terça-feira, 18 de março de 2014

Intelectuais e jornalistas golpistas


Estou com livro novo. Escrevi “1964 golpe midiático-civil-militar” para me divertir. Trabalhei como um cão, mas senti prazer. De que trata realmente meu livro? De que como jornalistas e escritores hoje cantados em prosa e verso apoiaram escancaradamente o golpe: Alberto Dines, Carlos Heitor Cony, Antonio Callado, Carlos Drummond de Andrade, Otto Lara Resende, Otto Maria Carpeaux, Rubem Braga e outros.
Alguns, como Cony, arrependeram-se ainda na primeira semana de abril. Outros só mudaram depois de 1968 e do AI-5. Alguns permaneceram fiéis ao regime. Os mais espertos, como Alberto Dines, reescreveram-se.
Como sempre em meus livros, apresento as provas. O poeta Drummond, que deveria ser uma antena da aldeia, só captou o senso comum conservador do seu bairro: “No caso do Sr. Goulart a verdade é que ele pediu, reclamou, impôs sua própria deposição”.

A lógica do poeta, bom de verso e péssimo de reflexão social, era a do machista que culpa a minissaia da mulher pelo estupro. Jango provocou os militares com sua obsessão por reformas, como a agrária, que só fariam bem para o Brasil.
O caso mais impressionante de apoio ao golpismo foi o de Alberto Dines, diretor de redação, à época, doJornal do Brasil. Dines, atualmente, dirige site Observatório de Imprensa, site de crítica de mídia. Jamais fez um bom mea-culpa.
O homem que agora posa de decano do jornalismo comprometido com a democracia era, em 1964, um golpista a serviço do pior do Brasil: “Só podíamos dedicar um único editorial contra cada ato ou falação de Goulart. No dia seguinte, já havia outros para atacar”. Dines não pôde se conter: “Jango permitira que na vida brasileira se insuflassem tais ingredientes que, para extirpá-los, seriam necessários não mais o ‘jeitinho’. Desta vez, teriam de ser empregadas a força e a violência”.
Alberto Dines apoiava a queda de Jango, ansiava pelos militares, tentava ajudá-los assustando cada vez mais a população.
Antonio Callado, que se tornaria um ícone da resistência à ditadura, foi um medíocre preparador da atmosfera para o golpe. Escreveu: “O triste, no episódio tão pífio e latrino-americano da deposição de Jango, é que realmente não se pode desejar que as Forças Armadas não o traíssem”.
Callado praticou o sensacionalismo mais barato. Tentou encontrar razões psicológicas para as atitudes de Jango em sua condição física: “Ao que se sabe, muitos cirurgiões lhe garantiram, através dos anos, que poderia corrigir o defeito que tem na perna esquerda. Mas o horror à ideia de dor física fez com que Jango jamais considerasse a sério o conselho. Talvez por isso tenha cometido o seu suicídio indolor na Páscoa”.
Já Carlos Heitor Cony ajudou a escrever os editorias “Basta!” e “Fora!”, publicados pelo Correio da Manhã, nos quais se clama pelo despeito à Constituição e pela deposição do presidente. Tudo porque Jango mexer nos muitos privilégios dos ricos.
Dou essa palhinha.
Deixo o essencial para quem ler o livro, que poderia se chamar também origens ou consolidação da imprensa golpista.
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1964+50: As tentações da história simplificada
O doutor Juremir Machado honrou este observador com um livro ao seu respeito [ver abaixo]. O 28º da sua lavra. Impressionante o seu currículo acadêmico lustrado na Sorbonne, abençoado tanto pela Santa Sé como pela Igreja Universal do Reino de Deus. Mais impressionante o segmento que descobriu para vender livros – história simplificada.
Antes de tudo generoso, colocou um jornalista cujo mérito maior é a longevidade na melhor companhia – Antonio Callado, Carlos Drummond de Andrade, Carlos Heitor Cony, Otto Maria Carpeaux, Otto Lara Resende e Rubem Braga.
No release que produziu para promover a obra na própria coluna confessa que trabalhou “como um cão”. Prodígio de sinceridade: faltou explicitar a raça – pitbull ou pequinês atacado de raiva? Na realidade, o doutor Juremir leu apenas Os Idos de Março e a Queda em Abril (404 pp., José Álvaro Editor, Rio de Janeiro, 1964) – hoje esgotado, mas disponível nos sebos – organizado por este observador e cuja primeira edição saiu cerca de 30 dias depois da quartelada de 1964.
Com o modesto investimento encontrou ração para morder três “golpistas” – Antonio Callado, este observador e o santo Otto Lara Resende, que prefaciou o livro.
Clima carregado
Este observador fica imaginando o que estará ministrando aos futuros doutores em comunicação um mestre que investe em acusações sem ouvir os acusados. E que tipo de historiografia o emérito simplificador deixará aos pósteros.
Na verdade, o doutor Juremir quer punir este observador pelo crime de opinião, como qualquer tiranete: como o livro foi publicado DEPOIS do golpe e já instalada a ditadura, não pode alegar que os oito autores e o prefaciador fizeram parte da conspiração. Por isso aferra-se às partes dos textos que abomina e esquece o resto.
Foi injusto com o esplêndido repórter Araújo Netto, cujo texto, passados 50 anos, até hoje não foi superado em matéria de precisão e concisão. Comentário de Miguel Arraes citado abreviadamente à página 33:
“Volto [ao Recife] certo de que um golpe virá. De lá ou de cá, ainda não sei. O que sei é que, venha de onde vier, serei a primeira vítima…”
O vaticínio sobre os “idos de março” é uma espécie de refrão na tragédia de William Shakespeare, Júlio Cesar. O clima carregado de presságios naquele março de 1964 levou este observador a usá-lo como título de um livro-reportagem. A ironia do célebre discurso de Marco Antonio sobre os “homens honrados” cabe perfeitamente nos simplistas incapazes de perceber que os homens não se reescrevem – os homens se fazem. (segue).
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Alberto Dines, pelego interventor da ditadura
Alberto Dines apoiou o golpe por reacionarismo e por incapacidade intelectual de compreender o que estava acontecendo. Adepto da prática contra o teoricismo, nunca conseguiu refletir sobre as bobagens que fez na vida.
Comenta livros sem os ler.
A apuração nunca foi o seu forte.
Jacob Goldberg, por exemplo, já mostrou que o livro de Dines, “Morte no paraíso”, sobre o triste fim de Stefan Zweig no Brasil, é um erro primário de investigação jornalística. Ou de falta de investigação.
Dines afundou-se na lama do golpismo como um carola desmiolado. Temia o caos e os comunistas comedores de criancinha. Depois do golpe, organizou um livro, “Os idos de março e a queda em abril”, publicado ainda em 1964, para puxar o saco dos golpistas. Assinou seu atestado de óbito. O futuro cobraria a conta.
Brigou com Bóris Casoy, que o brindou com estas pérolas: “De conhecido caráter, destituído de qualquer sentido moral ou ético, esse indivíduo tenta justificar com uma história da carochinha o fato de ter sido interventor da ditadura no Sindicato dos Jornalistas do Rio de Janeiro. Sua “explicação” não passa de um atentado à inteligência alheia. Imagine: em plena época de caça às bruxas, um grupo de jornalistas ligados ao Partido Comunista procura esse ”ínclito” profissional pedindo sua intercessão junto ao gabinete do então presidente Castelo Branco, com o objetivo de destituir a direção do sindicato, legitimamente eleita. O governo aceita a sugestão e o nomeia interventor militar. É essa a versão que Dines tenta nos impingir. É evidente que só eram nomeados interventores aqueles que tinham a total confiança do regime. Dines, de maneira covarde, tentando dividir culpas com os comunistas, assume a sua ditadura particular. Tira um desafeto pessoal da presidência da entidade e , como se não bastasse, faz um sem número de cassações. É claro que zelosamente oculta esses fatos de sua biografia (ou folha corrida?) Se escapou da lei graças a Anistia, será inscrito entre os réus quando a ação da ditadura nos sindicatos tiver sua história levantada. Mais tarde demonstrou toda a sua “consideração ” com comunistas ao pedir – e por duas vezes – que eu os demitisse da sucursal da Folha de S. Paulo no Rio de Janeiro”.
Em “Idos de março”, Dines louvou os ditadores como um cão lambendo as botas dos militares e dos seus mentores civis:
“Golpe ou contragolpe? Minas marcha contra Goulart. Enfim, apareceu um homem para dar o primeiro passo. Este homem é o mais tranquilo, o mais sereno de todos os que estão na cena política. Magalhães Pinto, sem muitos arroubos, redimiu os brasileiros da pecha de impotentes”.
Quando pedirá desculpas por esse mico?
Em outra passagem, Dines confessa seu trabalho na preparação do golpe: “A velocidade do presidente tirava a capacidade de resistir. Só podíamos dedicar um único editorial contra cada ato ou falação de Goulart. No dia seguinte, já havia outros para atacar. Mesmo assim, o nosso era o único, dos chamados grandes jornais, do Rio, a resistir. Os outros como que perderam a noção das coisas. Estarrecidos ou acomodados. Mas como rebater racionalmente, como enfrentar com argumentação inteligente a política do ‘manda brasa’. Perdíamos. Na batalha das ideias contra os slogans, o grande soldado do jornal foi Luís Alberto Bahia. Quanto mais tacanha era a jogada de Goulart, mais brilhante era o seu raciocínio numa emulação do requintado contra o grosseiro. A cabeleira enorme e mitológica do ex-trotskista contra os cabelos escorridos e poucos do arrivista de esquerda”.
Por fim, mostra sua desinformação, capacidade de manipulação e reacionarismo: “O que importava era que, em São Paulo, meio milhão de pessoas tinha saído à rua, sem archotes nem tanques e canhões, apenas com cantos na boca e rosários na mão, para protestar contra o caos”.
O peleguismo marca a vida de Alberto Dines.
É por isso que, aos coices, ele ataca meu livro 1964 golpe midiático-civil-militar.

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