"Jaz nas telas de computadores, laptops,
tablets e smartphones do país inteiro o cadáver insepulto do jornalismo
tupiniquim", diz o jornalista Luís Costa Pinto, autor da célebre
entrevista com Pedro Collor, ao se referir ao pedido formulado por um delegado
para que o ex-presidente Lula seja ouvido no âmbito da Lava Jato; "Por que
isso ocorre em Brasília? E por que vaza numa sexta-feira de manhã? E por que
vaza para Época? E por que vaza para um repórter específico que já tem um
contencioso com a defesa jurídica do ex-presidente em razão de outras
reportagens? E por que os jornalistas que nas últimas horas ecoaram esse
expediente no mínimo heterodoxo da Polícia Federal não fizeram, ainda, essas
perguntas? Por que o texto original do furo em Época não traz, já, uma série de
respostas a esses porquês?", questiona Costa Pinto; leia a íntegra
Por Luís Costa Pinto, em seu Facebook / http://www.brasil247.com/
Jaz
nas telas de computadores, laptops, tablets e smartphones do país inteiro o
cadáver insepulto do jornalismo tupiniquim.
Morreu
em decorrência da falência de múltiplos órgãos. Nos momentos derradeiros a bile
começou a irrigar a cabeça de muitos, e ali já não havia cérebro – o fígado se
instalara no crânio de “jornalistas” e de seus “chefes”.
O
necrológio do jornalismo brasileiro está escrito em cifras e códigos nas
entrelinhas daquilo que não se perguntou, que não se escreveu e que não se
analisou nos textos que informam a existência de um pedido de um delegado
federal para ouvir o ex-presidente Lula no âmbito dos inquéritos da Lava-Jato.
Não
acho que Lula ou qualquer outro ex-presidente, autoridade ou ex-autoridade seja
intocável e não esteja passível de prestar contas do que fez. Mas tenho
convicção que tudo deve seguir o rito institucional. E ser jornalista, ser
imprensa, obriga a que todos se atenham aos ritos. Aos ritos.
O
delegado infere, presume, supõe, crê, acha, enfim, que o esquema de corrupção
ora em apuração serviu para beneficiar a sustentação política dos governos
liderados por Lula. Mas será que só ele, genial, acha isso? É óbvio que, ao
ouvir de forma isenta as delações, ao ler as narrativas publicadas, cada um de
nós infere, supõe, crê, acha a mesma coisa. Isso é motivo para um delegado
federal dirigir-se à Corte Suprema para pedir a oitiva de um ex-presidente?
Descontadas as inferências, presunções, suposições, crenças, achismos,
implicâncias e partidarismos, enfim, há algo realmente concreto donde se possa
depreender uma orquestração criminosa promovida por Lula? E, se houvesse, não
seria natural e esperado que tais demandas saíssem para conhecimento público a
partir da força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba – cuja competência técnica
parece ser acima da média e vem sendo comprovada dia a dia com o alto
percentual de confirmação de seus atos no Supremo? E não tendo Lula qualquer
foro privilegiado, afinal ex-presidentes não têm foros privilegiados, por que
um delegado federal de Brasília faz um pedido ao Supremo Tribunal Federal para
investigar Lula se o caminho natural e próprio seria pedir isso ao juiz Sérgio Moro,
que conduz os julgamentos da Lava-Jato em Curitiba?
Por
que isso ocorre em Brasília? E por que vaza numa sexta-feira de manhã? E por
que vaza para Época? E por que vaza para um repórter específico que já tem um
contencioso com a defesa jurídica do ex-presidente em razão de outras
reportagens? E por que os jornalistas que nas últimas horas ecoaram esse
expediente no mínimo heterodoxo da Polícia Federal não fizeram, ainda, essas
perguntas? Por que o texto original do furo em Época não traz, já, uma série de
respostas a esses porquês? Por que o texto inaugural do caso, no site de Época,
não põe o delegado federal respondendo se ele acha que inventou a pólvora que
pode implodir de vez a biografia de Lula? Se ele crê que só ele acha tudo
aquilo. E por que, sendo delegado federal, não se dirigiu a Sérgio Moro? Aliás,
o juiz Moro, que fala pouco e parece sentenciar bem, poderia abrir uma exceção
e se pronunciar sobre esse pedido.
A
ressaca desse assaque pode ser devastadora para quem deseja ver o cadáver do ex-presidente
Lula exposto, esquartejado, nos postes da Esplanada dos Ministério e participar
da salga dos escombros do Sindicato dos Metalúrgicos e da sede do PT em São
Paulo. E se o Ministério Público achar que esse pedido é descabido? E se, mesmo
tendo seguimento no STF, os ministros da Corte decidirem que o pedido é
esdrúxulo? E, pior para os advogados do quanto pior melhor: e se Lula for
absolvido, inocentado? Um Lula inocentado, solto nas ruas, não seria bem pior
que um Lula suspeito para quem tanto o teme? O para os que tanta ojeriza a ele
professam e confessam numa evidente expressão de inveja biográfica? De recalque
de classe?
Estamos
numa República em que há lavanderias de dinheiro em escala semelhante à
existência de abatedouros clandestinos de reputações.
Vivemos
num país em que parte de uma imprensa que agoniza em praça pública revogou a
missão de questionar, de investigar, de fazer as perguntas mais tortuosas às
fontes mais amigas a fim de brilhar intensamente por fugazes 15 segundos.
E
creiam: aqui grassa também a lavagem de fatos. Ela se dá quando, esgotadas as
possibilidades de se demonstrar a veracidade de uma apuração, costura-se um rol
de meias verdades, de inferências, de mentiras, de histórias fantásticas e
outras reais, desconexas entre si, mas alinhavadas com nexo, e aí se leva a
público um enredo verossímil.
Depois
disso, cabe aos acusados, ou às vítimas e às suas carcaças, provar a verdade –
porque as provas só são exigidas da verdade. A mentira pode ser apenas
verossímil se ela servir para confirmar o que a bile quer ver confirmado a fim
de atender ao comando do fígado que hoje ocupa o lugar dos cérebros na maioria
das redações remanescentes.
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