Sem
uma nova articulação política o futuro é certo: ou a vitória do golpismo, via
impeachment, ou a manutenção de um governo que não governa.
Francisco
Fonseca / www.cartamaior.com.br
A
crise política que estamos vivenciando de forma aguda assume diversas feições,
mas fundamentalmente é consequência da imbricação de várias crises, tal como
procurei analisar no artigo publicado neste Portal em 14/07/2015, intitulado
“As Três Crises do Governo Dilma”. Como o afirmamos naquele artigo, as causas
da crise têm proveniências distintas: a) a reação do rentismo que, embora
confortável em seus lucros, viu os mesmos diminuírem em contraste ao aumento da
participação dos salários no PIB durante os Governos Lula/Dilma; b) o
esgotamento da ampla alianças de classes, que fora estruturada na articulação
entre o lumpemproletariado ao próprio rentismo, passando pelo trabalho
formalizado e pelo capital produtivo, sem que o sistema político tenha sido
alterado perante a nova situação; c) a reação violenta, protofascista e
militante das classes médias superiores à maior igualdade existente no país,
que implicou a perda de espaços exclusivos de privilégios; d) a fragilidade do
Estado de Direito Democrático em investigar e punir de acordo com a lei, sem
facciosismos e partidarismos, facciosismos esses simbolizados nas figuras dos
juízes Gilmar Mendes e Sérgio Moro, assim como de setores do MP, do TCU, do TCE
e da PF; e e) a crise econômica mundial combinada com o esgotamento das medidas
anticíclicas, corretamente aplicas pelo Governo Dilma a partir do crash de
2008.
O
modus operandi do Governo Dilma
Tendo
em vista esse complexo contexto, pode-se perceber como se dá a reação do
principal partido do país, o PT, e do Governo Dilma. Trata-se de incrível
incapacidade de o Poder Executivo aplicar um programa de governo, uma vez que
abatido: pela oposição carbonária, elitista e reacionária da maioria do
Congresso Nacional; pelo aludido facciosismo de instituições do Estado, como
parte do STF, do TCE, do TCU e sobretudo da PF e de setores do Judiciário; pelo
golpismo fascista da mídia; e pelo ódio militante aos pobres por largos setores
das classes médias superiores; pela reação do rentismo internacional articulado
ao nacional.
Mais
ainda, tal fragilidade se expressa num conjunto de incapacidades, que assim se
localizam: uma vez mais no poder do rentismo, sintetizado pela figura de
Joaquim Levy, assim como na “agenda Renan”, e na cortina de fumaça da redução
de ministérios etc; na não resposta ao esgotamento da aliança de classes
instituída desde o primeiro Governo Lula em que, como aludido, se articulou do
lumpemproletariado ao próprio rentismo. Em outras palavras, governa-se como se
estivesse vivenciando o pacto de classes, que se esgotou, mas que não fora
acompanhado de novo arranjo político; na sinalização equivocada, injusta e
politicamente desastrosa de quais grupos são priorizados e quais “penalizados”
pelas políticas governamentais – os pobres –, o que implica distanciar-se das
bases sociais e da agenda política responsável pela vitória eleitoral: o ajuste
fiscal nada mais representa do que o paradoxo de um governo que se elegeu por
uma agenda e governa por outra, embora não tenha desfeito as macropolíticas
instituídas pelo Governo Lula, o que o difere de um suposto Governo Aécio, cuja
barbárie neoliberal seria levada ao limite; na fragilidade governamental,
expressa num ministério aquém de enfrentar a crise política, cuja incapacidade
de controlar democraticamente a Polícia Federal, ao permitir que uma operação
de tal envergadura, como a “Lava Jato”, esteja sob comando de um juiz de
primeira instância, claramente faccioso e articulado a setores golpistas do
Estado e da oposição, é talvez sua maior expressão; na incapacidade de ler os
efeitos do golpismo midiático e de sua atuação como “intelectual orgânico do
Capital”, que deveria resultar na retirada unilateral de toda e qualquer
publicidade governamental veiculada na grande mídia, jamais intentada; e
sobretudo na incapacidade de unificar sua base de sustentação – eleitoral e
política –, que são os pobres, os movimentos populares e grande parte dos que
se beneficiaram dos programas sociais e das políticas anticíclicas dos Governos
Lula e Dilma. Tal unificação poderia implicar importantíssimo sustentáculo a um
projeto de governo e de país, tornando claro qual o lado que se está.
Em
vez disso, o Governo Dilma tenta se sustentar pela direita: ajuste fiscal,
cortes orçamentários, taxas de juros exorbitantes, concessões ao rentismo, não
enfrentamento dos polos de poder que estão golpeando o governo e a democracia,
manutenção do ministério frágil politicamente, tentativa de manter o grande
pacto de classes – expresso no presidencialismo de coalizão – a qualquer custo,
entre outros aspectos.
Se
há um pacto ainda é possível seria a aliança entre setores produtivos nacionais
(ou cuja tomada de decisão seja nacional) com os trabalhadores formais e
informais, deixando claro quem são os inimigos: o rentismo internacional, a agenda
neoliberal, o capital especulativo – o que implicaria restrições à sua entrada
–, o privilégios dos segmentos que querem o golpe, o empresariado articulado
internacionalmente, entre outros segmentos golpistas.
É
importante ressaltar que grande parte das classes médias que vão às ruas é
composta por inocentes úteis, verdadeiros “analfabetos políticos”, filhos da
desinformação golpista da grande mídia. Representam ínfima minoria, mas que são
inflados e amplificados pela grande mídia.
A
crise econômica – a menor das crises – é, dessa forma, retroalimentada pela
imbricação das crises políticas e pela ausência de um norte político: quanto
mais agenda Levy (neoliberalismo rentismo) mais desemprego e insatisfação, e
consequentemente ampliação da base social para o golpismo.
Por
sua vez, o golpismo político tem elementos conservadores (religiosos e ligados
ao ataque aos direitos civis) claramente articulados à visão privatista e
pró-Capital, logo, antipopular e antitrabalhista: trata-se de revanche aos direitos
sociais alcançados.
Tudo
isso se re-imbrica a um sistema partidário eivado de interesses privados que
privatizam o sistema político, assim como a radical irresponsabilidade dos dois
outros principais partidos políticos, o PSDB e o PMDB, que não perceberam – tal
como a UDN lacerdista – que serão tragados pelos efeitos desse verdadeiro
tsunami que se está vivenciando no país.
A
saída ao Governo Dilma, ao futuro do Partido dos Trabalhadores e aos direitos
sociais e trabalhistas, mas também à democracia, é um governo com uma agenda à
esquerda: combate ao rentismo, pacto entre capital produtivo e trabalho, formal
e informal (a experiência do Conselhão, desde que relativamente paritário entre
os segmentos sociais, e das Câmaras Setoriais, são um bom exemplo), articulação
junto aos movimentos sociais e trabalhistas, diretriz quanto à ampliação de
direitos, política econômica voltada ao desenvolvimento, política internacional
soberana etc.
Com
isso, as derrotas no Congresso Nacional teriam outro sentido, pois as bases
sociais poderiam se rearticular e pressionar as instituições tendo em vista a
garantia do conjunto de direitos advindos da Constituição de 1988 e dos
mandatos progressistas dos Governos Lula e Dilma.
Resta
saber se haverá tempo, uma vez que o golpismo está nas ruas, na mídia, nas
instituições (Congresso, setores do Judiciário e da PF, mídia, classes médias
rancorosas, rentismo internacional, e seletividade da Operação Lava Jato, entre
outros). Isso tudo tem efeito propagador junto aos setores ascendentes e mesmo
junto aos pobres, dado o massacre ideológico ao qual são submetidos. O próprio
Estado de Direito Democrático demonstra suas inúmeras fragilidades, reitere-se,
uma vez que permite um rol substantivo de ilegalidades inconstitucionais,
desenvolvidas desde o chamado julgamento do chamado “mensalão”.
O
Poder Executivo tem assistido a tudo de forma quase paralisante, apostando na
reversão de expectativas da direita, no grande Capital e na Agenda Levy/Renan,
que prometem crescimento no longo prazo “se fizermos a lição de casa”!
Aparentemente há a ilusão de que o possível crescimento econômico amenizaria o
intuito golpista que está em movimento, que é uma grande ilusão. Além disso,
reitere-se, a paralisia governamental é expressa na incapacidade de pressionar
pela reversão das inconstitucionalidades contidas na Operação Lava Jato.
Saída
à esquerda
Portanto,
a saída é à esquerda, apostando nas bases sociais que levaram o PT a ser o que
é e que possibilitaram a vitória de Dilma. O conflito – ideológico e de
interesses – é inevitável e desejável, mas, sem uma nova articulação política o
futuro breve é certo: ou a vitória do golpismo, via impeachment, ou a
manutenção de um governo que não governa, que “sangra” à espera de sua
extinção!
Um
tal cenário abre espaço para a direita, notadamente a antiinstitucional, e para
a derrota histórica da esquerda e dos direitos sociais e trabalhista. Aqui sim
o futuro torna-se incerto.
Ainda
há tempo para reverter esse quadro, mas, para tanto, a virtú de Maquiavel, ou
mesmo aquilo que Carlos Matus chamou de “triângulo de governo” (projeto de
governo capacidade de governo governabilidade) nunca foi tão necessário como
agora!
A
agenda progressista e à esquerda é não só cabível como estratégica
politicamente: propostas de taxação das grandes fortunas, de reforma tributária
que taxe a renda, de reforma da mídia, de reforma do sistema político, de
instauração do controle social sobre o Estado e as políticas públicas, de
revisão do orçamento, de alteração da lógica da dívida interna, de priorização
da agricultura familiar, de pacto entre capital produtivo e trabalho formal e
informal, entre tantas outras. Nada é fácil, mas cada vez há menos espaço de
manobra para o Governo Dilma.
Sem
virar – com estratégia e tática – à esquerda o Governo Dilma corre o sério
risco de ser, como está sendo, excomungado pela direita, mas sobretudo
abandonado pela esquerda. Nesse cenário, o isolamento poderá levar rapidamente
ao êxito do golpismo via impeachment,
pois o chamado “centro” migrará naturalmente ao golpe.
As
forças políticas progressistas e de esquerda precisam estar atentar ao que está
em jogo...e o Governo Dilma necessita acordar, política e imediatamente, antes
que seja tarde! Tal como na imagem da luta de boxe, o tempo é curto entre “não
jogar a toalha”, “sair das cordas” e “nocautear o adversário” ou mesmo “ganhar
por pontos”, isto é, sair do isolamento e tomar a iniciativa política!
A
reforma ministerial, com a iminente saída de ministros fracos politicamente; a
mudança da política econômica, que deve ser voltada ao desenvolvimento; o
enfrentamento com a mídia e com o rentismo – utilizando todos os mecanismos que
são exclusivos ao Poder Executivo; a defesa de direitos políticos, civis,
sociais e trabalhistas; e a interlocução privilegiada com os movimentos sociais
e populares; a tentativa de pactuar Capital e Trabalho produtivo, o que implica
a proposição de alianças estratégicas: todas essas ações voltam-se a mudar,
rapidamente, o rumo do Governo.
Isso
tudo implica enfrentamento político e ideológico, e mesmo jurídico. Mesmo que o
governo venha a ser derrubado o seria em condições completamente diferentes –
pois ancorado em bases sociais e populares – do que o seriam hoje. Isso
impactaria potencialmente o futuro da própria esquerda e dos direitos.
Ainda
há um pequeno tempo antes de o gongo tocar!
Créditos
da foto: Lula Marques/ Agência PT
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