Sangue no espelho
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“Presidente, ao contrário do que ocorre
em países como os EUA, no Brasil a imprensa tem um fortíssimo poder de
manipulação sobre a opinião pública. Não é fácil enfrentá-la.”
O alerta foi feito pelo jornalista
Samuel Wainer a Getúlio Vargas. Na série de artigos que o site Teoria e Debate iniciou esta semana, o
jornalista e escritor Emiliano José retrata alguns exemplos que explicitam
a relação da mídia (muitas vezes golpista) com o poder. De Vargas a Goulart, da
ditadura a Collor, de FHC a Lula e Dilma, todos esses personagens serão
analisados à luz da intervenção da mídia, que o autor qualifica como um partido
político, à Gramsci.
por Emiliano José*
– Fiquei paralisado e me senti um
assassino. E chorei muito, convulsivamente. Nunca mais pude sentir raiva do
Getúlio.
Pompeo de Souza tinha razões para
chorar, fosse ele, como era, um homem honesto.
O choro era do jornalista que havia
sido convictamente o cérebro e mentor principal do que ficou conhecido como
República do Galeão, que conduzira até ali as investigações em torno do
atentado do dia 4 de agosto do mesmo ano contra Carlos Lacerda, que levara à
morte o major Rubens Florentino Vaz, segurança do político e jornalista e,
presumivelmente, ferira os pés de Lacerda. Essa república era, em si, o
prenúncio do golpe contra Vargas.
E Pompeo fora o condutor da imprensa
golpista, que construíra de alguma forma aquele momento.
A Aeronáutica, à revelia do presidente
da República, instalou um IPM e passou a conduzir tudo, arbitrariamente,
constituindo-se numa espécie de república paralela, que não dava satisfações a
ninguém, não obedecia a lei alguma e era guiada exclusivamente pelo
antigetulismo raivoso.
Não se envergonhou, sequer, de ter
chamado o mais notório torturador da polícia carioca, Cecil Borer, para ser o
principal interrogador, com a prática constante da tortura.
À Aeronáutica juntou-se parte da
Marinha e do Exército na conspiração golpista, sediada na Base Aérea do Galeão.
Não se imagine, como não se pode
imaginar hoje quando forças golpistas se movimentam contra Lula, um
ex-presidente, que falar em antigetulismo raivoso e golpista seja apenas uma
tentação panfletária.
A movimentação contra Getúlio Vargas
era intensa, com nítidas inspirações golpistas, e Lacerda era o principal
líder, e tudo isso ecoava por toda a grande imprensa, cuja vocação contra
governos reformistas é antiga, como pode se ver, à exceção apenas do jornal
Última Hora.
A Aeronáutica ocupou o Rio de Janeiro,
quase literalmente e ostensivamente, a demonstrar ao presidente da República
que a lei e a hierarquia não eram mais parâmetros pelos quais se guiava.
Lacerda tinha força na Aeronáutica,
embora também na Marinha e no Exército. O Estado é complexo, ontem e hoje.
Enganam-se os que acreditam seja ele um ente uno, a obedecer linearmente às
ordens de cima. Às vezes, do interior do Estado, de órgãos hierarquicamente
subordinados, vêm as ações golpistas, que não nos enganemos, como naquele
momento.
Os lacerdistas da Aeronáutica, e não
eram poucos, esperavam uma oportunidade como aquela, desejavam um atentado como
aquele, que fora providencial, como confessou alguns anos mais tarde o coronel
Adhemar Scaffa Falcão, subcomandante da Base Aérea do Galeão, uma espécie de
faz-tudo da insólita república.
O objetivo era político, revelou ele,
como se precisasse fazê-lo. Foi claro, em entrevista ao historiador Hélio
Silva:
– O objetivo não era bem apurar a morte
do major Vaz, e sim transformar o atentado em motivo para uma modificação
política, e assim foi feito.
* Este é o primeiro
de uma série de textos que serão publicados originalmente no site Teoria e
Debate. Emiliano José é jornalista, escritor e suplente de deputado federal
pelo PT/BA.
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