A ultradireita norte-americana aproveita o momento e convoca
milícias para proteger o país e condenar as nações irresponsáveis que estão
enviando infantes.
David Brooks, do La Jornada – Carta Maior
Os mais vulneráveis da terra colocaram em xeque aqueles que
dizem ser os mais poderosos do mundo.
Os governantes da superpotência norte-americana estão
considerando enviar a Guarda Nacional, drones, e mais agentes fronteiriços
armados para construir mais campos de detenção diante de uma grave ameaça:
crianças e mães desesperadas.
O êxodo de crianças do México e de outros países da América
Central está assustando o gigante.
As crianças: 52 mil chegaram sozinhas desde outubro e o
secretário de Segurança Interna, Jeh Johnson, adverte que o total poderia
chegar a 90 mil em setembro, o que seria o triplo comparado ao ano anterior
(isso não inclui as até agora 39 mil mães com menores no mesmo período). Isso
obrigou a cúpula política a retomar não apenas o tema migratório, mas as consequências
das políticas regionais, queiram ou não.
Até o momento, manifestaram-se nada além da covardia
política. Os adultos que mandam têm medo e sua resposta é ameaçar os menores. A
propaganda oficial afirma que, depois de sua perigosa viagem, não será
permitido que eles fiquem, e estarão sujeitos a processos judiciais. Também
haverá mais guardas armados para recebê-los aqui e na fronteira com o México.
O presidente Barack Obama, depois de qualificar isso como
uma situação humanitária, decidiu enfatizar um processo para expedir as
deportações, solicitando ao congresso de 3,6 bilhões de dólares em fundos de
emergência para enfrentar a situação. Ainda mais irônica é a petição do
mandatário democrata e de alguns de seus aliados para anular certas proteções
dos menores que emigram de países fronteiriços com os EUA – proteções estas
previstas em uma lei promulgada por seu antecessor republicano, George W. Bush.
Outros, como o governador do Texas, Rick Perry, e vários
legisladores republicanos solicitaram o envio de tropas da Guarda Nacional à
fronteira. Quando Obama se reuniu com Perry na semana passada, disse-lhe que
contemplaria a proposta se, em troca, ele promovesse entre os republicanos a
aprovação da solicitação dos fundos de emergência. Por outro lado, o senador e
veterano de guerra John McCain sugeriu suspender a ajuda norte-americana aos
países da América Central se eles não fizerem nada para frear o fluxo
migratório.
Muitos na cúpula usam a crise humana como oportunidade para
criticar a política de Obama sobre o assunto ou para denunciar os republicanos
por sua negativa ao aprovar uma reforma migratória. A ultradireita está
aproveitando o momento e convoca suas milícias cidadãs para proteger o país e
condenar essas nações irresponsáveis que estão enviando seus infantes.
Poucos funcionários aqui (embora haja exceções) confessam
que o êxodo não pode ser compreendido sem o contexto de uma história na qual os
EUA são protagonistas: desde intervenções na região ao longo de um século (cujo
ato mais recente foi o apoio de Washington ao golpe em Honduras), as guerras
dos anos 1980 (quando a mão norte-americana não estava nada oculta) e as
políticas da chamada guerra às drogas, imposta sobre toda a região durante
décadas. Junto com isso, estão as políticas econômicas neoliberais
impulsionadas pelos tratados de Livre Comércio da América do Norte e da América
Central, promovidas com promessas de prosperidade e como antídoto contra a
migração.
O êxodo de crianças é, de fato, uma condenação às
conseqüências de tudo isso.
Uma proposta do grupo progressista do Congresso, encabeçado
pelos representantes Raúl Grijalva e Keith Ellison e integrada por 75
legisladores federais, assinala que vários grupos de direitos humanos afirmam
que os EUA apoiam forças policiais e militares corruptas que violam os direitos
humanos e contribuem para o crescimento da violência no Méxicos e me outros
países da América Central. Além disso, diz que os acordos de livre comércio
levaram ao deslocamento de trabalhadores e nutriram a subseqüente emigração
nesses países. Portanto, eles ressaltam, uma proposta efetiva tem que
reconhecer que isso é, em grande medida, uma crise de refugiados, e é preciso
impor, antes de tudo, o bem-estar das crianças. E dizem que a proposta de
expedir as deportações de crianças para mandá-las de volta à violência pela
qual já passaram são uma intenção de simplificar uma situação complexa e um
abandono da responsabilidade norte-americana, conforme as normas
internacionais.
Frequentemente, perde-se de vista que um quarto dos 52 mil
menores capturados pelas autoridades da fronteira são oriundos do México. De
setembro de 2013 a 15 de junho deste ano, são exatamente 12.146, segundo cifras
oficiais norte-americanas (no ano fiscal anterior – de primeiro de outubro a 30
de setembro –, o total do México foi de 17.240. Pelos acordos bilaterais, quase
todos são repatriados no México quase imediatamente. Assim, as autoridades
mexicanas e norte-americanas decidiram enfatizar que este é um problema da
América Central, ao passo que ninguém explica por que tantos milhares de
crianças mexicanas não acompanhadas fazem parte do êxodo.
Essa questão fez emergir um grande debate nacional e
regional, no qual desde governantes até bispos, multimilionários, especialistas
em segurança nacional, altos funcionários da ONU, defensores de direitos civis
e organizações dedicadas às políticas migratórias foram obrigados a abordar o
êxodo e debater se este é um assunto humanitário, se as crianças são apenas pessoas
indocumentadas ou refugiadas e qual deveria ser, ou já é, a obrigação deste
país diante de seus compromissos internacionais, segundo as leis
internacionais.
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Leia mais: Resposta de Obama para a crise na fronteira: mais
deportações
Originalmente publicado em La Jornada.
A tradução é de Daniella Cambaúva.
Créditos da foto: LibRepublic
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