados de 11 de
setembro.
Não li nenhum estudo independente das
guerras por controle remoto no Afeganistão, Paquistão e no chifre da África que
diga que estas armas sirvam a algum objetivo estratégico. Seu “sucesso” é
expresso apenas pela contagem dos mortos, o número dos assim-chamados
“comandantes ligados à al-Qaeda” que foram abatidos. Se a contagem dos mortos
representasse vitória, os alemães teriam ganho em Stalingrado e os
norte-americanos no Vietnã.
Nem a legalidade nem a ética justificam
os ataques com aviões não tripulados. O exaustivo estudo do ano passado feito
por advogados das universidades de Stanford e Nova York concluiu que houve
muitos ataques ilegais, que mataram civis e que são contraproducentes. Entre os
mortos há 176 crianças. Tal matança levaria uma unidade de infantaria à corte
marcial. As forças aéreas tem tanto prestígio que as mortes de civis são consideradas
um preço a pagar para não colocar em risco a vida de pilotos.
Esta semana o presidente Obama nomeou
dois “entusiastas” dos drones como secretário de Defesa — Chuck Hagel — e
chefe da CIA — John Brennan. A guerra dos não-tripulados é o sabor do momento e
o complexo industrial militar está lambendo os beiços. Se Obama, que é
advogado, tinha qualquer dúvida sobre a legalidade do uso destas armas, com
certeza a superou.
Além das questões da ética e da lei,
acho impossível descobrir a contribuição destas armas à vitória. A morte de
combatentes leva à substituição deles por outros, que buscam vingança. O
Predator original, destinado à vigilância, foi adaptado para fazer bombardeios
especificamente para matar Osama bin Laden. Quando Osama foi finalmente encontrado,
o drone foi considerado um aparelho muito impreciso e as velhas botas-com-armas
foram despachadas para fazer o serviço.
Quanto à morte inevitável de civis, por
menor que for o número, isso não é apenas “dano colateral”, mas uma questão
crítica para a vitória ou a derrota. Os drones não ocupam ou asseguram
território, mas devastam corações e mentes. Os bombardeios aéreos sempre foram
uma arma de guerra questionável. Não levam à derrota do inimigo, mas à
retaliação.
Na segunda-feira um documentário da BBC
sobre o cerco de Malta analisou o devastador ataque aéreo alemão, o mais
intenso da segunda guerra mundial. Embora tenha causado danos à infraestrutura
da ilha, não freou a resistência. A crença no bombardeio e o fracasso em
invadir Malta custaram à Alemanha a campanha da África. Uma arma de terror
aéreo que não acovarda o inimigo mas apenas convida ao desafio não é eficaz.
Três quartos dos paquistaneses podem agora ser considerados inimigos dos
Estados Unidos.
Ainda assim, toda semana Obama
aparentemente consulta a “lista de morte” dos muçulmanos que pretende eliminar,
sem processo judicial e com uma identificação que se baseia na palavra meia
boca de um espião em solo. Pelo menos os drones britânicos em Helmand
[província do Afeganistão], nos dizem, são usados apenas para dar apoio aéreo a
tropas em solo.
Desde que a guerra dos não-tripulados
começou para valer, em 2008, houve um declínio na atividade do Talibã e da
al-Qaeda. Qualquer redução de recrutamento está apenas esperando a saída da
Otan. O presidente afegão, Hamid Karzai, descreve os ataques como
“injustificáveis”. O governo do Paquistão, contra o qual os ataques tem sido
crescentemente direcionados, retirou qualquer permissão para o uso dos drones.
O jovem escritor iemenita Ibrahim
Mothana protestou no New York Times contra a carnificina que
os drones estão promovendo na política de seu país, apagando “anos de progresso
na construção de confiança entre as tribos”. Os iemenistas agora encaram
recrutadores da al-Qaeda com fotos de mulheres e crianças destroçados. O número
de integrantes da al-Qaeda no Iêmen triplicou desde 2009. Jimmy Carter declarou
que “as violações dos direitos humanos internacionais pelos Estados Unidos
reforçam nossos inimigos e alienam nossos amigos”.
A guerra dos drones parece sem sentido,
mas impossível de deter. O apelo deles para os líderes ocidentais se baseia
parcialmente na novidade e parcialmente na esperança de que as derrotas pareçam
menos ruins. São como o bombardeio do USS New Jersey contra as montanhas Chouf
do Líbano, em 1984, uma demonstração de força sangrenta para dar cobertura à
retirada. Os drones não ajudam na vitória, facilitam a derrota que seu uso
tornou mais provável.
O Tabilã no Waziristão não é uma ameaça
para Londres ou Washington. A al-Qaeda não tem mais capacidade de solapar um
estado, a não ser com a bomba ocasional, que pode ser evitada com inteligência
doméstica. As “guerras de escolha” de hoje refletem um aspecto sinistro da
democracia. Líderes eleitos parecem buscá-las, desafiando todos os alertas de
como é difícil acabar com uma guerra. Hipnotizados pela vitória de Margaret
Thatcher nas Malvinas, todos buscam uma boa guerra.
Nisso, os drones são o ouro de tolo.
Guiados pela pressão dos vendedores de armas, Obama (e David Cameron) são
informados de que os drones representam a guerra à distância, do futuro,
segura, fácil, limpa, “com alvos precisos”. Ninguém do nosso lado se fere.
Terceiros podem fazer o trabalho sujo em solo.
A legalidade tênue desta forma de
combate requer que o agressor “declare guerra” contra outro estado. Mas a
al-Qaeda não é um estado. Como resultado, estes ataques em solo estrangeiro não
são apenas guerras de nossa escolha, são guerras auto-inventadas. Quanto tempo
vai demorar até que os Estados Unidos “se achem” em guerra com o Irã e a Síria
e despachem os drones? Quando isso acontecer e a matança começar, não terão
como reclamar se as vítimas retaliarem com ataques suicidas.
Mas não apenas com suicidas. Os aviões
não tripulados são baratos e fáceis de proliferar. Onze estados já os utilizam.
Os Estados Unidos vendem drones para o Japão, para ajudá-lo com a China. A
China está construindo 11 bases para seus drones Anjian na costa. O Pentágono
agora treina mais operadores de drones que pilotos. O que vai acontecer quando
toda nação com uma força aérea fizer o mesmo e todas as fronteiras combustíveis
estiverem cheias deles?
Nunca temi proliferação nuclear por
acreditar que tais bombas são aquisições de prestígio, tão horríveis que nem
lunáticos as usariam. Os drones são diferentes. Quando eram chamados de mísseis
teleguiados, eram governados em certo grau por protocolos e leis
internacionais, assim como era a prática de assassinatos.
Obama rejeita tudo isso. Ele e os
Estados Unidos estão ensinando ao mundo que uma aeronave não tripulada é
auto-justificável, auto-desculpável, uma arma legal e eficaz de guerra. Por
mais que um drone seja contraproducente do ponto de vista da estratégia, tem
glamour com os eleitores em casa. Difícil imaginar algo mais perigoso para a
paz mundial.
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