A não ser que ajamos, a
desigualdade em nível global vai se tornar muito pior, vindo eventualmente a
tornar as nossas instituições uma piada.
Jacob S. Hacker e Paul Pierson / Carta
Maior
Nos anos 1990, dois jovens
economistas franceses, então ligados ao Massachusetts Institute of Technology
(MIT), Thomas Piketty e Emmanuel Saez, começaram o primeiro esforço rigoroso
para reunir dados sobre desigualdade nos países desenvolvimentos, ao longo de
décadas. No estouro da crise, em 2007, questões fundamentais de economia que
até então vinham sendo ignoradas chamaram a atenção. A pesquisa de Piketty e de
Saez estava pronta, com dados que mostravam que as elites nos países
desenvolvidos tinham, nos últimos anos, enriquecido muito mais do que a
população em geral e do que a maioria dos economistas haviam suspeitado. Ao
longo da década passada, de acordo com Piketty e Saez, a desigualdade tinha
retornado a níveis próximos daqueles do início do século XX.
No último outono, Piketty publicou sua obra
magna, O Capital no Século XXI, na França. O livro busca modelar a história, as
tendências recentes, e volta ao futuro do capitalismo no século XIX. The
American Prospect perguntou a especialistas e acadêmicos que estudam a
desigualdade para analisarem o argumento de Piketty e o impacto potencial dele
sobre as políticas dos Estados Unidos.
Jacob S. Hacker, diretor do
Institution for Social and Policy Studies e Stanley B. Resor, professor de
Ciência Política na Universidade Yale, Paul Pierson, o Professor de Ciência
Política da cadeira John Gross, na Universidade da Califórnia, em Berkeley, são
os co-autores, mais recentemente, do “Winner-Take-All Politics: How Washignton
Made the Rich Richer and Turned Its Back on the Middle Class” [algo como: “O
vencedor sempre ganha, na Política: como Washington tornou os ricos mais ricos
e deu as costas para a classe média”]. Heather Boushey é o diretor executivo e
economista chefe no Washington Center for Equitable Growth. Branko Milanovic é
professor visitante no Graduate Center, da Universidade da Cidade de Nova York,
um pesquisador sênior do Luxembourg Income Study Center, e o autor de The Haves
and the Have-Nots: A Brief and Idiosyncratic History of Global Inequality [algo
como: Os que têm e os que não têm: uma breve e idiossincrática história da
desigualdade global].
Um Tocqueville para hoje
Jacob S. Hacker e Paul Pierson
Quando Alexis de Tocqueville
visitou a América no começo dos anos 1830, o aspecto da nova república que mais
o entusiasmou foi a sua notável igualdade social. “A América, então, exibia no
seu estado social um extraordinário fenômeno”, disse Tocqueville, maravilhado.
“Lá os homens parecem ter muito mais igualdade no que respeita às condições
materiais e intelectuais... do que em qualquer outro país do mundo, ou em
qualquer outra época de que se tenha memória”.
Para Tocqueville, que ignorava
quase completamente a exceção sombria do Sul, o progresso americano em direção
a uma maior igualdade era inevitável, a expansão de seu espírito democrático,
imbatível. A Europa, acreditava ele, em breve seguiria a liderança da América.
Ele estava certo – de certa forma. A democracia ascendia, mas a desigualdade,
também. Somente com a Grande Depressão do Século XX, com duas terríveis guerras
e com a criação de um estado moderno de Bem Estar Social a concentração de
riqueza nas democracias ricas começou a se dissipar e os frutos do rápido
crescimento começaram a implicar ganhos generosos para os trabalhadores comuns.
Agora, um outro francês, com uma
visão panorâmica – e evidências muito mais precisas – quer nos fazer pensar de
nova maneira a respeito do progresso da igualdade e da democracia. Embora
herdeiro da tradição analítica da história, de Tocqueville, Thomas Piketty tem
uma mensagem que não poderia ser mais diferente: a não ser que ajamos, a
desigualdade vai se tornar muito pior, vindo eventualmente a tornar as nossas
instituições uma piada. Com a riqueza cada vez mais concentrada, os países
competindo para concederem mais isenção fiscal ao capital e à herança vindoura,
para rivalizar com o empreendendorismo, como fonte de ricos, uma nova elite
patrimonial pode se provar tão inevitável como Tocqueville certa feita
acreditou a igualdade democrática era.
Essa previsão está baseada, não
na especulação, mas em fatos reunidos através de pesquisa prodigiosa. Os
números espantosos de Piketty mostram que a distribuição da renda nacional
oriunda do capital – que já se acreditou ser estável – está em ascensão. A
riqueza privada alcançou novas altas relativas à renda nacional e está se
aproximando de níveis de concentração que não se tinha desde antes de 1929.
O movimento intelectual poderoso
de Piketty consiste em situar o tema da desigualdade econômica da América num
contexto histórico mais amplo e transnacional. As forças responsáveis por nosso
igualitarismo passado, lembra-nos Piketty, foram o rápido crescimento – tanto o
populacional, como da economia como um todo. A França nunca teve o primeiro,
que é a razão por que o país teve uma verdadeira classe “rentista” de
proprietários aristocratas no começo do Século XX, quando os EUA ainda era uma
terra de pequenos proprietários e de novos ricos. Ainda assim, o crescimento
econômico segue como o grande fator: quando a economia se expande modestamente,
ano a ano, o retorno em capital excede geralmente o crescimento da renda do
trabalho, e as fortunas dos já ricos cresce, ao passo que o resto da sociedade
decresce.
Desde o ressurgimento da
desigualdade de renda, observadores preocupados vêm se concedendo conforto com
a noção de que os donos da riqueza – ainda mais desigualmente distribuída que a
renda – não estão se formando tão rapidamente com a renda ela mesma. Se
olharmos para frente, no entanto, essa noção reconfortante parece suspeita.
Algumas das maiores fortunas constituídas na nova era de ouro financiará a
filantropia ou a frivolidade. A maior parte, no entanto, será afunilada de
volta, em investimentos de capital ou repassada para herdeiros.
Piketty observa que os retornos
desses investimentos são invariavelmente maiores para aqueles com maior riqueza
– o efeito Matthew (*) é uma outra força de aumento da concentração. Enquanto
isso, as heranças estão voltando como uma fonte maior de vantagem para os já
avantajados. Enquanto a desigualdade de renda desce até uma pirâmide
demográfica que se estreita, podemos esperar que as heranças se tornem uma
fonte crescentemente importante de herança de privilégios.
Piketty é acertadamente
pessimista quanto a uma resposta imediata. A influência da riqueza na política
democrática e em como pensamos a respeito de mérito e recompensas oferece obstáculos
formidáveis. Fortalecer a competição internacional para os ricos e os seus
dólares leva Piketty a acreditar que, sem um contra-movimento sério, a taxação
de capital tenderá a zero. A desigualdade está se tornando um problema tão “terrível” como a mudança climática – em que
a solução deve não apenas superar poderosos interesses entrincheirados em
países individuais, como ser global, para ser efetiva.
No entanto, é a taxação do
capital e, em última análise, a taxação de capital global, que Piketty vê como
solução eventual. Taxar apenas o consumo e a renda do trabalho viola a noção de
que indivíduos deveriam financiar a riqueza comum com base em sua capacidade de
pagar. Uma taxa global de capital – modesta, progressiva, baseada na
transparência – poderia reforçar o conflito entre capacidade econômica e
contribuição individual para atividades coletivas. Mais ainda, processo
hesitante nessa direção já vem ganhando espaço, na medida em que países ricos
visam a – sem grande sucesso, até agora – acabar com os paraísos fiscais e com
a engenharia financeira das corporações que cada vez mais tornam a taxação
voluntária para os super ricos. Porque a riqueza está ainda tão concentrada nas
nações de industrialização avançada, acordos que abarquem cidadãos e transações
no interior da Europa e da América do Norte ainda terão um longo caminho pela
frente, até que essas atividades sejam trazidas às claras. Uma taxa modesta
sobre as grandes fortunas também pode encorajar usos mais produtivos de
capital, taxando gradualmente grande patrimônio com pouco retorno.
Piketty sugere que pressões por
mudanças eventualmente provar-se-ão convincentes. Ou os capitalistas mais ricos
vão se desagregar na competição pela diminuição dos custos, ou o resto da
sociedade vai se levantar e impor um quadro mais justo. Para um livro que
insiste no primado da política, no entanto, Piketty tem relativamente pouco a
dizer a respeito de como – com as organizações ligadas ao mundo do trabalho
enfraquecidas, com os interesses da finança fortalecidos, e com as forças
anti-governo incentivadas – o tipo de movimento político necessário para a
emergência de um futuro mais justo. (Foi afinal a guerra, não o sufrágio
universal, que em última análise subjugou a desigualdade no século XX). Ainda
assim, talvez com esse livro magistral, as realidades problemáticas que Piketty
desenterra tornar-se-ão mais visíveis e as racionalizações do privilégio que as
sustentam se tornem menos dominantes. Assim como Tocqueville, Piketty nos deu
uma imagem de nós mesmos. Desta feita, uma a que deveríamos resistir, não dar
boas vindas
(*) Efeito Mathew: “diz respeito
ao fato de que a contribuição de certos cientistas é valorizada mais do que o
devido. Este termo foi criado por Robert Merton para descrever como cientistas
eminentes quase sempre levam mais crédito que um pesquisador desconhecido,
mesmo se o trabalho for similar. Exemplo: John von Neumann é considerado o pai
do computador, mas sua contribuição é residual.
Um corolário é o Efeito Matilda
que afirma que o trabalho de uma mulher em ciência quase sempre é ignorado”. In: http://www.contabilidade-financeira.com/2008/08/efeito-matthew-e-matilda-em-cincias.html (N.deT).
Tradução: Louise Antônia León
(*) Publicado originalmente na The American Prospect
Créditos da foto: Divulgação
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