Fábio Portela L. Almeida
Doutorando em Direito/UnB - http://www.criticaconstitucional.com/
É bastante comum ouvir no
dia-a-dia que os direitos engessam desnecessariamente a economia, ou que a
eficiência econômica é um obstáculo à realização de direitos fundamentais. Esse
discurso de oposição -- só para citar alguns exemplos — permeia boa parte da
oposição sindical a reformas no direito do trabalho, além de estar na raiz de
discursos libertários contra a regulação da economia. Sindicalistas alegam que
qualquer reforma no sistema trabalhista é ruim a priori, por beneficiar o
capital, e economistas sustentam que qualquer regulação é ruim por atrapalhar o
desenvolvimento econômico. Será mesmo?
O sistema econômico capitalista
depende do direito...
Essa oposição entre direito e
economia não passa de má-compreensão da história das sociedades contemporâneas.
Se seguirmos o discurso libertário de que o Estado é uma instituição
desnecessária e que apenas “atrapalha” a eficiência econômica, temos que
formular ao menos uma pergunta: existe alguma evidência empírica de que
sociedades sem regulação estatal são mais eficientes economicamente?
E a resposta é um estrondoso NÃO!
Pode pesquisar: na história inteira da humanidade, não há um único exemplo de
sociedade economicamente eficiente sem um governo central. Na pré-história,
sociedades de caçadores-coletores produziam/colhiam o necessário para a
subsistência, sem qualquer incentivo para grandes melhorias tecnológicas no
sistema produtivo. As poucas sociedades sem Estado da atualidade ou são um foco
de guerras civis intermináveis (vide vários bandos que ainda existem na África)
ou em pleno século XXI ainda vivem como fósseis vivos de sociedades pré-históricas.
Desde o fim da Idade Média,
economia e direito se entrelaçaram de tal maneira que um não pode ser
compreendido sem o outro. No início da recuperação econômica, nos séculos XIII
a XV, as redes comerciais que se formaram na Europa somente se tornaram
possíveis graças à regulação jurídica. Ainda sem um Estado central, foi
necessário resolver problemas como o câmbio (imagine negociar em uma situação
na qual cada cidade tinha sua própria moeda!), segurança nas estradas ou mesmo
crédito. Não é por menos que institutos como cheque, bancos, nota promissória e
contratos de seguro surgiram nesse contexto.
Embora esses institutos jurídicos
tenham surgido a partir da dinâmica dos agentes econômicos, na ausência de um
governo central a que poderíamos associar a ideia de um Estado, é inegável que
a centralização do poder político possibilitou o maior crescimento da economia.
Seria impossível pensar na Revolução Industrial sem um Estado centralizado na
Inglaterra que assegurasse o direito de propriedade e expulsasse mão-de-obra do
campo (cercamento) que, mais tarde,
seria utilizada nas fábricas das cidades.
Em suma, é impossível ter
capitalismo sem direito e sem Estado. O capitalismo somente pode proliferar em
circunstâncias sociais nas quais há segurança para realizar transações
comerciais. E somente quem pode garantir essa segurança de maneira ampla, a fim
de diminuir os custos de transação, é um Estado eficiente.
…mas os direitos também dependem
de uma economia funcional
O contraponto à discussão anterior
é que os direitos também dependem de uma economia eficiente e funcional.
Qualquer direito depende de recursos específicos para florescer. Pense, por
exemplo, no direito de propriedade. Como garanti-lo sem recursos financeiros?
Manter uma polícia capaz de assegurá-lo, com prisões para quem violar esses
direitos, é necessário muito dinheiro.
Ter educação, saúde e direitos
trabalhistas e previdenciários também demanda dinheiro. É preciso ter uma
economia não estagnada, com fôlego para crescer, para resguardar esses
direitos. Uma empresa que não lucra é incapaz de garantir os direitos
trabalhistas a seus empregados. Portanto, a regulação do trabalho deve levar
isso em consideração, porque o pressuposto dos direitos é que a companhia possa
pagar por eles.
Com isso não quero dizer que as
pretensões das empresas devem ser satisfeitas a qualquer custo. Apenas é
preciso equilibrar as demandas de forma a garantir tanto uma economia
funcional, com empresas que lucrem e possam crescer ao longo do tempo, quanto
condições de trabalho que sejam mais do satisfatórias. Afinal, empregados mal
remunerados são indivíduos que não podem consumir e fazer parte da massa de
clientes de uma empresa.
O importante é notar que empresas
somente são capazes de lucrar porque o direito institucionalizado garante a ela
dezenas de direitos que tornam o exercício de suas atividades possível. Mas,
embora o trabalhador tenha direitos assegurados por instituições estatais, a
sua implementação depende intrinsecamente do sucesso financeiro do empregador.
É preciso acabar com o discurso infantilizante de que os trabalhadores estão de
um lado e os empregadores de outro. O discurso é imaturo pros dois lados.
E isso vale para outras
discussões não relacionadas aos direitos trabalhistas. É ilusão acreditar, por
exemplo, que o sistema previdenciário do servidor público conseguirá garantir
os direitos “assegurados” pela Constituição daqui a 40 ou 50 anos. De nada vale
o texto constitucional se as condições materiais de sua realização inexistirem.
Sufocar a economia para garantir esses direitos é estupidez e
irresponsabilidade com as gerações futuras.
Do mesmo modo, educação e saúde
dependem de recursos. Muito se tem falado, por exemplo, a respeito de o Brasil
aumentar seus gastos com educação em termos percentuais em relação ao PIB.
Hoje, gastamos algo em torno de 5% do nosso PIB com o sistema educacional
público, e muitos movimentos desejam aumentar esse percentual para 10%.
Ocorre que nenhum país
desenvolvido do planeta investe 10% de seu PIB em educação - o que sinaliza a
necessidade de implementar melhorias na eficiência do sistema educacional. Mas,
se realmente desejamos aumentar o investimento em educação, talvez seja o caso
de tornar mais eficiente a economia, retirando amarras burocráticas que, além
de inúteis, apenas emperram nosso desenvolvimento econômico (o famoso custo
Brasil). Se nosso PIB dobrar, por exemplo, podemos investir os mesmos 5% de
hoje e o valor absoluto do investimento em educação dobrará. Não é preciso mais
do que matemática básica para perceber isso.
Por tudo isso, me surpreende que
direitos sejam uma pauta “da esquerda” e crescimento econômico, uma pauta “da
direita”. Ambos os lados são cegos por não enxergarem a relação de implicação
mútua e recíproca que existe entre o regime de direitos e a economia. Sem
crescimento econômico, não podemos garantir direitos com eficiência; e sem
direitos, o crescimento econômico implode.
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