Levantamento da RBA constatou que apenas 29,6% dos conselhos
preveem a existência de cadeiras para representantes de pais e alunos. Em SP,
órgão é regido por lei da ditadura
por Malú Damázio, da RBA
São Paulo – A composição dos conselhos estaduais de educação
(CEE) brasileiros é pouco representativa e não garante participação da
sociedade civil. Um levantamento feito pela RBA constatou que apenas 29,6% do
total de colegiados preveem em sua estrutura a participação de estudantes
matriculados na rede de ensino e seus pais ou associações que os representem.
As entidades, em sua maioria, são responsáveis por regulamentar o ensino e
autorizar a criação de instituições escolares nos estados da federação.
Para a promotora de Justiça da Infância e da Juventude do
Ipiranga, Maria Izabel Castro, do Ministério Público de São Paulo (MP-SP),
autora do artigo “Conselhos Estaduais de Educação e Democracia Participativa”,
a política de exclusão da sociedade civil dos processos educacionais é
representativa do interesse dos órgãos públicos em manterem-se atados aos
interesses empresariais.
Das 27 instituições estaduais, somente oito apresentam vagas
para alunos e familiares: Alagoas, Pará, Espírito Santo, Maranhão, Mato Grosso,
Rio Grande do Sul, Paraíba e Tocantins. A maioria das leis estaduais estabelece
que os conselhos ofereçam vagas para membros de “notório saber e experiência em
matéria de educação”, como exposto no Decreto nº 7.532, de 19 de fevereiro de
1999, que regulamenta o CEE da Bahia. Essa determinação resulta em órgãos
preenchidos por donos de centros de aprendizado, representantes de instituições
privadas, como bancos, e professores universitários, excluindo de sua
composição funcionários, alunos, pais e professores do ensino fundamental e da
rede pública.
As regras adotadas por esses conselhos contradizem o
princípio da gestão democrática assegurado pela Lei de Diretrizes e Bases da
Educação (LDB 9.394/96). No Artigo 2, a LDB garante a “gestão democrática do
ensino público, na forma desta lei e da legislação dos sistemas de ensino”. O
tema é reforçado pelo Projeto de Lei do Plano Nacional da Educação (PLC
103/12), aprovado ontem (17) no Senado, como uma das diretrizes educacionais a
se cumprir até 2020. O texto do projeto indica a “promoção do princípio da
gestão democrática da educação pública”.
“As escolas particulares não representam a vontade dos
alunos, dos pais e da educação. Eles estão defendendo seus interesses como
instituições privadas. Esse é um modo de não respeitar e de não querer ouvir a
sociedade no âmbito da educação. Se os conselhos foram criados para fazer com
que a sociedade participe de políticas públicas, por que os governos resistem
em não ouvir as demandas sociais nessa área? ”, questiona Maria Izabel.
A estrutura do Conselho Nacional de Educação, regido pela
Lei 9.131, pela qual os órgãos estaduais devem se orientar, prevê que no mínimo
50% dos conselheiros devem ser indicados por segmentos e entidades da sociedade
civil, obedecendo aos princípios de gestão democrática. A outra metade dos
membros é nomeada pelo presidente da República.
No entanto, o presidente do Fórum Nacional de Conselhos
Estaduais de Educação (FNCE), Maurício Pereira, afirma que os órgãos estaduais
não são “vinculados a interesses de classe” e, portanto, não devem representar
institucionalmente segmentos sociais. “Os conselhos são órgãos de controle, não
de representatividade de entidades. Eles são mecanismos de assessoramento
técnico do estado para a melhoria da educação.”
O fórum é a entidade que congrega todos os conselhos
estaduais de educação brasileiros, representa os órgãos e discute temas que
devam ser encaminhados em esfera federal, além de propor sugestões e subsidiar
a elaboração e o acompanhamento de planos nacionais de educação.
Pereira acredita que o grande número de conselheiros do ramo
empresarial não interfere no tipo de decisões tomadas pelos órgãos. “Não é
porque um conselheiro é da iniciativa privada que ele está defendendo os
interesses privados. Além disso, não ter representantes de pais em um dado
conselho não significa que não haja conselheiros que sejam pais, e não ter
professores via sindicato não significa que não haja professores”, argumenta.
O presidente do FNCE enfatiza que a presença de pais e
alunos – que estão diariamente em convívio com carências e necessidades
escolares – nos conselhos não contribuirá para a melhoria do debate de questões
educacionais centrais. “Eu entendo que não vai ser isso que vai melhorar ou
piorar. Um conselho não pode ser um recorte de interesses individuais da
sociedade, porque assim ele nunca irá tomar decisões, já que cada um vai
defender o seu lado.” Para ele, o fórum é o local adequado para que sejam
expostos os interesses de classe e em que as entidades estão devidamente representadas.
Lei da ditadura
O Conselho Estadual de Educação de São Paulo (CEE-SP) ainda
é regido por leis do período da ditadura. O órgão paulista vigora com a Lei
Estadual 10.403, de 1971, anterior à Constituição Federal, de 1988, e nunca
passou por reformulações. Todos os membros são indicados pelo governador e não
há participação de pais, alunos ou associações que os representem entre os
conselheiros. Ao contrário, segundo levantamento do Observatório da Educação,
entre os 29 membros do conselho 16 defendem os interesses particulares do setor
empresarial, como redes de ensino e bancos privados.
Entre outros pontos, a baixa rotatividade do colegiado
também é marca da entidade. Dos 29 membros efetivos, incluindo os suplentes,
oito estão há mais de uma década no conselho. Mesmo com a nomeação, pelo
governador Geraldo Alckmin (PSDB), de seis novos conselheiros em julho deste
ano, o órgão não renovou o perfil empresarial que apresenta e empossou nomes
como Jair Ribeiro da Silva Neto, diretor do Banco Indusval & Partners, e
Sylvia Figueiredo Gouvêa, diretora da Escola Lourenço Castanho..
De acordo com Maria Izabel, não há vontade política em mexer
no Conselho Estadual de Educação de São Paulo. "Há integrantes que estão
há anos e a entidade não se renova. Isso só mostra que a entidade prefere
permanecer fechada ao que a sociedade diz a respeito da educação". A
promotora, integrante do Movimento do Ministério Público Democrático (MPD),
considera o órgão “dinástico e antidemocrático”.
A atual presidenta do conselho, Guiomar Namo de Mello,
contestou o caráter privado do CEE-SP apontado pelo Observatório da Educação e
pela Federação dos Professores do Estado de São Paulo (Fepesp). Em entrevista à
RBA no fim de setembro, a conselheira afirmou que o órgão não pode acatar a
reivindicação de pais e alunos por presença no colegiado, porque este exerce
funções normativas e técnicas.
“Desde a origem, os conselhos de educação são normativos,
com representantes da rede estadual e municipal e privadas, que constituem o
sistema de educação. E devido ao caráter muitas vezes burocrático, que exige
formação e experiência no setor, dificilmente terá maior representação de
estudantes e pais”, disse Guiomar à época.
O CEE-SP é mantido pela Secretaria Estadual de Educação e
recebe cerca de 0,01% do orçamento paulista voltado à área educacional. Segundo
a assessoria da liderança do PT na Assembleia Legislativa, o conselho liquidou,
no ano de 2012, R$ 3.199.538,00 a mais do que o valor previsto pela secretaria.
Dos R$ 1.992.729,00 inicialmente destinados para o órgão no ano passado, foram
gastos R$ 5.192.267,00. Desta verba, R$ 2.593.550,00 financiaram serviços de
consultoria não especificados no balanço financeiro da entidade. A previsão de
orçamento para 2014 é que o órgão maneje R$ 2.871.130,00 dos R$
27.031.906.726,00 disponíveis para a Secretaria de Educação.
Tramita na Assembleia Legislativa de São Paulo um projeto de
lei para a reelaboração das normas e da escolha de conselheiros do CEE-SP. De
autoria do deputados estaduais Geraldo Cruz e Simão Pedro Chiovetti (ambos do
PT), o PL 108, de 2012, está parado desde novembro do ano passado e, segundo
Cruz, não será votado em 2013.
O PL pretende democratizar o acesso ao Conselho Estadual de
Educação de São Paulo e prevê que 18 dos 24 conselheiros titulares sejam
escolhidos pela sociedade civil. Além disso, assegura vagas para representantes
quilombolas, indígenas e alunos com deficiência motora ou intelectual. A
participação de estudantes e pais das redes pública e privada de ensino também
é prevista pelo texto do projeto.
Para Geraldo Cruz, o projeto retira das mãos da iniciativa
privada o benefício de estabelecer regras e deliberar sobre a educação em todo
o estado. “Atualmente a educação pública é regida por ações da iniciativa
privada e, por isso, fica deficiente e prejudicada. Ela é vista como um produto
que dá lucro. Para que o estado consiga melhorar as questões educacionais, o
assunto tem que ser debatido com quem está diretamente envolvido no processo,
que são os alunos, educadores, funcionários e pais”, afirma.
O parlamentar ainda reforça que a participação da sociedade
civil reduz as possibilidades de corrupção nos órgãos administrativos, porque
“a composição do conselho se tornaria mais vigilante e mais presente em
discussões sobre políticas públicas que dizem respeito a ela”.
Modelo de representatividade
O Pará é um dos estados que oferecem vagas para alunos e
pais no Conselho Estadual de Educação (CEE-PA), mas a instituição não tem
qualquer poder deliberativo. Isso indica que o colegiado está subordinado à
Secretaria Estadual de Educação e não tem o poder de tomar decisões sobre a
educação no estado, podendo apenas formular normas e fiscalizar se elas estão
sendo cumpridas pelo sistema educacional.
Segundo o representante dos estudantes da educação básica do
CEE-PA, Cleiton Brito, a legislação do órgão, apesar de promover a inclusão da
sociedade civil, permanece restritiva quanto à autonomia. “As leis e sistema
que regem o Conselho do Pará são da década de 1990. É preciso que haja uma
reformulação do órgão para que ele conquiste respaldo legislativo e se torne
deliberativo”, argumenta.
Brito, que está no CEE-PA há três anos, reforça que a
instituição paraense procura estabelecer normas adequadas a cada realidade de
ensino. “As escola públicas, por exemplo, têm um prazo de 18 meses para se
adequar às resoluções do conselho e à Lei de Diretrizes e Bases da Educação,
enquanto as instituições privadas precisam realizar o processo em 12 meses,
porque têm melhores condições de aplicar o que foi determinado.”
Educação inclusiva
Além disso, poucos são os órgãos integrados por conselheiros
voltados para a educação inclusiva. Os únicos conselhos estaduais de educação
que preveem cadeiras para entidades da sociedade civil voltadas aos alunos com
deficiência física e mental são os do Rio Grande do Sul (CEE-RS) e do Mato
Grosso (CEE-MT).
A chefe de gabinete do CEE RS, Maria da Graça Fioriolli,
explica que a vaga – destinada a representantes da Associação de Pais e Amigos
dos Excepcionais (Apae) – foi conquistada em 2000 e aprovada na Assembleia
Legislativa, após o veto do então governador do estado, Olívio Dutra (PT).
“Naquela época nem o governo do Brasil e nem o governo estadual achavam que
deveria existir essa vaga e alegaram que os portadores de necessidades
especiais já estavam representados por outros segmentos do próprio conselho.”
A Resolução nº 2 do CNE, que garante a participação de
portadores de deficiência no sistema de ensino público tradicional, com os
apoios necessários, só foi sancionada em 2001. Apesar de haver uma legislação
que promova a educação inclusiva, a representante do CEE do Rio Grande do Sul
acredita que o setor ainda não está contemplado pelos outros segmentos de
conselheiros. “Essa vaga representa uma conquista muito grande para a educação
especial, já que o próprio estado envia alunos para as Apaes, porque não oferece
condições de cuidar deles como deveria”, afirma.
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