Dominique Plihon, professor da Universidade Paris 13, diz
que se um neoliberal ganha no Brasil, ele ficará triste pelos brasileiros, mas
também pela ordem internacional: 'Precisamos de líderes que saibam resistir às
grandes potências e não que sejam seus aliados'
por Bruno De Conti e Pedro Rossi, do Brasil Debate
O francês Dominique Plihon é um dos principais estudiosos,
no mundo, do que se denomina “capitalismo com dominância financeira” e de seus
efeitos sobre a sociedade. Professor emérito da Universidade Paris 13
(Université Sorbonne Paris Cité), ele tem longa experiência profissional no
Banque de France e é atualmente porta-voz do Attac, associação que defende a
taxação das transações financeiras internacionais.
Na semana passada, esteve no Brasil para uma curta temporada
de palestras e aulas no Instituto de Economia da Unicamp, e conversou com o
Brasil Debate. As reflexões de Plihon sobre as ideias econômicas, seus
porta-vozes e interesses, e mesmo o seu poder de pressão por meio do controle
dos veículos de comunicação são um necessário contraponto à visão quase única
que domina a discussão econômica no Brasil.
Indo além, põe o dedo na ferida de uma questão muito
explícita em alguns personagens do debate eleitoral brasileiro: o conflito de
interesses entre representantes do setor financeiro privado e suas prioridades
para as políticas públicas. Por fim, considera um enorme retrocesso, não só
para o Brasil, a eleição de um candidato de perfil neoliberal neste segundo
turno das eleições.
Confira os principais trechos da entrevista
Como você enxerga a relação do neoliberalismo com a
democracia?
Aqui há um paradoxo. Os neoliberais nos fazem acreditar que
a liberdade concedida a todos os atores econômicos faz prosperar a democracia e
que o mercado é favorável à democracia. Como se democracia e livre mercado
caminhassem juntos.
Essa visão é completamente equivocada. Se deixamos o
neoliberalismo funcionar, isso se traduz no surgimento de atores sociais –
grupos industriais, bancários – que dominam não somente a economia, mas também
a sociedade. Esses atores investem na mídia para difundir análises que
condicionam a opinião dos cidadãos e isso funciona como uma forma de dominação
ideológica. Aqueles que divergem do pensamento dominante são considerados
heréticos, arcaicos, gente que não é séria.
Portanto, o paradoxo é que, ao reduzir o Estado sob o
pretexto de dar mais liberdade às pessoas, dá-se poder a alguns atores sociais,
concentra-se a renda e cria-se um pensamento único. Eu vou ao limite de dizer
que aqueles que defendem o neoliberalismo são por uma sociedade totalitária.
Neoliberalismo é o oposto da democracia.
O discurso neoliberal é compatível com a construção de um
Estado de Bem-Estar Social, que garanta serviços sociais públicos e universais?
Para o neoliberalismo, o Estado Social é visto como um
inimigo, como um concorrente, o que é de certa forma verdade porque, a partir
do momento em que o Estado Social se desenvolve, é uma parte do setor econômico
que escapa do setor privado, dos investidores internacionais etc. Eles querem controlar as escolas, controlar
os hospitais, controlar as estradas, para obter lucros. É por isso que eles
defendem a privatização, sob o pretexto de que o setor privado seria mais
eficiente, mas a finalidade é o lucro.
O que devemos defender, enquanto economistas progressistas,
é que o setor público é claramente mais eficaz do que o setor privado no que se
refere à oferta de bens sociais, ao contrário do que dizem os neoliberais. Essa
é uma briga ideológica importante. Eles dizem que se o Estado Social diminuir,
todos vão ganhar, vão pagar menos imposto, a economia ficará melhor, os hospitais,
as escolas e universidades serão melhores, o que é completamente falso.
Se pegarmos a Saúde, por exemplo, o sistema mais eficaz,
menos custoso e que traz mais bem-estar para população é o público e não o
privado. O sistema de saúde americano, que é praticamente todo privado, é muito
mais custoso do que o francês, que é principalmente público. Mas esse discurso
não é ouvido pela mídia controlada pelos grandes grupos privados.
Nessas eleições brasileiras, formou-se uma convenção na
bolsa de valores segundo a qual o bom desempenho da presidenta Dilma nas
pesquisas conduz a uma queda nos preços das ações. Como você vê o significado
político dessa convenção?
Keynes é quem primeiro explorou essa noção de convenção no
mercado financeiro. A convenção é uma representação da realidade que
corresponde muitas vezes aos desejos do mercado. Quando vemos nas eleições que
a bolsa sobe quando o candidato Aécio Neves aparece com mais chances, isso
significa a expectativa do mercado de que esse candidato tomará medidas mais
favoráveis a ele.
O que é perigoso, pois significa que um candidato que queira
fazer uma política de enfrentamento aos interesses e privilégios do mercado
terá a bolsa contra ele. E isso toma uma proporção maior porque a mídia e as
elites passam a mensagem de que a opinião “correta” é aquela do mercado e não
aquela das pessoas que trabalham, que produzem, que consomem. Isso é,
evidentemente, contrário à democracia.
E o que é interessante é que Keynes (John Maynard,
economista britânico) mostrou a existência de componentes irracionais na
formação dessas convenções. As pessoas se comportam de maneira mimética; de uma
hora para a outra passam a agir todas da mesma forma, com base em uma
determinada ideia. Essas convenções são frágeis, às vezes irracionais e
desprovidas de uma reflexão séria e, mais do que isso, podem ser manipuladas, o
que quer dizer que alguns agentes podem forjar opiniões e condicionar a
psicologia dos mercados para fazer valer seus interesses.
Nos debates públicos, você tem chamado atenção para o
conflito de interesses que envolve a profissão dos economistas. Qual é a
importância desse tema?
Na sociedade, há dois tipos de economistas. A primeira
categoria é composta por economistas independentes ou com vínculos explícitos
com alguma instituição, como um sindicato, ou um banco. Quando ouvimos um
economista de um sindicato, sabemos que ele está defendendo os interesses do
sindicato, isso é normal e transparente.
A segunda categoria são os economistas que são pagos pelo
sistema – recebem recursos de empresas, bancos, partidos – mas não se
identificam. Eles geralmente defendem os interesses das classes dominantes e
por isso são figuras muito presentes na mídia, dominada por essas classes. Eles
são os cães de guarda do sistema.
O que estamos propondo na Europa é algo parecido com que
está sendo discutido nos EUA por Gerard Epstein: que haja regras precisas
obrigando os economistas a publicarem o nome da entidade de quem recebem
financiamentos, assim, quando eles falam na mídia, saberemos se estão
defendendo o interesse de alguma empresa, banco, sindicato. Cada um fala o que
quer, desde que seja transparente e não seja hipócrita.
E no caso de economistas de mercado que ocupam funções
públicas?
Se há um candidato, como Aécio Neves, que anuncia um
ministro que é um banqueiro, há um risco de conflito de interesse. Nesse caso,
talvez seja o caso de declarar publicamente e, eventualmente, desnudar esta
pessoa e os interesses que representa, já que tem muitos laços com o setor
financeiro.
Na França, temos esse problema com os altos funcionários,
por exemplo, da supervisão bancária, que após seu período no governo vão
trabalhar nos bancos. O problema é que essas pessoas não ousam tomar medidas
duras, sanções, contra os seus futuros (ou ex) colegas. Nesse caso, deve-se
proibir a pessoa de trabalhar no setor que ela supervisionou durante três ou
quatro anos, porque há conflitos de interesse.
Esse é o chamado fenômeno das “portas giratórias”, quando um
economista vai para a administração publica, depois volta para o setor privado
como um homem de negócio, e de novo para administração pública. Isso é muito
perverso e antidemocrático.
Como intelectual de esquerda e observador externo como você
enxerga a disputa eleitoral em curso no Brasil?
Primeiramente, vejo com bastante interesse porque o Brasil é
um país muito importante, e a política que é definida aqui tem impacto sobre a
América Latina e também sobre a construção da ordem mundial. Penso que os
dirigentes europeus atuais são uma catástrofe para a ordem econômica mundial.
Eles são fascinados pela ideologia neoliberal, pela competição, e não pela
cooperação, pela solidariedade entre os países etc. Eles têm valores que
certamente não são os meus, e que são extremamente perigosos.
Se um candidato neoliberal ganha no Brasil, certamente
ficarei triste pelos brasileiros, mas também triste pela ordem internacional.
Eu sei que a candidata progressista tem limites e problemas, mas penso que será
melhor para o Brasil, pois ela já deu prova de independência frente aos Estados
Unidos e frente a atores financeiros.
Precisamos de líderes que saibam resistir às grandes potências,
ao setor financeiro, e não que sejam seus aliados. Portanto, vejo as eleições
no Brasil com muito interesse e não escondo minha preferência por Dilma
Rousseff.
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