As grandes corporações nem pensam mais no futuro de
suas empresas. Estão manipulando os preços das ações para encher os bolsos e ir
embora.
Mike
Whitney – CounterPunch // www.cartamaior.com.br
Porque os consumidores não estão comprando e ainda
estão muito endividados. Apesar das teorias malucas do Federal Reserve sobre
bombear o sistema financeiro com liquidez para fazer os investidores se
sentirem mais ricos, na verdade, para gerar crescimento é preciso que as
pessoas comprem. E a verdade é que os consumidores reduziram seus gastos porque
os salários estão baixos, os rendimentos estão caindo e muitos ainda estão atolados
em dívidas até o pescoço. Por isso, o consumo está atipicamente fraco. O
economista Stephen Roach mostra isso em seu belo artigo no Project Syndicate:
"Nos 22 trimestres desde o início de 2008, as
despesas reais de consumo pessoal, que respondem por cerca de 70% do PIB dos
EUA, cresceram a uma taxa média anual de apenas 1,1%, de longe o período mais
fraco em demanda de consumo desde o pós-guerra. Isto também representa uma
grande desaceleração do ritmo anual de crescimento do consumo antes crise, que
foi de 3,6% entre 1996 e 2007". (Occupy QE, Stephen S. Roach, Project
Syndicate).
Como a economia pode crescer se as pessoas não
estão comprando?
Não pode.
Mas de acordo com o Fed, a melhor maneira de
resolver o problema é baratear a moeda (para que mais pessoas façam empréstimos
e gastem) e injetar quatro trilhões de dólares em liquidez no sistema
financeiro, para que as ações disparem. O objetivo deste experimento louco é
enriquecer grandes especuladores para que gastem mais dinheiro e, assim, aqueçam
a economia. É o chamado "efeito riqueza" e o Fed realmente acredita
que este absurdo efeito “trickle down” vai funcionar se for dado tempo
suficiente (trickle down é uma teoria segundo a qual a geração de benefícios
econômicos aos mais ricos terá com o tempo um efeito benéfico para toda a
sociedade). Mas, o fato é que a flexibilização quantitativa não funcionou, não
funciona e não vai funcionar. Porque não resolve o problema fundamental: como
garantir mais dinheiro para as pessoas que vão gastá-lo e fazer a economia
crescer. Essa é a questão.
Taxas zero podem ajudar a reduzir o custo de
empréstimos. Mas taxas mais baixas não funcionam se não houver demanda por
financiamento, isto é, se ninguém estiver fazendo empréstimos. E o que os
economistas descobriram é que, depois de um grande crash financeiro, quando
muitas famílias viram seu patrimônio desaparecer da noite para o dia, as
pessoas não estão tão abertas a se endividar quanto antes. É fácil entender. Se
você já está num buraco, vai parar de cavar. O cidadão médio não pode operar
como um banqueiro de Wall Street que pensa: "Só vou continuar a fazer
empréstimos até sair da dívida". Não. O trabalhador comum não pode fazer
isso. Precisa reduzir seus gastos até poder recuperar o fôlego.
É por isso que a expansão do crédito tem sido tão
fraca desde o fim da recessão, em 2009. Sim, houve exceções, como empréstimos
para automóveis e empréstimos estudantis, que dispararam nos últimos anos, (e
muitos estão próximos à inadimplência) mas, como um todo, a demanda por crédito
permaneceu fraca.
Mais uma vez, isto era totalmente previsível.
Quando as pessoas estão totalmente no vermelho, como após um colapso
financeiro, não pedem tantos empréstimos. É simples assim. Por isso, não
importa se as taxas estão baixas, a demanda por crédito vai permanecer fraca
até as contas das famílias se estabilizarem e os consumidores se sentirem
confortáveis %u20B%u20Bem criar novas dívidas.
Se taxas baixas não levam a uma expansão do
crédito, para que servem?
Para quase nada e, na verdade, são extremamente
prejudiciais. Diversas vezes, vimos como taxas de juros baixas incentivam todo
tipo de comportamento de risco, pois quando o dinheiro está barato e facilmente
disponível, alimenta a especulação massiva que cria bolhas. Por exemplo, a
loucura de recompra de ações é inteiramente imputável %u20B%u20Bàs taxas zero
do Fed, e precipitou uma enorme bolha nos preços das ações. Vejamos uma
amostra:
"Em 2014, os integrantes do S&P 500
compraram de volta 430 bilhões de dólares em ações ordinárias e gastaram outros
375 bilhões em pagamentos de dividendos. O capital total devolvido aos
acionistas foi apenas um pouco menor do que os ganhos anuais relatados. Na
frente de renda fixa, o mercado de títulos corporativos de grau de investimento
bateu recordes com 577 bilhões em emissões líquidas em 2014. Mesmo se os
universos equity e bond não se sobrepõem 100%, estes números contam uma
história simples, mas importante. As corporações americanas vêm basicamente
emitindo níveis recorde de dívida e usando uma parte significativa de seus
ganhos e reservas para comprar de volta ações ordinárias em níveis recordes”
(Buyback Bonanza, Margin Madness Behind US Equity Rally, Zero Hedge).
O que isso significa em bom português? Que as grandes
corporações nem pensam mais no futuro de suas empresas. Não querem mais ampliar
a capacidade de produção, contratar mais trabalhadores ou expandir a pesquisa.
Estão usando cada centavo que podem e manipulando os preços das ações para
encher os bolsos e ir embora. Este é o efeito das taxas baixas. É o que
acontece quando especuladores têm acesso a dinheiro barato. Todo o sistema se
desregula.
Consideremos que, se o Fed estabelece juros zero, e
a taxa de inflação é de 1,5%, então, para cada dólar que o Fed empresta, recebe
de volta 0,98 centavos. Isso parece um bom negócio para você, caro leitor?
Juro zero significa que o Fed está subsidiando a
criação de bolhas, e induzindo especuladores a correr riscos inerentemente
destrutivos para o sistema. Esta não é uma forma razoável de impulsionar o
crescimento ou estimular a economia. É o já conhecido caminho para a crise
financeira.
Tenha em mente que as políticas do Fed também têm
um preço alto. Como dissemos anteriormente, o balanço do Fed inchou e chegou a
mais de quatro trilhões de dólares. Pergunte-se então: como o pagamento do
serviço de uma dívida de quatro trilhões de dólares impacta o crescimento
econômico?
Obviamente, os pagamentos deste serviço drenam
recursos da economia real. Usemos um exemplo: um cidadão comum decide que não
quer mais viver em seu porão detonado cujo aluguel custa 500 dólares por mês,
então ele se muda para um belo apartamento de dois quartos num bairro caro com
vista pela fortuna de dois mil e duzentos dólares por mês. Então, agora o
sujeito tem menos 1,7 mil por mês para noitadas com seus amigos. Que impacto
seu novo estilo de vida terá na economia?
Sua imprudência vai prejudicar a economia porque
menos gastos equivalem a menos crescimento. E esta mesma regra se aplica às
corporações que fizeram empréstimos para recomprar suas próprias ações. Os
bilhões em pagamento de serviço da dívida serão desviados da economia real,
onde poderiam ter um efeito benéfico. É por isso que os grandes bancos de Wall
Street deveriam ter sido sacrificados na esteira da quebradeira de 2008, de
forma a exterminar suas dívidas em vez de transferi-las para o Fed, onde
representam um fardo para o crescimento.
A economia global enfrenta hoje tantos ventos
contrários que é difícil saber por onde começar. A bolha imobiliária da China
estourou, a evasão de divisas pôs os mercados emergentes em queda livre, os
preços das commodities despencaram provocando temores de deflação, os dados
econômicos são cada vez mais sombrios, e o plano do Fed para "normalizar"
as taxas fez as ações oscilarem como nunca.
Mesmo assim, a política econômica deveria se
concentrar no que pode gerar crescimento, estimular demanda e levar a uma
divisão mais uniforme da riqueza. Pleno emprego e bons salários deveriam ser as
prioridades. São as pedras fundamentais de uma economia forte, capaz de
suportar os altos e baixos de um ciclo econômico errático ou os nocautes das
crises financeiras periódicas.
A flexibilização quantitativa já teve sua chance,
agora vamos tentar aumentar os salários.
Tradução de Clarisse Meireles
Créditos da foto: wikipedia
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