Considerada a solução universal para
os problemas da sociedade, a escola revela os desgastes que levam ao
desemprego, às desigualdades e à diminuição do Estado. A solução de certos
estabelecimentos: “associar-se” à polícia, encarregada de “recordar a lei”
aos jovens turbulentos
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por Gilles
Balbastre
Le Monde
Diplomatique – Brasil
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A cena a seguir, extraída do
documentário de Gilles Balbastre, Fortunes et infortunes des familles
du Nord[Fortunas e infortúnios das famílias do Norte],1 se desenrola em
um colégio de Roubaix. Após um incidente, o diretor solicita a presença do
policial M. W.
O policial entra na sala do diretor.
O policial: – Bom dia.
O diretor: – Bom dia, senhor W.
O policial se senta em frente à mesa do
diretor. Ao lado, um homem (o professor), uma mulher (V., professora) e o
diretor. Entra um garoto.
O policial (que o mede de cima a
baixo): – Bom dia, jovem.
O jovem: – …
O diretor: – Não escutei.
O jovem: – Bom dia..., senhor.
O diretor (dirigindo-se ao jovem): –
Apresento-lhe o senhor W.
O policial: – Bom dia.
O jovem: – Bom dia.
O diretor: – O senhor W. é oficial de
polí...
O policial (agressivo): – Como?
O jovem: – Bom dia, senhor.
O policial: – Obrigado.
O diretor (ao jovem): – Você poderia nos
explicar, em detalhes, o que aconteceu?
O jovem: – A professora V. estava indo
em direção a Younes. Nesse momento, eu tinha na mão uma moeda de 2 centavos e
atirei-a nela.
O diretor: – Você pegou uma moeda
de...?
O jovem: – Dois centavos.
O diretor: – E você mirou...?
O jovem: – Na professora.
O diretor: – E você diz isso assim,
friamente, na frente da professora: (imitando o jovem) “e atirei-a nela...”?
O policial: – Você pode explicar por
que atirou a moeda nela?
O diretor (antes que o jovem pudesse responder):
– Você atiraria assim, do nada, uma moeda de 2 centavos em sua mãe? Dois
centavos de euro...
O jovem: – Não.
O diretor: – Você sabe o que significa
isso? Dois centavos de euro?
O jovem: – Não sei, era um jogo.
A professora: – Um jogo que você jogava
sozinho?
O jovem: – Não, um jogo entre os alunos
da classe.
A professora: – E o objetivo era me
acertar?
O jovem: – Não.
A professora: – Não? Então qual era o
objetivo desse jogo?
O policial: – Você precisa responder.
O jovem (balbuciando): – Não, não era...
particularmente...
O policial: – Não disse que você é o
único. Ninguém me disse que você era o único, mas você foi o único que atirou a
moeda na professora, no olho. E se ela tivesse perdido o olho, o que você teria
dito? (imitando o jovem) “Oh, desculpe, senhora. Essas coisas acontecem!”
O diretor: – Nos termos da lei, o
senhor W. vai explicar o que acontece. Mas antes de continuar, de todo modo,
gostaria que você dissesse algumas palavras sinceras à professora, que
corajosamente veio trabalhar hoje.
O jovem: – Peço minhas sinceras
desculpas, senhora.
O diretor: – Olhando nos olhos.
O jovem: – Peço minhas sinceras
desculpas, senhora. (A professora aceita as desculpas.)
O policial: – E eu gostaria de
conversar um pouco sobre isso, sobre o que chamamos de Código Penal. São leis,
e segundo essas leis o que você fez é considerado um delito. Cometer um delito
pode ser passível de prisão. E o que você fez aqui é bastante grave: trata-se
de violência voluntária. Segundo o artigo 222-13, são violências agravadas. Por
quê? Porque foi uma violência sobre a senhora V., que é considerada a pessoa
encarregada de uma missão de serviço público. Ademais, ocorreu em um
estabelecimento escolar. (Aproximação do plano no Código Penal. O policial lê.)
“As violências que engendram uma incapacidade de trabalho são punidas com três
anos de prisão e 45 mil euros de multa.” Hein, está vendo? Além disso, existem
dois agravantes: violência contra pessoa encarregada de missão pública e
violência praticada em estabelecimento escolar. Neste caso, é ainda mais grave
(o policial lê): “As violências que acarretarem uma mutilação ou doença
permanente são punidas com dez anos de prisão e 150 mil euros de multa”.
Justamente aí está você. Fez besteira e terá de pagar, é normal. Eu gostaria de
verdade que você compreendesse que atirar alguma coisa em alguém é um risco de
mutilação... sobretudo no olho (o policial olha fixo para o jovem). Gostaria
que você entendesse isso. Mas infelizmente nos veremos de novo. Porque a sanção
escolar é uma coisa, depois vem a sanção penal... E não sou quem decide sobre a
sanção penal. Não sou eu, é a Justiça. Meu papel é simplesmente transmitir o
que você fez.
O diretor: – Mas você mirou no olho
quando lançou a moeda?
O jovem: – Como, senhor?
O diretor: – Você mirou o olho da
professora quando lançou a moeda?
O jovem: – Não, mirei qualquer coisa.
O diretor (dirigindo-se ao professor):
– Sobre a escolaridade... Senhor professor, esse jovem tem gestos violentos às
vezes?
O professor: – Ele nunca fez gestos
violentos, nem oralmente nem de outra natureza, a seus camaradas ou
professores. É que ele é hiperativo, não para de se mexer, e é verdade que em
algumas aulas lança pequenos projéteis, isso acontece às vezes. Mas, fora isso,
não se pode dizer que haja grandes problemas com A.
O diretor (ao jovem): – Você considera
normal que seja convocado ao conselho de disciplina?
O jovem: – Não.
O diretor: – Não é normal?
O jovem: – Bom, sim, é normal porque
cometi um ato que não deveria ter cometido.
O diretor: – Se você tem condições de
perceber seu erro, por que fez o que fez? Pensou que não ia acontecer nada?
A professora: – Você não pensou nas
consequências quando cometeu esse gesto?
O policial: – Por que você está na
escola? Para que serve a escola?
O jovem: – Para estudar.
O policial: – Estudar. E para quê?
O jovem: – Para ser alguém na vida.
O policial: – Até aqui vamos bem. E o
que você quer fazer de sua vida?
O jovem (com lágrimas nos olhos): –
Quero ser padeiro.
O policial: – Padeiro... E quando você
for dar o troco aos clientes, vai atirar moedas neles?
O jovem: – Não.
O diretor: – O que você fez é grave,
por isso você vai para a sala de castigo. Você fica na sala?
O jovem: – Sim.
Ilustração: Fábio Rex
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