Atrás da mesa de uma sala ampla
do sexto andar de um edifício de vidros negros da avenida Paulista, entre
pilhas de processos judiciais, dr. Fausto arma sua trincheira. Desembargador do
Tribunal Regional Federal (TRF), Fausto Martin de Sanctis protagonizou cenas
capitais das mazelas recentes do Brasil. Ao determinar a prisão do banqueiro
Daniel Dantas, há quase seis anos, ele sentiu na pele o peso de um Judiciário
moldado para proteger as elites e perpetrar a impunidade de quem tem poder. Mas
não entrega os pontos.
Sanctis foi um juiz de destaque
no combate ao crime organizado, titular da 6ª Vara Federal de São Paulo,
especializada em lavagem de dinheiro. Na Operação Satiagraha, que investigou os
negócios do banqueiro, ele bateu de frente com o então presidente do Supremo
Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, que revogou por duas vezes mandados de
prisão de Sanctis contra Dantas. O então juiz sofreu 18 processos disciplinares
e foi bombardeado com suspeitas de instalar grampos clandestinos no gabinete de
Mendes – o que, constatou-se depois, não era verdade.
Anos depois, Sanctis foi
promovido, mas tornou-se desembargador em uma câmara previdenciária, bem longe
da sua especialidade, o crime. No fim do ano passado, toda a trama de como
Dantas passou de acusado a acusador do juiz e do então delegado responsável
pela Satiagraha, Protógenes Queiroz, com o apoio de deputados, desembargadores
e ministros do STF, veio à tona com o livro “Operação Banqueiro”, do jornalista
Rubens Valente. Um exemplar repousa bem em cima dos processos previdenciários
da mesa do dr. Fausto. Uma arma na sua trincheira.
Nessa entrevista, o desembargador
faz um acerto de contas com o passado e o presente. Para ele, a Satiagraha foi
um marco das deficiências brasileiras. “Eu acho que ela revelou o nosso País,
que é desigual. Uma desigualdade sustentada por um corpo de instituições que
mantêm o status quo, e pouco faz para romper com essa desigualdade que tem
atendido a elite do País, em todos os poderes.”
Sanctis evita críticas a Mendes,
mas garante não se arrepender de nenhuma decisão, inclusive a ordem de prisão
contra Dantas. “Eu o tratei como trato qualquer réu, com a lei. Ele mereceu, de
minha parte, o mesmíssimo tratamento que dou ao João da Silva. (…) Cada vez que
alguém desafia o Estado, tem que merecer do Estado as devidas consequências.”
Na conversa de mais de uma hora no último dia 25, também sobrou tempo para
Sanctis falar dos temas dos quais é especialista: crime organizado, lavagem de
dinheiro, narcotráfico e liberalização das drogas.
Diário da Região – Como os Estados Unidos veem a ação do Estado
brasileiro no combate ao crime organizado?
Fausto de Sanctis – Já dei
palestra sobre crime organizado nos Estados Unidos. O Abadia foi de interesse
imediato deles. Na época, discuti assuntos de cooperação. Aventei a
possibilidade de fazer um acordo de cooperação com os americanos, mas naquela
ocasião eles me conheciam pouco. Não vingou minha proposta de fazer algo
conjunto. Mas eles gostaram muito da decisão de alienar os bens do Abadia antes
da decisão final da Justiça, e lá esse processo é muito rápido. Lá as pessoas
confessam (seus crimes), se não a lei de (combate ao) crime organizado pode
implicar em pena de morte. Então as pessoas admitem os fatos, e preferem
negociar suas penas. Esse bazar (dos bens de Abadia) foi inovador. No início,
houve muita resistência do Judiciário (no Brasil), diziam que eu estava
atentando contra o direito de propriedade. No fim, os bens barrados por mandado
de segurança estão parados, apodrecendo. E o CNJ adotou (o mecanismo dos
leilões) depois.
Diário – O PCC é uma ameaça ao Estado?
Sanctis – É uma realidade. Tem
que dar força às autoridades que agem contra o crime organizado. Não é possível
que um juiz fique anos preso no Mato Grosso do Sul porque o crime organizado
tomou conta de tudo (Sanctis se refere ao juiz federal Odilon de Oliveira). Não
se deve tratar o crime organizado de maneira romântica, como se o criminoso
fosse vítima do Estado. Ao dar auxílio-reclusão à mulher do preso, o Brasil
abraça a ilicitude como fonte de entrega do benefício social, quando auxílios
desse tipo deveriam ser entregues em decorrência de fato aleatório, como
doença. E os familiares da vítimas? É uma opção que o País fez: vamos proteger
o criminoso de todas as formas.
Diário – Existe uma leniência do governo em relação aos países vizinhos
produtores de droga?
Sanctis – O governo brasileiro
deve reconhecer as coisas como elas são, independente de ideologia. O governo
deve agir como Estado, e não por questões ideológicas, deixar de reconhecer
fatos que são graves nos países vizinhos, (governados por) amigos do governo.
Tem que agir mais tecnicamente, e menos ideologicamente. Deve haver tecnicismo,
não ações ideológicas, em detrimento da técnica.
Diário – O senhor é favorável à liberalização das drogas?
Sanctis – Não. O vício começa pela
droga pequena, a maconha. Ela acelera a comunicação entre os neurônios no
cérebro, que exige cada vez drogas mais pesadas. A liberalização só é possível
se pudermos responder: nosso sistema de saúde vai estar à altura da quantidade
de viciados que poderão vir em razão dessa liberalização? Qual a projeção da
quantidade de viciados que poderão vir (ao Brasil) em função dessa medida? As
pessoas falam do álcool, que é liberado. Mas o percentual de pessoas que se
viciam com o álcool é menor do que com as drogas. Não que eu seja a favor do
álcool. Até o governo poderia restringir mais a publicidade de bebidas
alcoólicas. Nos Estados Unidos, não se pode carregar uma lata de cerveja na
rua, só em um saco fechado. Liberação das drogas implica um país com educação e
com sistema de saúde que faça face à quantidade de viciados que possam advir
dessa decisão.
Diário – Quando o senhor atuou no interior paulista, nos anos 90, notou
uma mistura de público e privado no Judiciário. Isso atrapalha o andamento da
Justiça nessas cidades menores?
Sanctis – Totalmente. Isso é
muito claro para mim. Acho muito difícil um juiz atuar no Interior. Quando
cheguei nessas cidades, percebi que as pessoas não fazem por mal, mas dizem que
o juiz é amigo, que (elas) podem frequentar o Fórum. Não, não podem. Há limites
éticos, e as pessoas não tinham noção do alcance daquilo. Quando fui para
Jales, senti muito isso. O juiz de cidade pequena é convidado para frequentar o
clube, usa o mesmo cabeleireiro, e isso cria situações constrangedoras. Eu
falava “não, não posso mais estar aqui”. Então toda sexta à noite eu ia para
São Paulo e domingo voltava. Não era um ambienta ajustável. E havia ciúmes. Em
São Paulo, há impessoalidade. Lá (no Interior), se um falava comigo, o outro
tinha ciúme. Para mim, era uma situação nova e surpreendente. É necessário
equidistância e respeito à função judicial.
Diário – Hoje o senhor atua em uma câmara previdenciária. Sente saudade
da área criminal?
Sanctis – Muita. Mas não
abandonei o crime totalmente. Dou palestras, lancei livro ano passado nos
Estados Unidos, agora vou lançar outro sobre lavagem (de dinheiro) no futebol.
Escrevo artigos sobre corrupção. Gosto muito da área criminal, e jamais
descartei a hipótese de voltar.
Diário – Qual sua opinião sobre o livro do Rubens Valente (“Operação
Banqueiro”)?
Sanctis – Achei muito bom. Me
surpreendeu a quantidade de informações que ele obteve. É um livro de fôlego.
Não disse tudo, mas disse muito. Ele mostrou uma equidistância interessante,
baseou-se em fontes documentais. Atuou como agente informador, sem tecer
conclusões. Essa é a grande sacada do livro. O leitor é que conclui. Ele se
lastreou em dados objetivos para dizer: “O fato é esse. Vocês concluam o que
realmente aconteceu.” É um trabalho jornalístico de primeira grandeza.
Diário – A Operação Satiagraha foi um marco para o Brasil?
Sanctis – Sim, foi um antes e um
depois. Ela (operação) revelou as instituições do País. Os limites éticos, ou o
não-limite, das pessoas envolvidas. A mistura entre público e privado, os
interesses das partes, os interesses jornalísticos, o modo como o Judiciário
atua – e isso vale para todas as instâncias. As forças envolvidas e o poder
dessas forças tocarem as instituições – polícia, Ministério Público e
Judiciário.
Diário – A operação validou a máxima de que, perante a Justiça, uns são
mais iguais que outros?
Sanctis – Essa é a sua conclusão.
Eu acho que ela revelou o nosso País, que é desigual. Uma desigualdade
sustentada por um corpo de instituições que mantêm o status quo, e pouco faz
para romper com essa desigualdade que tem atendido a elite do País, em todos os
poderes. As desigualdades existem porque as instituições dão respaldo. O fato
de que um morador de favela consiga comprar um eletrodoméstico não significa
que o Brasil deixou de ser desigual. Isso só vai acontecer quando a favela
deixar de existir. Eu queria deixar bem claro que não critico este governo (da
presidente Dilma Rousseff). Isso é histórico, achar que o País está bem, quando
não está.
Diário – Quando foi o momento mais tenso da Operação Satiagraha?
Santis – Foi todo tenso (risos).
Para mim, foi tenso o equilíbrio entre a preservação do sigilo (da operação) e
a necessidade de mostrar à população a verdade do que estava sendo dito e
falado em detrimento da imagem das pessoas que agiam de boa fé. Esse era o
grande problema. Os fatos eram convenientemente deturpados, e havia necessidade
de demonstrar que não era bem assim. Na CPI das Escutas Telefônicas, onde fui
ouvido por nove horas, o juiz que representa a legalidade foi chamado de
símbolo da clandestinidade. Aquilo foi uma situação exemplar dos absurdos que
ocorreram. Também foram tensos os momentos em que as cortes superiores estavam
julgando o juiz, e os fatos não tiveram a relevância que mereciam. Mas isso não
significou que deixei de decidir de forma ponderada. Tenho a consciência
absolutamente tranquila em relação a isso.
Diário – Chegou a perder noites de sono?
Sanctis – Fiquei bastante tenso.
Mas estive tão convicto com tudo, tinha uma certeza tão grande do que estava
fazendo… Posso ter errado, mas até hoje não consegui encontrar esse erro. Faria
tudo de novo, porque tinha convicção dos fatos, que eu li e ouvi no
monitoramento (telefônico) com autorização da Justiça, considerado ilegal
porque transcrito por agentes da Abin (Agência Brasileira de Inteligência),
fato que eu desconhecia. Mas a transcrição é o que menos importa, a escuta foi
absolutamente legal. E o processo era muito mais do que as escutas. Enfim,
cumpri a minha missão como esperava de mim mesmo.
Diário – Quantos processos administrativos o senhor enfrentou?
Sanctis – Dezoito. Que eu saiba
ainda há dois pendentes. De umas bobagens. Como todos os outros, têm que seguir
o mesmo destino (ir para o arquivo).
Diário – Por que acredita que criaram a história de que o senhor teria
instalado um grampo no gabinete do então presidente do STF, Gilmar Mendes?
Sanctis – Houve um interesse
enorme em denegrir a reputação do juiz. Como não havia nada contra mim, nada
melhor do que criar um fato que fosse absolutamente bombástico. Antes da
Satiagraha houve uma tentativa de destruir a minha imagem perante o Supremo.
Porque já se sabia que essa operação estava para estourar. Apesar de ter 18
anos de magistratura, pensaram: como podemos prejudicar esse juiz que está
dando trabalho? Trabalhava 18 horas por dia na 6ª Vara, por idealismo e porque
gostava do que fazia. Fiz com que o mecanismo da delação premiada funcionasse.
Isso provocou reações do crime, que chegou a evitar São Paulo, porque aqui não
havia mais espaço para atuar. Era o Judiciário atuando com contundência, não em
conluio (com a polícia e o Ministério Público). Eu não esperava diferente.
Sabia que alguma coisa iria acontecer.
Diário – Mas uma reação tão virulenta assim?
Sanctis – Não (por parte) do
Judiciário. Esperava alguma reação por vaidade. Mas como foi, não. Isso me
causou surpresa. Espero que esses momentos (como os da Satiagraha) voltem a
frutificar, porque houve uma redução sensível em investimentos na segurança
pública, em nível federal, e começou-se a trabalhar a legislação para que só os
pobres fossem para a prisão. Eu só poderei dizer que o Brasil é desenvolvido
quando entrar em uma cadeia e vir não só uma classe econômica e uma etnia.
Diário – Em relação a essas mudanças da legislação, houve aquela
apelidada de “súmula Satiagraha”, que proibia o uso de algemas em operações da
PF. Qual sua opinião sobre essa alteração?
Sanctis – Foi consequência do
trabalho das varas especializadas, especialmente da 6ª Vara (em São Paulo).
Diário – É um retrocesso para o País?
Sanctis – Eu não posso julgar que
seja um retrocesso, mas quando se decreta a prisão a pessoa fica no ferro, e a
algema é questão de segurança pública. O preso algemado, seja de qual classe
for… A algema busca, em primeiro lugar, a segurança do preso. Houve vários
casos de presos se suicidando, inclusive no Brasil. E (representa a) segurança
do policial que está do lado. Além disso, (serve para) fazer uma distinção de
quem é quem. Determinou-se a prisão, determinou-se o ferro, que pode ser dentro
ou fora da prisão. Algema é prisão móvel. É uma questão de resguardo. Mas o
Supremo entendeu diferente, tenho que respeitar.
Diário – Por que o senhor acha que a PF tirou o delegado Protógenes da
condução da Satiagraha?
Sanctis – Não posso comentar
isso, é questão interna da instituição. Outros delegados também atuaram na
operação com competência. Tanto que o delegado Ricardo Saadi refez todo o
trabalho do Protógenes e chegou às mesmíssimas conclusões. Se o Protógenes
ficou estigmatizado pelo seu estilo, isso não invalida o trabalho feito. O que
ocorreu dentro da Polícia (Federal) talvez tenha sido uma questão de vaidades.
Diário – Quando se tornou desembargador do TRF, o senhor tinha a
expectativa de ser nomeado para uma câmara criminal. O fato de acabar em uma
câmara previdenciária foi uma retaliação?
Sanctis – Não posso dizer. O que
posso afirmar é que iria fazer sessão na segunda-feira, estava com os votos,
minha posse era na 6ª Câmara Criminal, e na posse foi anunciado que eu viria
para uma câmara previdenciária, sendo que já havia decorrido 48 horas de todos
os desembargadores escolherem (as câmaras), e o único que escolheu (a criminal)
fui eu, por isso já estava com os votos. Havia telefonado para a presidência,
os funcionários disseram que eu iria para o crime. E aí veio a surpresa.
Diário – O livro “Xeque-Mate” (ficção sobre a rotina de um juiz escrita
por Sanctis) foi um certo desabafo diante dessas situações?
Sanctis – Eu estava escrevendo um
livro jurídico, meu filho chegou e perguntou sobre o que eu estava escrevendo.
Ele disse: “Por que você não escreve um livro sobre um juiz?” Aí juntou tudo o
que eu estava passando, pensei: “Acho que é bom eu mostrar um juiz humano”.
Porque me colocaram em um pedestal de tal forma que me incomodava. Então criei
a figura de um juiz humano. Muita gente associa a história comigo. É óbvio que
o autor se baseia nos fatos que ele observa, mas que não necessariamente
ocorreram com ele. É ficção. Mas tem um pé na minha experiência de bastidor do
Judiciário.
Diário – Nesses momentos mais tensos da Satiagraha, o senhor teve o
apoio de boa parte da sociedade. Isso compensou, de certo modo, o desgaste?
Sanctis – Compensou, e foi muito
importante. Sem ele… Acho que foi fundamental para eu estar aqui hoje. Eu tenho
que dizer uma coisa: (na época da operação) fui recomendado pelo setor de
comunicação do Tribunal para que fosse à imprensa, para que a população me
ouvisse, porque como a coisa estava caminhando corria sério risco na carreira.
Houve uma recomendação expressa: “O senhor precisa falar do seu trabalho”, para
que as pessoas soubessem quem eu era. Porque parte da imprensa manipulava os
fatos, e assim agia como instrumento para destruir o meu trabalho.
Diário – Em relação à fase de investigação da Satiagraha, houve alguma
falha que possa ter dado brecha a
todo o imbróglio que se sucedeu, como o vazamento da operação para a Andrea
Michael, da “Folha”?
Sanctis – Foi uma falha. Mas
estamos no campo de uma operação altamente explosiva, que envolvia interesses
governamentais altíssimos. É inevitável que uma operação dessas mexa com
interesses diversos. Então, por mais que se proteja o sigilo, é difícil
mantê-lo. Foram vários problemas. Envolve o interesse jornalístico e o
interesse público de uma investigação séria. Não é porque houve uma falha
anterior que eu acho que o jornalista deve, em nome do furo, dar sequência a
essa falha. O abuso da imprensa se combate com mais liberdade de imprensa. Mas
o serviço midiático é público, e por isso deve ter seus limites éticos. Depois
disso (vazamento), o trabalho ficou muito mais difícil, e a operação correu
sério risco de não acontecer.
Diário – Depois da Operação Satiagraha, o senhor se encontrou
pessoalmente com o ministro do STF Gilmar Mendes?
Sanctis – Encontrei uma vez. Eu o
respeito como ministro. Ele foi levado a acreditar em fatos que não
aconteceram, isso é evidente. Eu lamento que as conclusões de três inquéritos
que categoricamente afirmaram que não existiu qualquer grampo (na sala do
ministro) não tiveram a mesma repercussão (na mídia).
Diário – Qual seu sentimento hoje sobre o ministro?
Sanctis – Não tenho sentimento
nenhum. Ele é um ministro que tem sua forma de agir, e eu tenho a minha.
Diário – Essa relação que o Rubens Valente aponta entre o ministro e o
Daniel Dantas lá atrás…
Sanctis – (interrompe). Eu não
posso falar sobre isso.
Diário – O senhor considera o Daniel Dantas uma persona non grata?
Sanctis – Não, de forma alguma.
Ele é um réu como qualquer outro. Foi tratado sempre com muito respeito. Eu o
tratei como trato com qualquer réu, com a lei. Ele mereceu, de minha parte, o
mesmíssimo tratamento que dou ao João da Silva. Eu não fiz qualquer distinção.
E cada vez que alguém desafia o Estado, tem que merecer do Estado as devidas
consequências.
Diário – O que Daniel Dantas representa para o País?
Sanctis – Eu não posso falar.
Diário – Que lição o senhor tirou da Satiagraha?
Sanctis – (pausa) A democracia no
Brasil é muito frágil, e anda conforme a conveniência dos interesses de certos
grupos econômicos. Nos Estados Unidos, a grande instituição é o Judiciário. Ele
é que promove a igualdade. Lá, seja quem for, cometeu falha, vai sofrer sérias
consequências. Sem um Judiciário forte, não há democracia.
Diário – Se pudesse voltar no tempo, faria algo diferente na
Satiagraha?
Sanctis – Vou falar não só dessa
operação, mas do meu trabalho na 6ª Vara Federal. O que eu fiz foi ler a prova,
e isso não é tão simples, e nem todo mundo está disposto. Isso vale para todo e
qualquer fato. Eu evito ler nomes dos réus. Às vezes, você precisa ler para
verificar se há alguma problema de impedimento (do juiz). Mas sou muito
distraído. E não me importa quem seja. Importa o fato e a resposta a esse fato.
Absolvi muita gente, mas condenei também. Mandei prender gente porque, para
mim, certas situações de desafio ao Estado são intoleráveis.
O que foi a Satiagraha:
A Operação Satiagraha (palavra do
sânscrito que significa “verdade”) foi desencadeada pela Polícia Federal em 9
de julho de 2008. Foram presos temporariamente, por ordem do então juiz da 6ª
Vara Federal Criminal de São Paulo, Fausto Martin de Sanctis, o banqueiro
Daniel Dantas, dono do Opportunity, o ex-prefeito de São Paulo Celso Pitta
(morto em 2009) e o empresário Naji Nahas. Eles eram acusados de desvio de
verbas públicas e crimes financeiros. Na casa de Dantas foram apreendidos
documentos que comprovariam suposto pagamento de propinas a políticos, juízes e
jornalistas, no valor total de R$ 18 milhões. Mas o banqueiro ficaria apenas um
dia preso – em 10 de julho, o então presidente do STF, ministro Gilmar Mendes,
concedeu habeas corpus em favor de Dantas. No dia seguinte, Sanctis decretaria
novamente a prisão do banqueiro, desta vez preventiva, mas a decisão seria mais
uma vez derrubada por Mendes no Supremo. Em 2011, a ação penal decorrente da
operação foi anulada pelo Superior Tribunal de Justiça. Os ministros do STJ
entenderam que as provas da Satiagraha foram obtidas ilegalmente pois a PF
contou com a participação irregular de agentes da Abin. A extinção da ação
dispensou Dantas e mais 13 condenados de responderem pelos crimes de formação
de quadrilha, gestão fraudulenta, evasão de divisas e lavagem de dinheiro. O
Ministério Público recorreu ao STF, que ainda não julgou o caso.
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