quinta-feira, 17 de julho de 2014

Conflitos na fronteira norte-americana: o gigante e as crianças

A ultradireita norte-americana aproveita o momento e convoca milícias para proteger o país e condenar as nações irresponsáveis que estão enviando infantes.

David Brooks, do La Jornada – Carta Maior

Os mais vulneráveis da terra colocaram em xeque aqueles que dizem ser os mais poderosos do mundo.

Os governantes da superpotência norte-americana estão considerando enviar a Guarda Nacional, drones, e mais agentes fronteiriços armados para construir mais campos de detenção diante de uma grave ameaça: crianças e mães desesperadas.

O êxodo de crianças do México e de outros países da América Central está assustando o gigante.

As crianças: 52 mil chegaram sozinhas desde outubro e o secretário de Segurança Interna, Jeh Johnson, adverte que o total poderia chegar a 90 mil em setembro, o que seria o triplo comparado ao ano anterior (isso não inclui as até agora 39 mil mães com menores no mesmo período). Isso obrigou a cúpula política a retomar não apenas o tema migratório, mas as consequências das políticas regionais, queiram ou não.

Até o momento, manifestaram-se nada além da covardia política. Os adultos que mandam têm medo e sua resposta é ameaçar os menores. A propaganda oficial afirma que, depois de sua perigosa viagem, não será permitido que eles fiquem, e estarão sujeitos a processos judiciais. Também haverá mais guardas armados para recebê-los aqui e na fronteira com o México.

O presidente Barack Obama, depois de qualificar isso como uma situação humanitária, decidiu enfatizar um processo para expedir as deportações, solicitando ao congresso de 3,6 bilhões de dólares em fundos de emergência para enfrentar a situação. Ainda mais irônica é a petição do mandatário democrata e de alguns de seus aliados para anular certas proteções dos menores que emigram de países fronteiriços com os EUA – proteções estas previstas em uma lei promulgada por seu antecessor republicano, George W. Bush.

Outros, como o governador do Texas, Rick Perry, e vários legisladores republicanos solicitaram o envio de tropas da Guarda Nacional à fronteira. Quando Obama se reuniu com Perry na semana passada, disse-lhe que contemplaria a proposta se, em troca, ele promovesse entre os republicanos a aprovação da solicitação dos fundos de emergência. Por outro lado, o senador e veterano de guerra John McCain sugeriu suspender a ajuda norte-americana aos países da América Central se eles não fizerem nada para frear o fluxo migratório.

Muitos na cúpula usam a crise humana como oportunidade para criticar a política de Obama sobre o assunto ou para denunciar os republicanos por sua negativa ao aprovar uma reforma migratória. A ultradireita está aproveitando o momento e convoca suas milícias cidadãs para proteger o país e condenar essas nações irresponsáveis que estão enviando seus infantes.

Poucos funcionários aqui (embora haja exceções) confessam que o êxodo não pode ser compreendido sem o contexto de uma história na qual os EUA são protagonistas: desde intervenções na região ao longo de um século (cujo ato mais recente foi o apoio de Washington ao golpe em Honduras), as guerras dos anos 1980 (quando a mão norte-americana não estava nada oculta) e as políticas da chamada guerra às drogas, imposta sobre toda a região durante décadas. Junto com isso, estão as políticas econômicas neoliberais impulsionadas pelos tratados de Livre Comércio da América do Norte e da América Central, promovidas com promessas de prosperidade e como antídoto contra a migração.

O êxodo de crianças é, de fato, uma condenação às conseqüências de tudo isso.

Uma proposta do grupo progressista do Congresso, encabeçado pelos representantes Raúl Grijalva e Keith Ellison e integrada por 75 legisladores federais, assinala que vários grupos de direitos humanos afirmam que os EUA apoiam forças policiais e militares corruptas que violam os direitos humanos e contribuem para o crescimento da violência no Méxicos e me outros países da América Central. Além disso, diz que os acordos de livre comércio levaram ao deslocamento de trabalhadores e nutriram a subseqüente emigração nesses países. Portanto, eles ressaltam, uma proposta efetiva tem que reconhecer que isso é, em grande medida, uma crise de refugiados, e é preciso impor, antes de tudo, o bem-estar das crianças. E dizem que a proposta de expedir as deportações de crianças para mandá-las de volta à violência pela qual já passaram são uma intenção de simplificar uma situação complexa e um abandono da responsabilidade norte-americana, conforme as normas internacionais.

Frequentemente, perde-se de vista que um quarto dos 52 mil menores capturados pelas autoridades da fronteira são oriundos do México. De setembro de 2013 a 15 de junho deste ano, são exatamente 12.146, segundo cifras oficiais norte-americanas (no ano fiscal anterior – de primeiro de outubro a 30 de setembro –, o total do México foi de 17.240. Pelos acordos bilaterais, quase todos são repatriados no México quase imediatamente. Assim, as autoridades mexicanas e norte-americanas decidiram enfatizar que este é um problema da América Central, ao passo que ninguém explica por que tantos milhares de crianças mexicanas não acompanhadas fazem parte do êxodo.

Essa questão fez emergir um grande debate nacional e regional, no qual desde governantes até bispos, multimilionários, especialistas em segurança nacional, altos funcionários da ONU, defensores de direitos civis e organizações dedicadas às políticas migratórias foram obrigados a abordar o êxodo e debater se este é um assunto humanitário, se as crianças são apenas pessoas indocumentadas ou refugiadas e qual deveria ser, ou já é, a obrigação deste país diante de seus compromissos internacionais, segundo as leis internacionais.
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Leia mais: Resposta de Obama para a crise na fronteira: mais deportações

Originalmente publicado em La Jornada.

A tradução é de Daniella Cambaúva.


Créditos da foto: LibRepublic

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