A Copa 2014 precisa ser um poderoso magneto criando mais liga entre os seres humanos em um mundo tão fragmentado por guerras e conflitos, tão fragilizado.
Washington Araújo - Carta Maior
Nosso país bem pode ser referido como um dos lares espirituais do futebol mundial e em 1950 teve o privilégio de sediar pela primeira vez uma edição da Copa do Mundo de Futebol organizada pela entidade-mor do esporte, a FIFA, agora, passados 64 anos, tendo no currículo 5 campeonatos mundiais, receberá em junho próximo os selecionados de 32 países, incluindo os estreantes Bósnia e Herzegovina.
A Copa Fifa 2014 no Brasil não tem sido avaliada adequadamente e sempre que lemos algo na imprensa percebemos o alto teor político-partidário com que o assunto vem se revestindo.
Com suas características de país-continente, a massa esperada de turistas-torcedores que aqui acorrerá terá oportunidade singular de, em não mais que um mês, conhecer as belezas naturais de cidades tão diversas quanto a hospitaleira Natal, o ícone de metropole brasileira que é o Rio de Janeiro, a misteriosa Manaus, a moderna Curitiba, a pujante São Paulo, a festeira Salvador, a festeira Recife, a bucólica Cuiabá, e mais esses centros de brasilidade que são Fortaleza, Belo Horizonte e Porto Alegre. E, além de todas essas, os visitantes poderão visitar Brasília, esse milagre de arquitetura arrojada tornado realidade por Oscar Niemeyer e Lucio Costa há pouco mais de 50 anos.
As distâncias entre as sedes dos jogos não serão desprezíveis e o clima oscilará do frio de Porto Alegre à humidade de Manaus e ao calor com brisa do mar de Recife, Fortaleza, Salvador e Natal.
Essa nossa diversidade geográfica diz muito da diversidade humana que o Brasil tem para revelar ao mundo. Somos originários de ancestrais índios, europeus e africanos. Aqui desfrutamos da mais completa liberdade de crença, quando cristãos, adeptos de cultos de matriz africana, muçulmanos, bahá´ís, judeus, budistas convivem sem maiores dificuldades, e salvo eventuais excessos praticados por um ou outro indivíduo, no país vale o ensinamento de Krishna de que “não importa por que nome me invoqueis, Eu te responderei”.
Mas se alguém deseja mensurar de forma séria o significado de um evento esportivo de dimensão planetária como tem sido as sucessivas e mais recentes edições da Copa do Mundo de Futebol não existe filtro menos aconselhável que o de natureza ideológica. Com esse filtro, todos os gols são contrários à livre e independente busca da verdade, uma vez que privilegia-se visões fragmentadas da realidadee percepções sectárias na falsa dicotomia governos versus oposições.
Se mirarmos tão somente aspectos econômicos e financeiros, ainda com as contas finais longe de estarem fechadas, os custos e investimentos totais deverão estar por volta de R$ 26 bilhões. E como o país tem investido – e continua investindo - este montante? Bem, a construção de estádios (8 bi) é cerca de 30% desse valor. E os 70% dos gastos da Copa não serão em estádios, mas em infraestrutura, serviços e formação de mão de obra. Apenas os gastos em aeroportos (6,7 bi), somados ao que será investido pela iniciativa privada (2,8 bi até 2014) é maior que o gasto com estádios. Já os gastos com mobilidade urbana praticamente empatam com o dos estádios.
A desinformação sobre valores e investimentos em ações para termos a melhor das Copas do Mundo muito contribui para o acirramento de ânimos e sua consequente politização, gerando muitas vezes falsas dicotomias: Copa do Mundo versus Saúde – Copa 2014 versus Educação – Fifa 2014 versus Mobilidade urbana.
O que se desconhece (ou se procura desconhecer) é o fato que tais binômios não são antagônicos em sua natureza, em sua essência. Quem, em sã consciência, colocaria um evento esportivo acima de prioridades humanas básicas como educação, saúde e mobilidade urbana? Mas quem, também em sã consciência, poderia afirmar que se os 8 bilhões de reais usados na construção de arenas e estádios de futebol tivessem sido destinados ao aprimoramento de nossas carências nas três areas sociais mencionadas, o Brasil passaria a dispor de educação, saúde e mobilidade urbana padrão Fifa?
É inegável que os recursos gastos em estádios poderiam ser úteis a atender parte de nossas históricas carências de infraerstrutura de serviços essenciais. Mas, convenhamos, se os problemas do Brasil pudessem ser resolvidos com 8 bi, já teriam sido.
De natureza pacifista, o Brasil só tem guerras em seus livros de história. Conflitos armados? Não. Disputa de fronteiras com países vizinhos? Também não. Terremotos e tsunamis? Não. O país, relativamente novo no concerto das nações, foi descoberto no ano de 1,500 com a vinda do navegante português Pedro Alvares Cabral. Naquele mês de abril há cinco século passados, esta terra foi descoberta ao tempo em que foram encobertas culturas, crenças e idiomas de seus povos nativos, reunidos em cerca de 200 diferentes etnias e tribos indígenas.
E é o povo deste Brasil que irá recepcionar, abrigar e acolher milhares de cidadãos vindos de quase duas centenas de nações, todos marcados por seu apreço ao futebol-arte, à dança de vinte e dois atletas buscando levar seu país ao topo do futebol mundial.
É um momento singular para exercitarmos a virtude que tanto nos caracteriza, cantada em verso e prosa, destacada com regularidade nas mais diversas competições esportivas do planeta – a hospitalidade. Tratar o estrangeiro como um amigo longe de ser um desafio para nós brasileiros, é um convite irrecusável a que conheçam nossa cultura, nossos valores humanos, nossa maneira de encarar do futuro o presente que há muito ansiamos – a terra da prosperidade para todos, com justiça, liberdade e desenvolvimento social.
A Copa 2014 precisa ser um poderoso magneto criando ‘mais liga entre os seres humanos’ em um mundo tão fragmentado por guerras e conflitos, tão fragilizado por injustiças há muito enraizadas e a desigualdades sociais duramente resistentes a mudanças.
O Brasil tem muito o que ensinar ao mundo. E também muito a aprender. Poderemos ensinar a tolerância em meio às diferenças. Poderemos aprender a ter um nacionalismo são e saudável, sem extremismos.
Ensinaremos nossa unidade essencial, essa unidade que irmana manauaras a cariocas, mineiros a cearenses, baianos a capixabas, sulistas a nordestinos.
Apreço à diversidade... não será para isso que serve um evento a ser visto via satélite por 2/3 da raça humana?
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P.S.: A propósito, recomendo como a melhor referência para informações qualificadas sobre o custo da Copa Brasil 2014 o artigo de Antonio Lassance nesta Carta Maior (Vai ter Copa: argumentos para enfrentar quem torce contra o Brasil, 25/1/2014).
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