O Brasil reproduz acriticamente muitas das medidas
educacionais dos Estados Unidos e ambos apresentam baixos índices no PISA,
programa internacional que busca verificar o nível de preparo dos jovens para o
exercício da cidadania. Participaram desta avaliação cerca de 500 mil
estudantes de 65 países.
por Zacarias Gama
A grande imprensa brasileira está repercutindo largamente o
desempenho dos nossos estudantes da Educação Básica no Programa Internacional
de Avaliação de Estudantes (Programme for International Student Assessment –
PISA). Este Programa é desenvolvido e coordenado pela OCDE (Organização para
Cooperação e Desenvolvimento Econômico), e é aplicado a estudantes na faixa dos
15 anos. Seu objetivo é verificar o nível de preparo dos jovens para o
exercício da cidadania na sociedade contemporânea matriculados em escolas
públicas e particulares. Participaram desta avaliação cerca de 510 000
estudantes de 65 países.
As avaliações do PISA são trienais e abrangem três áreas do
conhecimento – Leitura, Matemática e Ciências. A cada triênio uma das áreas é
enfatizada. Na avaliação de 2012, que está sendo divulgada, a ênfase foi em
Matemática. Em 2015 será em Ciências.
Muito embora os estudantes brasileiros tenham ficado abaixo
da média dos países da OCDE, é de se registrar que o desempenho médio em
Matemática tem melhorado desde 2003. São também visíveis as melhorias nos
desempenhos de Leitura e Ciências. O problema, no entanto, é que o Brasil ainda
está distante dos países situados no topo do ranking; as cinco melhores
posições foram ocupadas pelos estudantes asiáticos, respectivamente de Xangai,
Singapura, Hong-Kong, Taipé e Coreia. Os Estados Unidos e o Brasil ocuparam as
posições de números 36 e 58 respectivamente. A Finlândia (12ª posição) mesmo
tendo caído algumas posições e tendo ficado abaixo dos asiáticos já
mencionados, do Liechtenstein, da Suíça, da Holanda e da Estônia, ainda compõe
a elite mundial de bons desempenhos no PISA.
Os esforços brasileiros para a melhoria da qualidade da
educação na última década têm sido grandes e estão sendo lentamente
recompensados. No ano 2000 nosso escore geral foi igual a 368 e subimos em 2012
para 402. Nosso desempenho, no entanto, sempre fica abaixo da média dos escores
dos países da OCDE em todo esse tempo de realização do PISA, em todas as
avaliações. A média da OCDE em 2012 foi 494.
Ao longo das aplicações do PISA o desempenho de estudantes
de três países ocidentais chama a nossa atenção. O desempenho dos estudantes da
Finlândia sempre conseguindo as melhores posições do ranking, obtendo escores
superiores às médias da OCDE; o dos estudantes dos Estados Unidos que jamais
superou o escore de 499 pontos, e dos estudantes do Brasil sempre ocupando as piores
posições. Os estudantes destes dois últimos países vêm tendo desempenhos abaixo
das médias da OCDE.
Os finlandeses obviamente se orgulham do sucesso obtido em
todos os exames do PISA. E quando nos empenhamos a descobrir a sua fórmula, ela
se revela incrivelmente simples e diferente daquelas que são aplicadas nos
Estados Unidos e no Brasil. O Portal G1, em sua edição de 24 de maio de 2013,
tornou pública essa simplicidade e as diferenças que apresenta ao veicular
extensa matéria com o título País com a melhor educação do mundo, Finlândia
aposta no professor , baseando-se no depoimento de Jaana Palojärvi, diretora do
Ministério da Educação e Cultura da Finlândia.
Na Finlândia, segundo Palojärvi, o sucesso nada tem “a ver
com métodos pedagógicos revolucionários, uso da tecnologia em sala de aula ou
exames gigantescos como Enem ou Enade”. Lá as apostas se concentram na
valorização do professor e na sua autonomia para trabalhar. Desde a reforma
educacional dos anos 1970 a valorização do professor traduziu-se em pagamento
de salários competitivos e em atratividade da carreira docente. Hoje um docente
da Educação Básica ganha em média R$ 8 mil reais por mês, algo em torno de 3
mil euros. Seu salário é compatível com a média salarial do país e aumenta com
o tempo de serviço. Todos os docentes, entretanto, precisam ter formação mínima
em nível de Mestrado e cumprir um tempo de treinamento antes de entrar em sala
de aula. Quanto à autonomia de trabalho a diretora do Ministério da Educação e
Cultura da Finlândia é muito clara: O material [didático] usado e o currículo
são livres, por isso podem variar muito de uma unidade para outra. O mesmo
ocorre quando fala do uso de novas tecnologias em salas de aula: tecnologia
também não é o forte das escolas finlandesas, que preferem investir em gente.
"Não gostamos muito de tecnologia, ela é só uma ferramenta, não é o
conteúdo em si. Tecnologia pode ser usada ou não, não é um fator chave para a
aprendizagem."
O desempenho dos estudantes dos Estados Unidos, ao contrário
dos estudantes finlandeses, desde a primeira aplicação do PISA em 2000 vem se
situando abaixo da média dos escores dos países da OCDE, oscilando entre 499
(em 2000) e 492 (em 2012). A
ex-conselheira de educação dos governos Bill Clinton e George W. Bush, Diane
Ravitch, em seu livro “Vida e morte do grande sistema escolar americano”
(2011) responsabiliza os testes
padronizados (tais como os testes do ENEM e do SAERJ – aplicados no sistema
educacional brasileiro e fluminense) e o modelo de mercado adotado pelo sistema
educacional como os grandes vilões do fracasso na educação dos jovens
americanos. Segundo afirma os testes tornaram-se definidores de toda a vida
escolar americana. A partir dos resultados obtidos é que são tomadas as
decisões pelos formuladores de políticas educacionais, as famílias podem fazer
as suas escolhas acirrando a competição entre escolas, e os professores recebem
gratificações e bônus sempre que os seus estudantes apresentam bons
rendimentos.
A crise educacional americana é profunda e já dura algum
tempo. Em 1983 o relatório Nation at Risk (Uma Nação em Risco - NAR), elaborado
pela Comissão Nacional de Excelência em Educação na gestão do presidente Ronald
Reagan, alertou acerca da erosão das instituições educacionais “por uma onda de
mediocridade que ameaça o nosso próprio futuro enquanto povo e nação”. Para a
Comissão responsável pelo NAR o unilateral desarmamento educacional posto em
prática nas escolas básicas dos Estados Unidos tanto compromete a segurança
nacional em um futuro próximo, como também afeta o país econômica e
socialmente. Entre as recomendações feitas pelo NAR, todas citadas por Ravitch,
estavam a elevação de exigências para o ensino básico, desempenho e conduta
escolar dos estudantes, formação de professores, assim como mais tempo para as
instruções e deveres de casa, e valorização da carreira docente com o imediato
aumento dos salários. Ravitch destaca que tal relatório coincidiu com os
resultados anteriores do Relatório SAT de 1977 (Scholastic Aptitude Test ou
Scholastic Assessment Test). O SAT já apontava o fracasso e insistia igualmente
que os estudantes tinham poucas horas de disciplinas básicas, poucos deveres de
casa, muitas faltas às aulas, poucas leituras críticas e reflexivas e uma
escrita muito descuidada. Contudo, a entrada em um novo século, praticamente
não alterou a situação americana apesar de alguns esforços salvacionistas de
economistas, “líderes da América corporativa”, consultores e empresários que
pouco ou nada entendem de educação. Em 2002 Michel Bloomberg, ao assumir a
prefeitura de Nova Iorque considerou o sistema educacional da cidade em “estado
de emergência”.
A administração do prefeito Bloomberg para a educação, de
fato, fez grande esforço para melhorá-la. Basicamente sua “reforma” educacional
incluiu estratégias de responsabilização vertical, que segundo Ravitch
significava “mais reformas de mercado que incluíam escolha escolar, autonomia,
competição e incentivos”. Apenas eram “autônomas” as escolas administradas
privadamente com recursos públicos (School Charters); elas tinham turmas
menores, mais recursos, estudantes selecionados e criavam uma dualidade de
oferta de matrículas e ensino na rede de escolas públicas da cidade. Para
incrementar as escolhas familiares, foram criadas inúmeras pequenas escolas de
nível médio, com mais ou menos 500 alunos, todas elas temáticas voltadas para
atender às demandas do mercado.
No Brasil, no Estado do Rio de Janeiro e em Pernambuco, já
há algumas escolas temáticas de ensino médio tais como a NAVE (Núcleo Avançado
em Educação em parceria com a OI Futuro) e a NATA (Núcleo Avançado em
Tecnologia de Alimentos em parceria com o Grupo Pão de Açúcar e com a CCPL).
Contudo, apesar dos esforços da administração municipal de
Nova Iorque, a reforma educacional do prefeito Bloomberg pode ser bastante
criticada em função da dos grandes déficits de democracia que produziu no
sistema educacional com a centralização das decisões e com o autoritarismo na
implantação de políticas. Ravitch afirma que “a reorganização foi um modelo
corporativo de controle fortemente centralizado, hierárquico e vertical”. Outro ponto crítico igualmente importante foi
a atenção mínima foi prestada ao currículo escolar: à exceção de Matemática e
Leitura todas as demais disciplinas curriculares tiveram importância
reduzida. Os escores obtidos pelos
estudantes nova-iorquinos no National Assessment of Educational Progress (NAEP)
entre 2005 e 2007 em Leitura e Matemática demonstraram que eles não tiveram
ganhos significativos. Segundo Ravitch “na Leitura da quarta e da oitava séries
e na Matemática da oitava série, os escores do NAEP demonstraram que não houve
mudanças significativas. Tampouco houve qualquer estreitamento da distância de
desempenho entre diferentes grupos raciais”.
O New York Times, na edição de 16 de novembro de 2007 , estampou em
grande matéria que os resultados de Nova Iorque nos testes federais demonstraram
a estagnação educacional da cidade, apesar dos ganhos em Matemática da quarta
série. E asseverou que medida após medida, os resultados mostraram que não
houve nenhuma mudança significativa no período entre 2005 e 2007.
O Brasil reproduz acriticamente muitas das medidas aplicadas
nos Estados Unidos como que repetindo a fórmula o que é bom para os EUA é bom
para o Brasil. Diversas unidades e municípios da nossa Federação estão gerindo
os seus sistemas educacionais com forte centralização, hierarquização rígida e
vertical, e responsabilização das direções e professores pelos avanços e
retrocessos porventura existentes. Aqui as famílias também estão sendo levadas
a escolher as escolas para os seus filhos pautadas pelo Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB. O ranking que resulta da apuração do
IDEB favorece as escolhas familiares, apesar das poucas pistas que fornece
acerca do tipo de cidadãos que estão formando. Da mesma forma que em diversos
estados e cidades dos Estados Unidos é comum entre nós o pagamento de
gratificações por mérito e bonificações para os professores e escolas que
cumprirem determinadas metas a contragosto dos nossos sindicatos. Também aqui
raramente as comunidades educacionais são envolvidas em discussões sobre a
aplicação de recursos, organização curricular, carga horária etc. Como lá
estamos longe de uma ampla discussão pública para criação de um projeto
nacional de educação.
A Finlândia que poderia nos inspirar sequer é visitada pelos
formuladores nacionais de políticas públicas. Sua fórmula de sucesso parece não
sensibilizar nossos tecnoburocratas educacionais e desembarcá-los da ponte
aérea para Manhattan. Interessante ainda é que esses mesmos técnicos
desconsideram os temores e as recomendações do relatório Nation at Risk que a
Finlândia parece ter adotado para si. Não por acaso o sucesso desse país é
produzido por professores experientes, ensino efetivo, estudantes motivados,
recursos adequados e uma comunidade que valoriza a educação. Os atalhos e
respostas rápidas parecem ser a obsessão dos nossos formuladores de políticas
educacionais tanto quanto tiraram o sono do prefeito Bloomberg. Ravitch (2011)
em ato de contrição por ter contribuído com as erráticas políticas educacionais
de Bill Clinton e George W. Bush assevera que o fracasso americano decorre da
“falta de visão educativa” e do “alistamento de um exército de consultores
empresariais”. Para essa ex-secretária de educação a maneira mais durável de
melhorar o sistema educacional americano é a adoção de um currículo mais forte,
melhoria das condições de trabalho e remuneração dos professores e melhoria das
condições de ensino e aprendizagem.
Muito possivelmente por conta dos modismos da nossa
tecnoburocracia que se mostra incapaz de aprender com a Finlândia, estamos
insistindo na aquisição de competências e habilidades básicas que se mostram
insuficientes para formar homens e mulheres que irão produzir novas
tecnologias, fazer novas descobertas científicas, edificar novas e grandes
obras de engenharia ou resolver problemas alimentares e hídricos. Dificilmente
estarão aptos sequer para apreciar as realizações culturais da nossa sociedade
ou a compreender e fortalecer a herança democrática. Como simples homo faber se
equipam mal para tomar decisões baseadas em conhecimentos, debates e razão.
Muito provavelmente por causa dos limitados e imediatos
horizontes educativos de nossa dos nossos formuladores de políticas
educacionais ainda estamos longe da posição que a Finlândia e seus estudantes
ocupam no cenário educacional mundial. E isto nos aflige particularmente num
momento em que nos encaminhamos para ocupar o lugar de 5ª economia mundial.
Como poderemos nos manter nessa posição?
Zacarias Gama
Professor Associado da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro. Doutor em Educação. Professor do Programa de Pós-graduação em
Políticas Públicas e Formação Humana.
Ilustração: Daniel Kondo
1- G1 EDUCAÇÃO. País com a melhor educação do mundo, Finlândia aposta
no professor. Edição do dia 24/05/2013
10h25. Disponível no sítio:
http://g1.globo.com/educacao/noticia/2013/05/pais-com-melhor-educacao-do-mundo-finlandia-aposta-no-professor.html
2- RAVITCH, D. Vida e morte do grande sistema escolar americano – Como
os testes padronizados e o modelo de mercado ameaçam a educação. Porto Alegre:
Sulina, 211.
3- NEW YORK TIMES. Little Progress for City Schools on National Test.
NYT: Education, published November 16, 2007.
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