terça-feira, 18 de março de 2014

Tariq Ali: Por que a independência da Escócia é importante


Entrevista exclusiva concedida por Tariq Ali sobre a proposta de independência da Escócia para James Foley, da revista digital Bella Caledonia.

James Foley - Bella Caledonia / Carta Maior

Arquivo
Entrevista exclusiva concedida por Tariq Ali sobre a independência da Escócia para a revista digital Bella Caledonia, antes de fazer suas conferências em Edimburgo e Glasgow, na Escócia. A entrevista é de James Foley. 

JF: Os políticos trabalhistas escoceses alegam falar em prol do internacionalismo, e com frequência acusam os partidários da independência de provincialismo e de nacionalismo mesquinho. Como um internacionalista que vive em Londres, por que o senhor apoia a independência?
TA: Porque não aceito quando os New Labour ou suas coalizões semelhantes proclamam que eles são os internacionalistas. Seu internacionalismo, em essência, significa subordinar por completo o Estado britânico aos interesses dos Estados Unidos. Eles fizeram da Inglaterra um Estado vassalo: no Iraque, no Afeganistão, em muitas outras coisas. Isso tampouco é um grande segredo.
Dessa forma, desafiaria sem questionar qualquer ideia que diga que os governos do Estado britânico foram internacionalistas. Eles não foram, e já estão assim há muito tempo. Isso é algo que precisa ser tirado da cabeça.


Em segundo lugar: uma Escócia independente, um Estado pequeno, abriga muito mais possibilidades de um internacionalismo real e genuíno. Isso significa estabelecer vínculos diretos com muitos países e pessoas no mundo. Os noruegueses, por exemplo, tanto em seus meios de comunicação como em sua cultura, estão compenetrados com países de todo mundo. Na semana passada, estava na Noruega em uma convenção sobre o Oriente Médio, presidida por uma diplomata norueguesa. Ela disse que acabara de voltar após passar dois anos na cidade palestina de Ramallah, e sabia tudo sobre o assunto. Por isso, o fato de ser pequeno não significa que será provinciano. Pelo contrário, pode-se supor inclusive exatamente o contrário.






JF: Muitos políticos trabalhistas também acusarão o Partido Nacionalista Escocês como populista de neoliberal, contrário à classe trabalhadora, e tudo o mais. Como o senhor vê o nacionalismo escocês?



TA: O Partido Nacionalista Escocês se transformou. Quando foi criado, era um partido conservador com “c” maiúsculo, e um pouco arcaico. Mas isso mudou com o grupo de 79. Embora muitos de seus membros tenham sido a princípio expulsos, incluindo Alex Salmond, agora eles estão no governo. Além disso, o Partido Nacionalista Escocês esteve recrutando muita gente, incluindo partidos trabalhistas e os primeiros membros de grupos de extrema esquerda. Pessoalmente, não estou de acordo com seu programa social e econômico, creio que seja muito fraco. Em outros aspectos, também tenho alguns receios.



No entanto, acredito que definitivamente apoiaria o voto ao “sim” simplesmente pelo fato de que as pessoas da Escócia têm o direito democrático à autodeterminação de seu próprio futuro. Esta é a primeira vez em que lhes é pedido de fato para votar sobre essa questão. A União que se desenvolveu por meio do oportunismo, da corrupção e do suborno em 1707 não foi o resultado de um voto democrático, como todos sabemos. Essa é a razão pela qual tiveram que lutar na batalha de Culloden. Esse foi um episódio decisivo da história escocesa, porque essa derrota em Culloden impôs a União tal como a conhecemos, algo totalmente controlado pela Inglaterra.



O Partido Nacionalista Escocês agora tenta romper com essa tradição assim, de maneira efetiva, e pede às pessoas da Escócia que declarem a independência que uma vez tiveram. E creio que seria muito melhor para a Escócia, bem como o seria para a Inglaterra. Sob meu ponto de vista, o New Labour está totalmente corrupto em todas as suas frentes – social, política e econômica. O New Labour é o novo Tartan Tories.



Isso não significa que não se deva discutir com o Partido Nacionalista Escocês, que não se deva debater, e estou convencido de que as pessoas o farão. E a aliança pela Independência Radical desempenha um papel principal nisso tudo. Fui convidado para participar de um encontro a favor do “Sim” organizado pelo Partido Nacionalista Escocês em Kirkcaldy em junho – e estarei lá.



Sou totalmente a favor da independência da Escócia, e sempre fui, apesar dos desencontros com o Partido Nacionalista Escocês. A ideia de que alguém não pode estar em desacordo com o Partido Nacionalista Escocês e apoiar a independência é absurda.



JF: O senhor poderia nos falar um pouco sobre as potenciais implicações globais de uma ruptura com a Inglaterra?



TA: Acredito que, concretamente, seria muito positivo para a Inglaterra, que sempre foi o fator dominante da União. Abriria um novo espaço político. Pode ser que, no começo, não beneficie os progressistas, mas ao menos permitirá discutir sobre política sem os pesos do passado. Isto vem primeiro: será bom para a democracia inglesa, que se encontra em um estado bastante triste.



O segundo é que, inclusive, ajudará os unionistas mais fanáticos de Inglaterra a compreender que o jogo acabou, e que precisam, de alguma forma, abandonar as pretensões imperialistas. Essas pretensões persistem, apesar de serem uma grande bobagem no sistema, e só lideram por cortesia dos EUA. E quem sabe? Talvez abrirá um espaço para a independência britânica outra vez. Quero dizer uma independência britânica real, algo que não ocorre desde 1956.



Nós veremos o que ocorrerá, mas duvido muito de que os efeitos sejam negativos. Também acredito que uma Escócia independente, que desempenhe um papel independente na política mundial e na Europa, terá seu impacto na Inglaterra.



Outra coisa que vale a pena dizer é que isso só pode ser feito com o consentimento dos escoceses. Ninguém pode forçá-los. Desse modo, não pode haver nenhuma discussão sobre coações. Se houver, que seja apenas a campanha do medo e da intimidação que Londres está brandindo e que é absolutamente patética – e espero que os escoceses lutem contra isso.



Eu me lembro de quando Tony Blair veio para sua última turnê na Escócia, e disse: “se vocês votarem pela independência, todas as famílias perderão 5 mil libras por ano”. Quem inventou essa cifra? Algum burocrata em Whitehall que queria alguma coisa para assustar os escoceses. Eu li há poucos dias que Danny Alexander está repetindo essas mesmas cifras absurdas. Fazem isso porque querem assustar as pessoas, dizendo que seus padrões de vida cairão. Mas não há motivo para que caiam se a economia for manejada de forma adequada.



JF: O senhor acredita que as elites britânicas estão preocupadas com a perspectiva da independência?



TA: Algumas áreas talvez não estejam, pois a veem como uma bofetada nas pretensões britânicas. Mas acredito que bem possa existir uma parte da elite que pode ser que diga: “bem, nos pouparão dinheiro, pararão os subsídios etc.” e a Escócia não produz muita riqueza de todas as formas. Essa é a parte da elite que acredita que a única maneira de sair à frente é efetivamente vender a economia britânica e as cidades do sul aos ricos, a oligarcas de várias nacionalidades: Ucrânia, Rússia, Arábia etc., que dominam extensas partes dos mercados financeiros de Londres hoje em dia. Essa parte da elite, que considera que esse é o futuro, não se importará com nada, apesar do que as pessoas lhes disserem.



JF: O senhor acredita que os unionistas estão blefando sobre a questão da união da moeda?



TA: Creio que estão dando um grande blefe. No entanto, acredito que Alex Salmond mostrará suas cartas: “Se vai se comportar de uma maneira tão mesquinha e ruim, então, a Escócia não terá outra opção senão criar sua própria moeda. De fato, a moeda escocesa já é diferente da inglesa. A Escócia imprime essa moeda. E imprimiremos nossa própria moeda, e se vocês nos tirarem a influência, buscaremos outros caminhos”. Acredito que Salmond deva atuar com muita cautela nesse assunto, e mostrar suas cartas. Não deveria ter medo.



JF: Posso lhe perguntar sobre o elemento histórico em tudo isso? Por que o senhor acredita que a contrarrevolução neoliberal teve tanto êxito na Inglaterra?



TA: Bem, não chegaria a dizer que foi um êxito. Ou, se foi um êxito, é em grande parte graças ao fato de que os sindicatos e o partido trabalhista não assumiram nenhuma luta ou enfrentamento contra isso. Se você olhar para a América do Sul, inclusive os pequenos países desse continente que enfrentaram o neoliberalismo e que se separaram dele em vários níveis, eles o fizeram graças a enormes movimentos sociais. Desgraçadamente, o movimento sindical britânico se viu tão derrotado após a greve mineira, que simplesmente abandonaram. Não enfrentaram, não lutaram, e certa vez o partido trabalhista efetivamente assassinou a si mesmo ao se converter em New Labour. Então, Tony Blair se converteu no núcleo duro da liderança Thatcherista. E continuou na mesma e velha direção Thatcherista.



Dessa forma, em termos de oferecer alguma alternativa a essas pessoas, o New Labour e os conservadores colaboraram ao dizer que não havia alternativa alguma. E não é que as pessoas os apoiem, especialmente após a quebra de Wall Street em 2008. O que ocorre, de fato, é que eles não apresentaram alternativas.



Se a Escócia conseguir a independência, e seus líderes tiverem coragem, seria possível romper com o neoliberalismo. Na Inglaterra, não havia nenhuma força desde baixo para enfrentá-lo. As pessoas se sentiram derrotadas, desmoralizadas, e sentiram que aqueles em que haviam confiado durante muito tempo os haviam traído. Dessa forma, a maneira como as pessoas enfrentaram é pela direita. Concretamente, o apoio ao Partido pela Independência do Reino Unido (UKIP) é uma forma de se opor aos jogos levados a cabo pela elite. É uma bobagem, pois Farage e companhia não estão oferecendo nada.mas essa é a escala do desespero. E não existe nada na esquerda para enfrentar isso. Em outras partes da Europa, existem enfrentamentos por parte da esquerda. Mas não na Inglaterra. Não diria que as pessoas os estejam aceitando. Diria que não lhes fora mostrada qualquer alternativa por parte de nenhum grupo ou pessoas.



JF: Nesta semana, o senhor falará sobre “desmantelar” o Estado britânico. Algumas pessoas perguntam o que quer dizer com isso.



TA: Quero dizer que o Estado britânico, criado pela União no século XVIII, nunca foi efetivamente posto na encruzilhada. O único escrito da constituição britânica é o Tratado da União de 1707. Agora, aquilo pelo qual os escoceses vão votar – se, como eu espero, disserem “sim” – pressuporá desmantelar o Estado britânico tal como é agora, e ponto. Como vai continuar depois é algo que teremos que ver. Mas, certamente, com a separação da Escócia, o Estado britânico se desmantela.



JF: Muitos socialistas negariam que existe algo especialmente tóxico sobre o Estado britânico, e diriam que todos os estados capitalistas são maus. É claro que sabemos que rivais como França, Alemanha e Itália também têm seus problemas. O senhor acredita que o Estado britânico tem alguma característica distinta? Isso significa que temos que enfrentá-lo de uma maneira diferente?



TA: Por um lado, pode-se dizer que a economia capitalista desses Estados é mais ou menos a mesma. Mas esses Estados têm suas peculiaridades. No caso da Inglaterra, como observou meu velho amigo Tom Nairn, essas peculiaridades vivem no âmbito da sátira. A preservação de uma coroa, mantida por meio do internacionalismo monárquico da Casa de Hannover, que encontrou dirigentes para a Inglaterra quando acabaram os naturais. Criar e manter essa monarquia é uma farsa. A Câmara dos Lordes é também absolutamente antidemocrática. Tudo isso confere ao Estado britânico um caráter arcaico. O fato de a absurda novela de Downtown Abbey ser incrivelmente popular é um sinal do que isso significa. Tudo isso criou na Inglaterra uma deferência ao governante, uma tirada de chapéu e tudo o mais, o que se transfere à Escócia da mesma forma, no sentido de que a mesma família Real tem uma casa em Balmoral quando se fala da Escócia e demais.



Isso se tornou um obstáculo à modernização da Inglaterra. O Estado britânico tem suas características. E acredito que é algo que precisa acabar. Mas tem sido impossível acabar de outra maneira, de modo que a independência escocesa seria um bom começo. Por certo, quando os noruegueses decidiram se separar da Suécia em 1905, o fizeram por razões muito semelhantes: queriam seu próprio país e estavam fartos de serem dominados por Estocolmo. E ocorreu de forma relativamente amistosa. Assim, essas coisas podem acontecer.



Certamente se poderia argumentar que, uma vez que o capitalismo domina em todos os lugares, então não se deveria fazer nada. Mas isso representaria uma marcha para trás em direção à passividade total e ao fatalismo.



JF: A Grã-Bretanha perdeu seu império há gerações, mas a Inglaterra ainda é imperialista?



TA: Bem, trata-se de um subimperialismo, combinado com o único império existente hoje, os Estados Unidos da América. No entanto, outros países ainda carregam pretensões imperialistas. Alguns tratam de reviver seu passado, como o que Putin está fazendo na Ucrânia. Outros fingem, e de fato carregam mais do que podem, porque estão atados ao renome de um império inexistente. Se olharem para os impérios que um dia foram, os japoneses, alemães, franceses, britânicos... onde estão agora? Agora estão atados aos EUA. Não podem fazer absolutamente nada sem a permissão de Washington. Os EUA são, atualmente, o único império.



JF: O senhor mencionou o pobre Estado em que se encontra a democracia inglesa. É preocupante o auge das políticas populistas de direita na Inglaterra? Por que o senhor acredita que estão tendo grande êxito agora na Inglaterra?



TA: Bem, eles têm êxito porque não existe mais nada. Efetivamente, as duas questões sobre as quais versam as campanhas do UKIP são a União Europeia e a imigração. Elas estão vinculadas, pois a imigração que atacam, em grande medida, é a que provêm da União Europeia. Infelizmente, estas são demandas populares em toda a Europa neste momento devido à crise econômica.



Além disso, em minha opinião, a esquerda tem sido muito frágil ao não se adiantar com fortes críticas à União Europeia e à forma como está operando, porque têm medo de serem considerados antieuropeus. Mas não é antieuropeu dizer que a União Europeia está totalmente corrupta, é burocrática, antidemocrática, dirigida pelas elites e que é, efetivamente, uma união de banqueiros. Isso é um fato. Mas a esquerda não está fazendo campanha diante de tudo isso – exceto na França, certamente.



Assim, tem-se uma situação na qual um partido emerge das entranhas do velho Tory Party e aparece com todas essas coisas; e os grupos fascistas que começam a se apresentar se converteram em uma força política cujo principal propósito é pressionar os Conservadores e separá-los da Europa. Por certo, tiveram êxito ao empurrar todos os partidos em Westminster à direita em matéria de imigração. Daí o fato de estarem no auge.



No entanto, acredito que haja um problema mais profundo, argumentado por Peter Mair, um bom politólogo, em seu livro póstumo, Ruling the Void. Ele argumenta – em minha opinião, corretamente – que o que temos agora no mundo capitalista avançado é uma situação na qual a classe política não representa as necessidades ou os pontos de vista da população. Isso leva a uma crescente alienação da política como tal. Como consequência, o déficit democrático na Inglaterra é muito forte. É enorme. E essa é também uma das razões pelas quais os escoceses deveriam agarrar essa oportunidade e fugir da prisão em que a Inglaterra se converteu, desenvolver suas próprias políticas e discutir abertamente a maneira de seguir em frente. Não deveriam aspirar a uma versão menor do neoliberalismo inglês.



JF: Muita gente está preocupada com as implicações, se a Escócia sair, em relação ao futuro dos governos da centro-esquerda trabalhista na Inglaterra restante. No contexto do UKIP, do crescente populismo, das revisões de Collins e demais, qual é o futuro da social-democracia na Inglaterra?



TA: Eu expressei abertamente minha opinião sobre esse ponto desde a aparição do New Labour. Aceita-se de forma generalizada que não existe nenhuma diferença fundamental entre a centro-esquerda e a centro-direita na política britânica; tampouco na francesa ou na alemã.



Efetivamente, o que temos é um extremo-centro. “Extremo” porque respalda guerras e ocupações. “Extremo” porque declara guerras contra sua própria gente, tenta culpar as vítimas pelos crimes cometidos pela elite. “Extremo” porque se prepara para desmantelar direitos democráticos fundamentais com a finalidade prevenir dissenções nas discussões sobre o estado secreto.



Esse extremo-centro se aproxima tanto da centro-esquerda como da centro-direita. Fazem algum barulho quando estão na oposição, mas no longo prazo, quando estão no poder, fazem o mesmo. Até hoje, a primeira bancada do New Labour nem sequer foi capaz de dizer que se separarão das políticas fundamentais da coalizão em matéria de economia. Não podem dizê-lo porque eles são suas políticas. Não são diferentes.



Daí que toda essa conversa sobre a debilidade das forças de esquerda no que sobrará do Reino Unido é uma cortina de fumaça. Uma cortina para quê? Para nada. Não tem qualquer relação com a realidade. Os sindicatos são frágeis, a última greve geral foi convocada em 1926, de modo que a noção de que alguém está, de alguma forma, traindo a unidade da classe trabalhadora escocesa e inglesa não tem sentido. Em qualquer caso, essa unidade pode ser exercida desde atrás, de fronteiras independentes. Os socialistas sempre costumaram defender a unidade de uma classe trabalhadora internacional, até que a primeira guerra mostrou a força do nacionalismo do tipo retrógrado, que também reuniu os trabalhadores.



Com isso, nenhuma dessas ideias são sérias, em minha opinião. O núcleo duro unionista tem um forte argumento ao dizer que Deus, a igreja e a monarquia são os fatores que reúnem a União, e que assim o é desde 1707, e que não deveríamos romper com eles, e que os escoceses que quiserem fazê-lo serão castigados. Isso é, pelo menos, uma perspectiva consistente, mas completamente anacrônica.



JF: Algumas pessoas também argumentam que a Escócia e a Inglaterra se afogarão após a independência. Também falam de impostos corporativos e outros. O senhor acredita que as coisas realmente vão melhorar se a Escócia conseguir a independência?



TA: Bem, acredito que se assentaram as bases para que as coisas melhorem. Se melhoram ou não, depende dos fatos, se os líderes do Partido Nacionalista Escocês estão preparados para ir além em termos de criar uma social-democracia escocesa ou não. Espero, por Deus, que estejam. Em segundo lugar, e mais importante, depende se, em uma Escócia independente, haverá o desejo das pessoas de participar de maneira mais ativa na política em todos os níveis. Não apenas por meio das instituições já existentes, mas através da criação de instituições que supervisionem e observem a nova democracia escocesa. Precisam participar disso, e falar alto e claro quando as coisas não estejam indo bem. Em um país menor, é muito mais fácil fazê-lo. Acredito que, com certeza, esse será o efeito. A esquerda na Escócia deve desempenhar seu papel.



JF: Qual a sua opinião sobre o modelo nórdico e de outras variantes do capitalismo. A Escócia pode se basear nessas ideias?



TA: Bem, falamos sobre um período em que o sistema capitalista triunfou, e as ideias sobre o socialismo sofreram uma enorme derrota global. Estamos vivendo em um estranho período de transição, que bem pode durar até o final do século. Não deveríamos excluir essa possibilidade. De modo que é preciso trabalhar com o que existe e ver como o capital em seus piores aspectos pode se regular, como um Estado pode se regular de maneira que trabalhe em benefício dos trabalhadores... quero dizer, este era o propósito do Labour de 1945, e esse programa era bom, certamente. Realmente mudou as condições de vida das pessoas, e inclusive hoje. Eu não vivo na Escócia, mas as pessoas me dizem que o sistema educacional na Escócia é melhor, sob esse ponto de vista, do que o sistema educacional inglês.
Aqui é onde uma Escócia independente poderia fazer a diferença. Se conduzir bem sua economia, seu petróleo, a lição que deve aprender é a norueguesa, que investiram a riqueza de seu petróleo de maneira muito sábia. Como resultado, goza de um estado de bem-estar social-democrático, que é o objetivo de praticamente todo o mundo. Quando estava lá, meu amigo norueguês me disse: “Não vou te ver até outubro, porque estarei fora por seis meses”. E eu disse: “Seis meses! Por quê? O que aconteceu?”. Ele me respondeu: “Minha mulher terá um filho, e a lei norueguesa permite a ambos do casal uma ausência de seis meses”. Eu fiquei surpreso porque sabia que havia algo assim, mas não conhecia os detalhes.



Dessa forma, as pessoas sentem, de alguma maneira, que eles vivem melhor sob governos social-democratas, ou sob consenso que aceitam que certas reformas não têm preço.



E são os programas de privatização da elite britânica que derrubaram o país. Agora, vendem o serviço de saúde. O New Labour deveria se lembrar. Houve um artigo do anterior secretário de saúde, Alan Milburn, no Financial Times da semana passada, em que discutiu sobre o caso da saúde privada, com a pretensão de que esta é uma maneira de salvaguardar a Segurança Social. Isso é o que gerou a raiva na Inglaterra e na Escócia. São os New Labour que fizeram isso. E alguém precisa decididamente romper com essas políticas e criar uma sociedade melhor.



Esta não será a sociedade socialista com a qual muitos socialistas sonharam. Mas abriria um espaço em que, ao menos, tais coisas pudessem ser debatidas, e as reformas podem ser implementadas de tal forma que melhorem as condições de vida na Escócia. Não há absolutamente qualquer razão para que uma Escócia independente não possa se reindustrializar, e construir uma grande indústria de navios com a ajuda de países de fora da Europa, que estão preparados para ir. É bobagem pensar no o futuro da Escócia apenas em relação à Inglaterra, ou inclusive ao resto da Europa. Se você for criativo, pode ir muito mais longe.



JF: A maior preocupação de muita gente é que a Escócia se verá cada vez mais ilhada após a independência. Como a Escócia poderia prevenir isso? E que tipo de alianças o senhor acredita que a Escócia deveria construir?



TA: Mas a Escócia não está ilhada agora? Eu diria que a Escócia está ilhada agora por ser uma parte da Inglaterra. A Inglaterra não está, mas a Escócia certamente sim. Então, essa ideia de que ficará sozinha após a independência está equivocada. O conjunto de alianças que deveria construir? Para começar, o propósito deveria ser construir alianças com o bloco escandinavo, particularmente com Noruega e Suécia. Creio que seriam recebidos com os braços abertos, para fazer negócios financeiros, turismos, tratados políticos etc. O bloco escandinavo é uma possibilidade.



No seio da União Europeia, deveria lutar pelo direito de Estados menores se expressarem. A Escócia deveria construir vínculos com repúblicas menores no seio da União Europeia, ou inclusive nessas áreas do interior da UE que ainda não são independentes, como a Catalunha. 



Isso para não mencionar o mundo como um todo. Por que a Escócia deveria ser dependente da Inglaterra para mediar suas relações com países da Ásia ou África? Então, acredito que os escoceses têm que olhar mais adiante. A principal instituição que deveria ser criada, entre as outras novas, seria um Ministério de Assuntos Exteriores, um comércio ultramarino, isso é muito importante.



(*) Escritor e pesquisador paquistanês residente em Londres, Tariq Ali é membro do conselho editorial do site Sin Permiso e editor da publicação New Left Review. 

Tradução: Daniella Cambaúva



Créditos da foto: Arquivo

Nenhum comentário:

Postar um comentário

12