Para Kissinger, o continente sul-americano segue sendo, no novo século, uma zona de influência onde os EUA não podem admitir nenhum tipo de contestação.
José Luís Fiori - Carta Maior
“A new form of nationalism may emerge, seeking
national or regional identity by confronting the United States. In its deepest
sense, the challenge of texto_detalhe Hemisphere policy for the United States
is whether it can help bring about the world envisioned by Free Trade Area of
the Americas, or whether the texto_detalhe Hemisphere, for the first time in
its history, will break up into competing blocs; whether democracy and free
markets will remain the dominant institutions or whether there is a gradual relapse
into populist authoritarianism.”
H. Kissinger, 2001, Does America Need a Foreign
Policy, Simon&Schuster, New York, p:
84
Em grandes linhas, foi a visão
estratégica de Nicholas Spykman [1], formulada na década de 1940, que orientou
a política externa dos EUA, para a América do Sul - democrata e republicana
- durante toda a segunda metade do
século XX. Nesse período, só Henry Kissinger teve - dentro dos EUA - uma visão geopolítica do mundo tão ampla e
inovadora, mas apesar disso, ele não mudou uma vírgula, com relação à visão
hemisférica de Spykman. Com a diferença, que Kissinger foi também um executivo,
e ocupou cargos de importância crescente, dentro das administrações
republicanas, a partir do primeiro governo de Dwight Eisenhower, em 1953, até o
final das administrações de Richard Nixon e
Gerald Ford, de quem foi Conselheiro de Segurança, e Secretario de
Estado, respectivamente.
Nesse tempo, participou de
conjunturas e decisões internacionais
que o transformaram numa das figuras mais importantes da política externa
norte-americana, da segunda metade do
século XX. Sobretudo durante as
administrações de Nixon e Ford, quando deu uma contribuição decisiva para
a formulação da nova estratégia dos EUA,
de resposta à crise econômica mundial dos anos 70, e à derrota americana no Vietnã, em 1973. Ele
participou diretamente das negociações de paz, no Vietnã, que levaram à
assinatura dos Acordos de Paris, em 1973; e das negociações secretas com Chou
en Lai e Mão Tse Tung , em 1971 e 1972, que levaram à reaproximação dos Estados
Unidos com a China, e a reconfiguração completa da geopolítica mundial, antes e
depois do fim da Guerra Fria.
Mas ao mesmo tempo, Kissinger
tomou várias decisões “sangrentas”, que também foram cruciais, como foi o caso
da ordem de bombardeio aéreo do Camboja e do Laos, sem a autorização do
Congresso Americano, em 1969; do apoio à
guerra do Paquistão com a Índia, no território atual de Bangladeshi, em 1971;
do apoio e financiamento ilegal da invasão do Chipre, pela Turquia, em
1974; do apoio à invasão sul-africana de
Angola, em 1975; e finalmente, também em 1975, do apoio à invasão do Timor
Leste, pela Indonésia, que se
transformou numa ocupação de 24 anos, e custou 200 mil vidas.
Sobre a América do Sul,
entretanto, Henry Kissinger inovou muito pouco, com relação à visão de Spykman,
sobre o potencial de ameaça para os EUA, dos países do Cone Sul. Já haviam
passado três décadas da publicação da sua obra clássica, “America´s Strategy in
World Politics”, em 1942, mas Kissinger seguia considerando inaceitável o
surgimento de um poder hemisférico alternativo nessa região, e ainda mais, se
fosse da parte de um governo de esquerda, ou comunista. Razão pela qual, apoiou
e sustentou os violentos golpes militares [2] que derrubaram os governos
eleitos da Bolívia, em 1971, do Uruguai e do Chile, em 1973, e da Argentina, em
1976. E existem evidencias inapeláveis de que também teve injunção na Operação Condor [3], que integrou os serviços
de inteligência das Forças Armadas da Argentina, Brasil, Chile, Paraguai e
Uruguai, para seqüestrar, torturar e assassinar personalidades políticas de
oposição, nesses países.
Nas décadas de 80 e 90, Henry
Kissinger afastou-se da diplomacia direta, mas manteve uma influência pessoal e
intelectual muito grande dentro do establishment americano, e entre as elites
conservadoras sul-americanas. Em 2001 -
uma década depois do fim da Guerra Fria e da “ameaça comunista” - Kissinger publicou um livro [4] que marcou
época, discutindo o futuro geopolítico
do mundo, e sintetizando os novos consensos da politica externa dos EUA, para o
século XXI. Chama atenção, de novo,
nesse livro, sua posição com relação à América do Sul: para Kissinger, o
continente sul-americano segue sendo - no novo século - uma “zona de
influência” onde os EUA não podem admitir nenhum tipo de contestação à sua
supremacia estratégica e econômica. Da mesma forma que no século anterior, só
que agora, a grande ameaça à supremacia americana já não vem do comunismo, vem
do “populismo autoritário”, e do
“nacionalismo” dos governos que rejeitam as propostas norte-americanas de integração econômica, do
tipo ALCA, na década de 90, e do tipo Aliança do Pacífico, nos anos mais
recentes. Ou seja, desse ponto de vista dominante nos EUA, nesse momento, todos
os governos da América do Sul representariam uma ameaça aos interesses
norte-americanos, que deve ser contida e derrotada, com exceção da Colômbia,
do Peru, e do Chile.
NOTAS
[1] J.L.Fiori, “Brasil, EUA e o
Hemisfério Ocidental ” (1), Valor Econômico, 29/01/2014
[2] Na França, Henry Kissinger
foi chamado a depor, pelo juiz Roger Lê Loire, no processo sobre a morte de
cidadão franceses na Operação Condor, e sob a ditadura militar chilena. O mesmo
ocorrendo na Espanha, com a investigação do juiz Juan Guzman, sobre a morte do
jornalista americano Charles Horman, sob a ditadura chilena. E também na Argentina,
onde Kissinger foi investigado pelo juiz Rodolfo Canicoba, por envolvimento na
Operação Condor, assim como em Washington , onde existe um processo na corte
federal com acusação, contra Kissinger, de haver dado a ordem para o assassinato do Gal Schneider,
Comandante em Chefa das Forças Armadas Chilenas, em 1970.
[3] Vide Chistopher Hitchens, The
Trial of Henry Kissinger(2003); e também
a resenha de Kenneth Maxwelll, do livro de Peter Kornbluh, The Pinochet file: a Desclassified Dossier on
Atrocity and Accountability, publicado na Revista Foreign Affairs, de Dezembro
de 2003, sobre as relações de Kissinger com o regime de Augusto Pinochet, em
particular com o assassinato do diplomata chileno Orlando Letelier, em
Washington, 1976.
[4] H. Kissinger, 2001, Does America Need a
Foreign Policy, Simon&Schuster, New
York
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