Composição de Leon Ferrari. O
imperialismo é um fenômeno identificado pelos clássicos desde a segunda metade
do século XIX e significou a passagem do capitalismo concorrencial para o
capitalismo monopolista e a emergência de uma nova classe social, a oligarquia
financeira [1] . Nessa nova fase do capitalismo, onde os trustes e cartéis
passaram a dominar as economias de cada País e, posteriormente, a economia
mundial, um conjunto de fenômenos novos vêem marcar esta fase do
desenvolvimento deste modo de produção, especialmente a partilha econômica e
territorial do mundo entre os principais centros imperialistas, quando as
potencias capitalistas ocuparam e passaram a colonizar parte considerável da
África, Ásia e América Latina.
Esse movimento do capital
monopolista tinha como objetivo transformar essas regiões em retaguarda
especial do imperialismo, fonte de matérias-primas, mercados para a venda de
mercadorias, esferas de aplicação do capital, fonte de rendimentos monetários,
espaços militares estratégicos e reserva de mão de obra para as metrópoles. Com
essa estratégia, as regiões colonizadas se transformaram em pilares
fundamentais para o desenvolvimento da produção capitalista.
Com o domínio econômico e
político do mundo, tornou-se mais fácil ao grande capital monopolista
hegemonizar o aparelho de Estado, que passou a realizar sua política levando em
conta fundamentalmente os interesses dessa nova classe social. Em outras
palavras, o Estado relevou a um segundo plano os interesses gerais do capital
para se transformar em instrumento da oligarquia financeira e de seus
monopólios.
Mas o desenvolvimento do
capitalismo e a consolidação dos monopólios não eliminou a concorrência, apenas
a colocou em novo patamar. Os monopólios continuaram a travar uma dura luta
pela partilha das esferas de influência. Essa luta por mercados e controle das
fontes de matérias primas se tornou a causa principal causa das guerras, pois
os monopólios pressionavam seus respectivos governos para aventuras militares
visando uma nova correlação de força na partilha econômica do mundo. A primeira
e a segunda guerra mundial foram em grande parte fruto da ganância do capital
monopolista.
Após a segunda guerra mundial e,
especialmente a partir dos anos 60, com a descolonização, o capital monopolista
passou por transformações extraordinárias, pois a própria necessidade de
expansão o impulsionou a uma nova relação entre centro e periferia. A partir de
então, as corporações transnacionais, mediante a implantação de filiais
produtivas na periferia, começaram a extrair generalizadamente o valor fora de
suas fronteiras nacionais, ou seja, passaram a produzir fisicamente nas regiões
até então produtoras de matérias primas, enquanto o sistema bancário também se
internacionalizava.
Esse fenômeno da mundialização da
economia, conhecido como globalização, transformou o capitalismo num sistema
mundial completo, constituindo-se assim uma nova fase do imperialismo, pois
agora o capital monopolista tornaria o planeta numa esfera única de produção,
financiamento e realização das mercadorias, e a própria oligarquia financeira
passaria a explorar diretamente os trabalhadores do centro e da periferia. Com
a apropriação do valor fora das fronteiras nacionais a burguesia imperialista
tornou-se uma classe exploradora direta do proletariado mundial.
"Até o período anterior à
globalização, o capitalismo era completo apenas em relação a duas variáveis da
órbita da circulação – o comércio mundial e a exportação de capitais. Mas, ao
expandir a globalização para as esferas produtiva e financeira, bem como para
outros setores da vida social, o sistema unificou globalmente o ciclo do
capital, fechando assim um processo iniciado com a revolução inglesa de
1640" (Costa, 2002).
Esta nova fase do imperialismo
viria a ganhar contornos mais definitivos com a ascensão dos governos Reagan e
Tatcher, respectivamente nos Estados Unidos e Inglaterra. Aproveitando-se da
crise do keynesianismo, desenvolveram uma ofensiva mundial no sentido de impor
ao mundo a agenda neoliberal, que rapidamente se transformou em política
oficial nos países centrais e, posteriormente, se espalhou para os outros países
capitalistas.
A nova agenda invertia os
fundamentos típicos da regulação keynesiana e em seu lugar colocava na ordem do
dia o mercado como instrumento regulador das novas relações econômicas e
sociais, a desregulamentação da economia, as privatizações das empresas estatais,
liberalização dos mercados e dos fluxos de capitais, cortes nos gastos públicos
e nos fundos previdenciários, além de uma ofensiva contra direitos e garantias
dos trabalhadores.
Essas novas diretrizes produziram
enorme impacto na dinâmica do capitalismo: o setor mais parasitário do
imperialismo passou a hegemonizar as relações econômicas e políticas no
interior dos governos neoliberais e impor ao mundo o primado das finanças
globalizadas, estimuladas pela liberalização financeira e irrestrita mobilidade
dos capitais. A partir daí este setor da oligarquia financeira subordinou todas
as outras frações do capital e impôs a lógica das finanças não só para os
negócios financeiros, mas também para as empresas produtivas e para o Estado,
cujas receitas orçamentárias foram capturadas em grande parte por essa fração
do capital.
Ancorados pelas tecnologias da
informação cada vez mais desenvolvidas, pela generalização dos computadores e
da internet, o pólo financeiro do capital imperialista transformou o mundo num
imenso cassino especulativo, no qual os novos produtos financeiros foram sendo
criados numa velocidade proporcional à criatividade do sistema liberalizado,
num frenesi especulativo que se retroalimentava como numa dança de doidivanas.
Nessa nova lógica, a captura da
renda mundial deveria encilhar todos os setores da economia, que agora
passariam a operar a partir da lógica das finanças. Assim, as empresas
consolidaram a reestruturação produtiva, com produção sem gordura, círculos de
controle de qualidade, qualidade total, restrição à atividade sindical, tudo
isso para ampliar as taxas de lucro e aumentar a distribuição de dividendos
para os acionistas, ávidos por lucros semelhantes aos da órbita financeira.
Os Estados também caíram na malha
da apropriação financeira, em função do endividamento realizado a taxas de
juros elevadas. Dessa forma, foram obrigados a comprometer parcelas cada vez
maiores dos orçamentos para pagar os serviços da dívida. Como esses serviços
exigiam cada vez mais recursos, os Estados cortaram os gastos públicos,
salários de funcionários e verbas sociais para atender o apetite voz do pólo
financeiro do imperialismo.
Imperialismo, crise e guerra
Essa conjuntura em que as
finanças hegemonizaram a dinâmica da nova fase do imperialismo criou uma enorme
desproporção entre o setor real da economia, aquele que produz e gera valor, e
a órbita financeira, que não cria riqueza nova. Para se ter uma idéia, antes da
crise sistêmica global que emergiu com a queda do Lehmann Brothers, o volume de
recursos que circulava na órbita financeira era mais de 10 vezes maior que a
produção mundial, fato que por si só já prenunciava uma crise de grandes
proporções, uma vez que uma situação dessa ordem não poderia se sustentar por
muito tempo, afinal a produção do mais-valor era deveras insuficiente para
remunerar os lucros do setor financeiro.
Ao mesmo tempo em que avançava
sobre os arcabouços do Estado do Bem Estar Social, o patrimônio público e os
direitos e garantias dos trabalhadores, o imperialismo incrementava sua
política agressiva, buscando combinar aceleradamente uma recuperação das taxas
de lucro na área produtiva, a apropriação da renda mundial pelas finanças e o
fortalecimento do complexo industrial militar, conjuntura que foi facilitada pelo
colapso da União Soviética.
Assim, Reagan invadiu Granada, o
Panamá, onde depôs e prendeu o presidente local e insuflou guerras regionais
como na Nicarágua. A política guerreira continuou nas outras administrações,
independentemente se democratas ou republicanas, uma vez que o desenvolvimento
do complexo industrial militar é condição imprescindível para a manutenção do
imperialismo. A escalada guerreira continuou com a invasão ao Iraque, sob o
pretexto de que Saddan Hussein possuía armas de destruição em massa, o que
depois se verificou que era uma falsidade. Na verdade, o que os Estados Unidos
objetivavam era se apossar das imensas jazidas de petróleo daquele país.
Vale ressaltar que o imperialismo
está tão dependente da indústria armamentista que, sem a produção de armas, não
só o complexo industrial militar iria à falência, mas o próprio sistema
imperialista entraria em colapso, uma vez que parcela expressiva de sua
indústria está ligada à cadeia de produção das armas. Isso demonstra também o
nível de degeneração a que chegou o imperialismo contemporâneo: só consegue
continuar respirando se mantiver e desenvolver a indústria da morte.
Mas o acontecimento que
proporcionou as condições objetivas para um salto de qualidade na agressividade
imperialista dos Estados Unidos foi o ataque às torres gêmeas. Este atentado
foi o mote que o governo Bush encontrou para institucionalizar e desenvolver
novas facetas de sua política guerreira, agora sob o pretexto de combate ao
terrorismo. Na verdade, com a chamada política antiterrorista o imperialismo
militarizou a política e impôs ao mundo uma agenda de luta antiterrorista que
se desdobrou não apenas na invasão ao Afeganistão, mas também na violação ao
direito internacional, à soberania dos países, a construção de exércitos
privados para realizar o trabalho sujo nas guerras contra povos e organizações
contrárias à política norte-americana no mundo.
O mundo tomou conhecimento
estarrecido das torturas nas prisões de Abu Ghriab e de Guantánamo, dos
seqüestros e assassinatos de líderes contrários à política norte-americana e
das prisões clandestinas ao redor do mundo. Ao contrário do que se poderia
imaginar, o governo norte-americano justificava essas ações como parte da luta
anti-terrorista, necessário para a proteção de seus cidadãos. O então
vice-presidente dos Estados Unidos, Dick Cheney, afirmou sem cerimônia em
entrevista aos meios de comunicação que os métodos utilizados para obter
informações (as mais bárbaras torturas) livraram o povo norte-americano de vários
atentados.
O ensandecimento chegou a tal
ponto que o secretário de Justiça dos Estados Unidos não só justificou
abertamente a tortura como buscou fórmulas para legalizá-la. Todas essas ações
eram de conhecimento do ex-presidente Bush, que inclusive assinava resoluções
secretas para que os agentes pegos em flagrante não fossem punidos
judicialmente. Por essas medidas se pode avaliar o nível de degeneração moral a
que chegou o imperialismo: não se tratava de ações isoladas de funcionários
estressados no teatro de operações, mas de ordens da própria cúpula
imperialista que nesta fase do capitalismo perdeu qualquer referência em
relação à humanidade.
Quem imaginava que o imperialismo
iria reduzir sua máquina militar com a queda da União Soviética se enganou. O
imperialismo está muito mais agressivo atualmente que no passado e possui hoje
a mais poderosa e sofisticada máquina militar que o planeta já teve
conhecimento. Porta-aviões gigantescos, submarinos atômicos, aviões invisíveis,
bombas guiadas a laser, superbombardeiros, frota de aviões não tripulados
(drones), helicópteros sofisticados, tanques de última geração, além de mais de
500 bases militares espalhadas pelo mundo e um aparato de espionagem maior do
que as pessoas que vivem hoje em Washington. Tudo isso para sustentar a
política do grande capital.
No entanto, a crise sistêmica
mundial veio adicionar mais um ingrediente fundamental para a política
agressiva do imperialismo. Desesperado diante da dramática situação econômica,
da recessão, do desemprego crônico e dos protestos que estão ocorrendo pelo
mundo contra a os ajustes determinados pelo capital, o governo norte-americano
vem realizando provocações contínuas contra o Irã, a Coréia do Norte e,
recentemente, conseguiu envolver vários países da União Européia em sua
aventura militar na Líbia, onde destruíram fisicamente o País, mataram seus
principais dirigentes e agora começam a se apossar das imensas jazidas de
petróleo locais, sob o olhar complacente dos títeres que colocaram no poder.
Agora os Estados Unidos se voltam
para Síria. O cenário foi montado para que a história se repetisse, mas a
resistência do exército sírio, que desalojou os mercenários de várias regiões
do País, derrotou essa primeira ofensiva imperialista. Derrotado o campo de
batalha, os Estados Unidos tentaram legalizr a invasão, mas a Rússia e a China
vetaram uma resolução do Conselho de Segurança da ONU que abria espaço para a
intervenção no País. Agora, estamos na iminência de uma invasão da Síria, sob o
pretexto bizarro de que o governo teria lançado armas químicas contra a
população, quanto se sabe que este episódio foi montado pela CIA para
justificar a agressão. Desesperado, sem apoio internacional que esperava, o
imperialismo pode realizar a intervenção a qualquer momento, mas as
consequências podem ser dramáticas, tanto para o povo sírio, quanto para o
Oriente Médio e para o próprio imperialismo, inclusive com o aprofundamento da
crise sistêmica global no interior dos Estados Unidos.
Como a política guerreira já é
uma necessidade do imperialismo para desenvolver suas forças produtivas, nas
épocas de crises profundas como a que estamos presenciando agora, a fúria
belicista do imperialismo se torna ainda maior. Por isso, pode-se esperar tudo
nesta conjuntura, pois o imperialismo está ferido e vai querer sair da crise de
qualquer forma, nem que para isso coloque em xeque a existência da própria
espécie humana. Para a humanidade, resta uma saída que vai significar sua
própria sobrevivência: derrotar o imperialismo, superar o capitalismo e
construir uma outra sociabilidade sobre os escombros desta velha ordem.
Bibliografia consultada
Bukharine, N. O imperialismo e a
economia mundial. Coimbra: Centelha, 1976.
Costa, E. A globalização e o
capitalismo contemporâneo. (São Paulo: Expressão Popular, 2009)
--------------- Imperialismo. São
Paulo: Global Editora, 1986.
Lênin, V. Imperialismo fase
superior do capitalismo. Lisboa: Avante, 1976.
Luxemburg, R. A acumulação do
capital. São Paulo: Abril Cultural, 1984.
Hilferding, R. O capital
Financeiro. São Paulo: Abril Cultural, 1985
Hobson, J. A. A evolução do
capitalismo. São Paulo: abril cultural, 1985
[1] Para uma melhor compreensão
dos clássicos do imperialismo, consultar: Hobson, A Evolução do capitalismo
(Nova Cultural, 1983); Hilferding, O capital financeiro (Nova Cultural, 1938);
Lênin, Imperialismo, fase superior do Capitalismo (Avante, 1984); Rosa de
Luxemburg, A acumulação do Capital (Nova Cultural, 1983);e Bukharin, O
imperialismo e a economia mundial (Centelha, 1976). Para uma versão mais
popular, consultar Edmilson Costa, Imperialismo (Global, 1989).
[*] Doutorado em Economia pela
Unicamp, com pós-doutorado no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da
mesma instituição. É autor de Imperialismo (Global Editora, 1987), A política
salarial no Brasil (Boitempo Editorial, 1987), Um projeto para o Brasil
(Tecno-Científica, 1988), A globalização e o capitalismo contemporâneo
(Expressão Popular, 2009) e A crise econômica mundial, a globalização e o
Brasil (no prelo), além de ter ensaios publicados no Brasil e exterior.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/ .
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