A madrugada de segunda para terça-feira foi uma farra para a oposição ao
governo Dilma Rousseff. A concessão pública de TV entregue à família Marinho se
transformou em palanque para ataques à presidente da República, ao
ex-presidente Lula e ao partido de ambos.
Em clima de festa, o apresentador global Jô Soares e sua entrevistada
principal da noite, a colunista da Folha de São Paulo Eliane Cantanhêde,
demonstravam uma excitação incontida com o cenário político desfavorável ao
governo federal.
Quem tiver interesse em ver com os próprios olhos e ouvir com os
próprios ouvidos o uso de uma concessão pública com fins político-partidários,
pode clicar aqui. Ou, então, pode ler este relato.
Em um dos momentos mais bizarros, a dupla “acusou” Lula de ser o
“culpado” por trazer para o Brasil a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de
2016 e por Dilma Rousseff e Fernando Haddad terem sido eleitos.
Além de terem passado 41 minutos e 30 segundos falando exclusivamente
mal de Lula, Dilma e PT, o apresentador e sua convidada também agiram como
porta-vozes do que chamaram de “o movimento”, referindo-se à onda de protestos
que eclodiu pelo país no mês de junho.
A dupla atribuiu esse movimento a uma revolta contra o “petismo”, que
“ninguém aguenta mais”.
E não faltaram, claro, os elogios à “beleza” de um “movimento” que teve
como subproduto 15 mortes, centenas de feridos, prejuízos bilionários ao
patrimônio privado e público, desmoralização da imagem do país diante do mundo
e problemas econômicos que ainda serão conhecidos.
Na maior parte do tempo, Jô e Cantanhêde referiam-se a Lula, Dilma e PT
como “eles”, enquanto se dirigiam a uma plateia selecionada com o óbvio intuito
de vibrar com os ataques, batendo palmas, assoviando e gargalhando.
Não houve o menor traço de jornalismo, no programa. O tom de voz afetado
da dupla, as ironias, o foco exclusivo em políticos petistas, ignorava que
governos estaduais e municipais ocupados por partidos de oposição ao governo
federal também foram alvos de protestos.
Jô e Cantanhêde vibraram especialmente com as agressões que militantes
do PT sofreram por todo país ao tentarem participar dos protestos. Contudo, não
falaram em agressões. Disseram, apenas, que o PT tentou “infiltrar” membros e
os “infiltrados” foram convidados a se retirar.
A isso, seguiu-se uma longa demonização de partidos políticos,
apresentados como ilegítimos em manifestações populares, apesar de serem a mais
legítima expressão da vontade popular.
Em determinado momento, Cantanhêde opinou que “os políticos” correm o
risco de ser “tirados de lá”, ou seja, de serem depostos “pelas ruas”. Como os
alvos dos ataques foram todos petistas, a impressão que ficou é a de que o
risco vale só para eles.
Não poderia faltar, também, pouco caso ao povo. Sobre o plebiscito pela
reforma política, Cantanhêde disse que “a Maria” – referindo-se claramente a
uma empregada doméstica – não teria condições de entender a consulta ao povo
por “não ter estudado para isso”.
O uso escancarado de grandes redes de televisão com fins
político-partidários, a fim de atacar um grupo político específico, explica a
situação política do governo Dilma e do partido do governo, o PT.
O ódio da classe social que mandou seus filhos à rua em junho nasceu do
uso reiterado das televisões com finalidade de destruir aquele grupo político e
seus expoentes, com a ajuda inestimável do imobilismo das autoridades diante do
que é nitidamente ilegal, pois televisão não pode ser usada com esse fim fora
do horário eleitoral do TSE.
Nenhum programa semestral de partido político adversário do governo
federal foi mais agressivo a ele e ao seu partido do que têm sido programas
como esse do Jô Soares. Esse uso ilegal de concessão pública, esse abuso de
poder econômico desequilibra a disputa política.
No mínimo, o Partido dos Trabalhadores e o governo Dilma Rousseff
deveriam representar contra a Globo na Justiça Eleitoral. Caberia, inclusive,
uma declaração forte da presidente. Acontecerá? Nunca.
Eis por que vai ficando cada vez mais difícil a reeleição da presidente
da República. Ela e seu partido se renderam. Continuam acreditando que após o
fatídico mês de junho podem continuar impassíveis diante de ilegalidades como
essa sem serem atingidos.
O grande erro do PT e de Dilma tem sido o de acreditarem que podem
vencer um jogo de cartas marcadas. O outro jogador está cheio de ases na manga
e o jogador prejudicado não reclama.
Para onde se olha, não há entendimento do país que emergiu do último mês
de junho. O Brasil está à deriva, sem liderança política. E esse vácuo vai
sendo ocupado por empresas de comunicação como a Globo. O Brasil está voltando
ao passado.
Enquanto o barco afunda, a orquestra continua tocando. Alheia ao
naufrágio iminente
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