Se no Brasil a boçalidade de parte de nossas elites
endinheiradas transparece nos insultos e no assédio físico aos
"inimigos", na Alemanha a arrogância vira uma violência covarde à
noite
por Flavio Aguiar, para a RBA // http://www.redebrasilatual.com.br/
A crescente ascensão e a desfaçatez da direita e da
extrema-direita, longe de serem um fenômeno exclusivamente brasileiro, está
largamente presente na Europa inteira, também na Alemanha.
Mas a direita em cada país tem seu próprio estilo.
Numa certa passagem de Raízes do Brasil, Sérgio
Buarque de Hollanda comparava o nazismo e o fascismo europeus com o
integralismo brasileiro, lembrando que a tragicidade daqueles virava a agitação
neurastênica dos adeptos deste, ou algo parecido com isto, pois estou citando
de memória.
Hoje novas diferenças aparecem, entre as
semelhanças da potenciação das atividades das direitas aqui e aí, pela
internet.
No caso brasileiro transparece a boçalidade da
parte de nossas elites endinheiradas e da classe média que sente seus
privilégios (que confunde com direitos adquiridos, vitalícios e hereditários,
como as capitanias coloniais), expressa nas camadas de insultos e de assédio
físico aos que vê como seus inimigos ou até traidores de classe.
Aqui a boçalidade vira uma arrogância disfarçada de
altivez de dia, e uma violência covarde que se ativa à noite. De dia, o que
transparece é um desprezo cultural e ético pelos "inferiores" (já que
ficou feio falar em raça); à noite, transparece o ataque covarde aos abrigos de
refugiados, estejam eles ocupados ou não, sob a forma de incêndios criminosos.
Há praticamente um ataque destes por noite, no mínimo. Às vezes são dois ou
três.
Ninguém vai insultar a chanceler Angela Merkel,
chamando-a de "vaca" ou outros xingamentos piores. Mas em
manifestações da extrema-direita têm aparecido forcas que lhe são reservadas, e
ao vice-chanceler Sigmar Gabriel.
No sábado passado a candidata à prefeitura da
cidade de Colônia, Henriette Reker, independente mas considerada próxima à
chanceler, foi atacada a golpes de faca no pescoço por alguém que a polícia
local identificou como "um desempregado". Este (a lei alemã impede a
identificação de autores ou suspeitos deste tipo de crime antes de seu
indiciamento formal, o que, aliás, deveria servir de exemplo para nós e nossa
velha mídia) alegou como motivo seu protesto perante o "privilégio"
que o país vem concedendo aos estrangeiros, refugiados ou imigrantes. Reker
que, embora hospitalizada, foi eleita no domingo, com 52,7% dos votos, era a
encarregada de organizar a recepção aos refugiados e imigrantes em Colônia.
O caso lembra perigosamente a prática e as
acusações dos nazistas em relação aos judeus na década de 30, quando chegaram
ao poder. Só que agora estas práticas e acusações se voltam predominantemente
contra os muçulmanos. Mas assim como os nazistas se erguiam também contra
outros "inferiores", como ciganos, Testemunhas de Jeová,
homossexuais, negros etc., o desprezo desta direita emproada e sombria também
se ergue contra os "povos do sul", acusados de serem culturalmente
vulneráveis à corrupção, de se recusarem ao trabalho, de propensos ao
desperdício etc.
Esta irrupção de violência vem preocupando as
autoridades alemãs de todas as inclinações ideológicas, embora mesmo dentro das
hostes da União Democrata Cristã, partido da chanceler, e da sua co-irmã
bávara, a União Social Cristã, surjam vozes que condenem esta "fácil
abertura" que Merkel e o país vêm concedendo às vagas de
"invasores" que procuram abrigam no continente, na Alemanha em
particular.
A onda de direita não impede manifestações de
solidariedade igualmente vigorosas. No fim de semana, à noite, milhares de
pessoas saíram às ruas na capital portando velas acesas, em apoio aos
imigrantes e refugiados. Em Colônia, no domingo, todos os outros candidatos
rivais de Reker fizeram uma vigília, também com velas acesas, em solidariedade
a ela.
A realidade é que, como na época da ascensão do
nazismo, a Alemanha se mostra um país dividido. Sinal desta divisão foi, na
noite da segunda-feira (19), a realização de duas manifestações simultâneas na
cidade de Dresden, berço dos novos movimentos de extrema-direita que se abrigam
sob o nome de Pegida.
De um lado, os "Pegidas" comemoravam um
ano do nascimento formal deste movimento. De outro, outros manifestantes
protestavam contra o Pegida. A polícia calculou o mesmo número de manifestantes
de um lado e de outro: 26 mil para cada um. Apesar da presença dos policiais, o
confronto foi inevitável, com feridos e detidos de parte a parte.
Pelo menos há uma diferença: na década de 1930 a
polícia, com frequência, fazia vista grossa para a violência dos nazistas, e
contribuía para atacar comunistas e social-democratas. Hoje isto não acontece
mais, embora durante mais de uma década os órgãos de inteligência da Alemanha
tenham se descurado das atividades da extrema-direita, chegando a fechar o
departamento específico que se encarregava desta área de investigação,
misturando seus membros com os de outros departamentos.
Mas o problema da emergência renovada destas
tendências de extrema-direita persiste, e é grave.
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