quarta-feira, 24 de junho de 2015

Marguerite e a Grécia

Steven Zolneczko / Flickr
A insubordinação da vaca que escapou do abate serve para ilustrar a independência do povo grego, que se negou a embarcar na canoa da austeridade

Michel Plon, de Paris / www.cartamaior.com.br

O fato talvez tenha escapado à sagacidade dos jornalistas brasileiros. O ocorrido até chamou a atenção de alguns jornalistas franceses, que no entanto não enxergaram a metáfora do que está acontecendo na Europa!

Primeiro vamos à história, quase uma anedota. Marguerite é uma jovem vaca de três anos, a idade de ir para o abate e abastecer as geladeiras dos açougues e dos supermercados em cortes padronizados, segundo as normas europeias, como bifes e outras peças de carne bovina. Mas adivinhem só! Na hora de entrar no caminhão que a levaria ao local de sua execução, Marguerite se revoltou! Saiu correndo pelo campo e cruzou estradas até se refugiar em uma carpintaria, onde foi capturada e anestesiada em seguida por um veterinário. Resultado da operação: por causa das substâncias injetadas,  a carne de Marguerite está imprópria para consumo por 30 dias e Marguerite está... salva! Poderá seguir sua vida de vida de vaca independente por algum tempo, uma vez que ninguém pode prever o futuro dela – ou o nosso.

A insubordinação e a rebelião de Marguerite me parecem ilustrar o que vem acontecendo entre a Grécia e a Europa nos últimos quatro meses. Os cidadãos gregos, demonstrando toda sua independência, recusaram-se a embarcar na canoa do FMI, do Banco Mundial e outras instituições que insistem em impôr-lhes as normas da economia neoliberal, privatizações, cortes nas aposentadorias, aumento das horas de trabalho e todo o conhecido corolário! Os gregos elegeram um governo rebelde a essas normas, e os jovens líderes eleitos, tão talentosos quanto corajosos, abandonaram a gravata de praxe nas salas de reunião de Bruxelas, da mesma forma como Marguerite recusou o cabresto que queriam pôr no seu pescoço.

O problema é que a Europa da senhora Merkel, dos Senhores Hollande, Junker e outros, não encontrou ainda nem o veterinário nem a substância capazes de transformar os "adolescentes rebeldes" que não sossegam em suas cadeiras em "adultos" – segundo as palavras da cara senhora Lagarde, que vela pelos preciosos interesses do FMI – capazes de perceber que se trata da segurança dos dividendos e do mercado de ações, considerados mais importantes que aposentadorias, a saúde e a educação dos gregos e de seus filhos!

E então? É claro que devemos salvar Marguerite, mas é ainda mais necessário salvar a Grécia, liberá-la de sua suposta dívida, construção tão falsa como, há alguns anos, foram as armas de destruição em massa no Iraque.

Enviemos todos uma foto de Marguerite aos líderes europeus e à Madame Lagarde, que poderá enxergar nela, quem sabe, sua juventude perdida!

Tradução de Clarisse Meireles

Créditos da foto: Steven Zolneczko / Flickr

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