Estudioso da London School of Economics estima que um terço
dos patrimônios africanos está em contas offshore - e um quinto do patrimônio
latino-americano.
Denis Cogneau, do Le Monde - http://cartamaior.com.br/
No último dia 9 de fevereiro, jornalistas do Le Monde e seus
colegas do ICIJ divulgavam dados de um arquivo referente a contas bancárias da
filial suíça do HSBC. Mesmo que se tratasse de apenas um banco em um país, os
montantes eram, para muitos, já bastante significativos. Nos países ricos,
ficamos novamente indignados com uma evasão fiscal tão descomplexada.
No entanto, a operação Swissleaks também chama a atenção
para a fuga de capitais oriundos de muitos países pobres.
É certo que os dados publicados mantêm certo grau de
nebulosidade. O uso de empresas de fachada e de laranjas torna a quantificação
exata da fuga de capitais uma missão digna de um Sherlock Holmes.
Mais de 60% das quantias, assim como dos clientes identificados,
são oriundas dos países ricos da OCDE. Apenas 2% do montante correspondem à
África Subsaariana, e 3% à África do Norte. A ideia de que os bancos suíços
estão abarrotados de fortunas de oligarcas ou mafiosos africanos é, portanto,
pura fantasia. Essas proporções são, aliás, coerentes com os dados gerais sobre
a origem geográfica da riqueza abrigada na Suíça, ou sobre os depósitos
bancários divulgados pelo Banco de Compensações Internacionais.
Dois anos de poupança
No entanto, se compararmos os valores revelados, referentes
aos anos de 2006-2007, com o PIB de cada país, 14 países africanos estão entre
os 30 primeiros países da lista: Marrocos, Egito e Tunísia, além de Eritreia,
Zimbábue, Burundi, Quênia, Serra Leoa, os dois Congos, Chade, Mali, Senegal e
Madagascar. O primeiro país asiático pobre a aparecer na lista, por exemplo, é
o Paquistão, na quinquagésima posição.
Sabendo que a taxa de poupança nesses países é baixa, o
dinheiro depositado no HSBC representa, sozinho, quase um vigésimo da poupança
do continente africano em um ano. Gabriel Zucman, da London School of
Economics, estima que um terço dos patrimônios africanos possa estar em contas
offshore – e um quinto no caso dos patrimônios latino-americanos. De acordo com
os economistas James Boyce e Léonce Ndikumana, a fuga de capitais da África na
década de 2000 pode ser equivalente a cerca de dois anos de poupança.
Claro que as transferências de capital com origem em países
em desenvolvimento não são todas ilegais, nem provenientes de negócios ilícitos.
Além disso, estes fundos também não estão apenas investidos em paraísos fiscais
– alguns estão na França, por exemplo. Em trabalho recente com Léa Rouanet (da
École d'économie de Paris), mostramos que, no que diz respeito aos imóveis
localizados na França, as ex-colônias francesas na África tem a maior proporção
entre os proprietários residentes no exterior, quando comparamos, novamente, o
valor do imóvel em relação à renda no país de origem. Todos os imóveis não são
comprados de forma ilícita, mas alguns o são, sem dúvida. E uma parte pertence,
também, a franceses expatriados.
Controle desestruturado e ineficaz
A evasão fiscal não é necessariamente a principal razão para
transferir sua poupança para o exterior, pois nos países pobres a tributação da
renda nacional é ao mesmo tempo limitada e mal controlada. Mesmo quando não há
isenção legal, sonegar impostos num país africano médio não requer grandes
talentos, uma vez que as instituições de controle são desestruturadas e
ineficazes. Segurança e sigilo vêm %u20B%u20Bem primeiro lugar. Muitos membros
das elites vivem boa parte do tempo em países ricos, e consideram mais seguro,
mais rentável e mais prático investir ali sua fortuna. Investimentos no
exterior estão protegidos de riscos como mudanças políticas bruscas e crises
econômicas – e os valores desviados são mais facilmente lavados e reciclados.
Algumas fortunas são melhores candidatas que outras a ser
enviadas para o exterior. Primeiro, são obtidas em transações realizadas em
moedas estrangeiras, depois, estão particularmente concentradas, e finalmente
são objeto de imposições públicas suscetíveis de desvios. As receitas do
petróleo, gás e mineração reúnem estas três propriedades. Nossas estimativas
sugerem que, ao longo das últimas três décadas (1980-2010), toda vez que as
receitas do petróleo em um país exportador aumentam em um dólar, 800 dólares,
em média, são enviados no ano seguinte para instituições financeiras
estrangeiras, em diversos países.
Desse modo, por mais imperfeitos e tendenciosos que sejam,
apesar das empresas de fachada e dos laranjas, os dados bancários trouxeram à
tona a fuga de capital assombrosa do Zaire de Mobutu, da Serra Leoa e seus
"diamantes de sangue", ou, mais recentemente, da Guiné Equatorial em
pleno boom do petróleo. Seria necessário, no entanto, que emergissem
informações muito mais detalhadas, como estatísticas sobre depósitos por país
de destino e por moeda. Isso seria perfeitamente possível sem comprometer o
anonimato.
O que fazer para que a poupança disponível, especialmente
resultante de exploração dos recursos naturais, seja mais frequentemente
reinvestida no próprio país de origem?
Choque de transparência estatística
O primordial deve ser apoiar as autoridades fiscais e
judiciais dos governos que se comprometerem efetivamente a lutar contra a
corrupção e a evasão fiscal. No entanto, ao contrário dos países ricos, a
capacidade destes governos de sancionarem bancos e paraísos fiscais é muito
limitada. O jogo é desigual, porque Luxemburgo não vai tremer diante de ameaças
do Senegal – nem a lei norte-americana FATCA ou a diretiva da poupança europeia
terão impactos diretos para este país. Estas medidas de controle poderiam até
mesmo levar a uma maior cobiça sobre as fortunas dos países pobres, uma vez que
as fortunas americanas e europeias se tornariam mais difíceis de esconder.
Esta interdependência não deve ser minimizada. Europa e
África, em particular, compartilham um espaço de segurança, comércio e
migração, mas também financeiro e fiscal, cuja regulamentação não pode
basear-se unicamente sobre a não interferência e a invocação de soberanias em
boa parte fictícias.
À medida que apertarem a malha sobre seus próprios
contribuintes, os países ricos devem organizar, paralelamente, um choque de
transparência estatística em relação às contas bancárias e aos fluxos
financeiros internacionais, a partir dos dados já reunidos pelos respectivos
bancos centrais. Seria a primeira etapa de um cadastro global do capital, e uma
medida também capaz de contribuir para a construção de um espaço de debate
público e de controle democrático que deve incluir os cidadãos tanto do Norte
quanto do Sul.
__________________
Denis Cogneau é autor, com Léa Rouanet, do livro Capital
Exit in Developing Countries : Measurement and Correlates, École d'Économie de
Paris, 2015.
Tradução de Clarisse Meireles.
Créditos da foto: Montagem/AN.mx
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