Diretor
da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo afirma que líder dos
tucanos "é uma pessoa dotada do sentimento de egoísmo, do poder pelo
poder, de uma ambição absurda"
por
Helder Lima, da RBA // http://www.redebrasilatual.com.br/
São
Paulo – Para o diretor acadêmico da Fundação Escola de Sociologia e Política de
São Paulo (Fespsp), Aldo Fornazieri, a tentativa de impeachment da presidenta
Dilma Rousseff é alimentada pelo candidato da oposição nas eleições de 2014. “É
um inconformismo de Aécio Neves (PSDB-MG), que é uma pessoa aparentemente
dotada do sentimento de egoísmo, do poder pelo poder, de uma ambição absurda, e
uma pessoa que não se conforma pelos resultados ditados pelo povo. É um elemento
perigoso para a democracia brasileira”, afirmou Fornazieri nesta quarta-feira
(14), em entrevista à RBA.
Fornazieri
destaca as duas frentes que sustentam a perspectiva de golpe: no Tribunal
Superior Eleitoral (TSE), onde os tucanos querem cassar a chapa Dilma-Temer, e
na Câmara, com o processo de impeachment propriamente dito. Mas, para
Fornazieri, esses questionamentos são superficiais. “Decorrem de uma luta pelo
poder sem escrúpulos, na medida em que não existe um fundamento legal para ter
um impeachment, e na medida em que o próprio TSE havia aprovado as contas da
Dilma”.
Nesta
entrevista, o acadêmico analisa também a fragilidade do presidente da Câmara,
Eduardo Cunha (PMDB-RJ), cujas provas de corrupção são contundentes, e fala do
papel do Superior Tribunal Federal (STF), que proibiu a doação de empresas para
campanhas política. “O STF passou a legislar, embora de forma indesejável,
porque quem deveria fazer uma reforma política é o Congresso, mas na medida em
que o Congresso não funciona, virou uma casa de negociatas políticas e de
tráfico político, o STF passa a legislar de certa forma ferindo o próprio
principio republicano de separação de poderes. Infelizmente essa é a situação.”
Confira
a íntegra da entrevista:
Quanto
dessa crise pode estar vindo de uma manipulação midiática?
A
crise atual tem alguns aspectos complexos. Em primeiro lugar, existe uma crise
ética no Brasil por conta dos escândalos na Petrobras. Aprofundou-se na
sociedade a ideia de que toda estrutura política é corrupta e de que os
partidos não têm legitimidade, nem as instituições. Existe também uma crise
política, que tem muito de artificial, porque é evidente que o governo Dilma
cometeu erros, porém, a partir desses erros, a oposição, particularmente Aécio
Neves (PSDB-MG), inconformado com a derrota, quer a presidência a qualquer
custo. Ele está insuflando uma crise artificial.
Essa
crise envolve dois movimentos. O primeiro é a ação do PSDB no TSE querendo
cassar a chapa Dilma-Temer para ter uma nova eleição. O segundo é o processo de
impeachment na Câmara dos Deputados. Essas questões são artificiais. E elas
decorrem de uma luta pelo poder sem escrúpulos, na medida em que não existe um
fundamento legal para ter um impeachment, e na medida em que o próprio TSE
havia aprovado as contas da Dilma.
Junto
de Aécio estão outros líderes da oposição, está o próprio Gilmar Mendes, que se
tornou um conspirador, e aparentemente o próprio Augusto Nardes, do TCU, porque
entendo que as questões das pedaladas fiscais são um problema que tem de ser
corrigido, mas na medida em que FHC e Lula as praticaram, o TCU deveria ter
feito um termo de ajustamento de conduta dizendo 'Olha, até agora vínhamos
tolerando as pedaladas fiscais, mas de agora em diante não vamos mais tolerar'.
E fazer com que o governo assumisse o compromisso de não praticar mais. Senão,
você comete uma injustiça.
Então,
por isso, há esses atores que estão criando uma crise artificial, que provoca
instabilidade política e incertezas quanto ao futuro, com consequências graves
na economia: empresas se endividam mais por conta da elevação da taxa de câmbio
e têm de fechar diante de toda a incerteza. Isso vai criando desemprego.
Entendo
que esses atores aí, Aécio Neves à frente da oposição, ministro Gilmar Mendes e
Augusto Nardes estão provocando um desserviço ao Brasil. Estão conspirando não
apenas contra o governo, mas contra o país, porque as consequências dessa crise
política artificial na economia são graves, e quem mais perde é o povo, os
trabalhadores.
Como
o sr. vê a questão do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que vinha
como paladino da moralidade, agora está em uma situação ruim, com as provas
contra ele que surgiram na operação Lava Jato. Ele tem condição moral de
continuar o processo de impeachment?
Condições
morais ele não tem, mas existe uma cruzada moral imoralista. Lideres corruptos
querem se apresentar como paladinos da moralidade, e o Eduardo Cunha é um
desses. No entanto, ele tem a prerrogativa constitucional de dar encaminhamento
a um pedido de impeachment.
E ali há setores da oposição e setores do
governo que não se pronunciam a favor da retirada dele. Por exemplo, a própria
bancada do PT, mais de 20 deputados assinaram o pedido de abertura de processo
na comissão de ética, mas o líder do PT, Sibá Machado, disse que não vai se
pronunciar pela saída do Cunha. Então, tem todo um jogo de negociatas, e
Eduardo Cunha se aproveita disso para fazer barganhas junto ao governo e
barganhas junto à oposição. Porque, no fundo, a única coisa que Cunha quer é
salvar sua pele e seu mandato de presidente e parlamentar, que correm riscos
porque houve uma flagrante violação do decoro parlamentar na medida em que ele
mentiu na CPI da Petrobras. Declarou que não tinha contas no exterior e agora
foi comprovado. Isso não é mais denúncia, isso é comprovação. O MP da Suíça
comprovou que ele tinha contas naquele país.
Nesse
cenário, as elites jogam contra os interesses do país; por exemplo, estão
interessadas em mudar a lei de partilha do pré-sal, querendo entregar as
riquezas para as multinacionais. Como o sr. vê isso?
Há
um jogo de interesses. A política no Brasil, e com esses partidos que estão aí,
tornou-se um grande negócio. Os partidos dependem de financiamento de campanha
e os políticos ganham dinheiro, como se mostrou nessas negociatas da Petrobras.
Isso vale tanto para os partidos do governo, como para a oposição.
Na
medida em que a política se tornou um grande mercado de corrupção, esses
interesses trafegam pela política. No impeachment, há interesses econômicos por
trás. O fato é que a política brasileira precisa ter uma renovação radical,
porque ela está em uma descrença completa. As instituições não estão
legitimadas.
A
presidência tem uma avaliação positiva de 10% e o Congresso também. Os
partidos, 10%. Você vê que há uma deslegitimação das instituições. O dramático
de tudo isso é que diante dessa crise artificial não se vê um movimento no
sentido de fazer uma reforma política séria, de separar as negociatas. Quem é
amigo hoje vira inimigo amanhã e vice-versa. A população fica sem referências
políticas e morais diante da política que virou um sistema de degradação moral.
Mas
o STF se manifestou contra o financiamento de campanha por empresas. Já em
2016, não será possível esse tipo de recurso para os candidatos. Como o sr. vê
isso?
Acho
positivo. O STF passou a legislar, embora de forma indesejável, porque quem
deveria fazer uma reforma política é o Congresso, mas na medida em que o
Congresso não funciona, virou uma casa de negociatas políticas e de tráfico
político, o STF passa a legislar de certa forma ferindo o próprio princípio
republicano de separação de poderes. Infelizmente, essa é a situação.
O
STF, em grande medida, esta substituindo o Congresso no que diz respeito à
legislação, particularmente a política e eleitoral. Infelizmente, o país está
mergulhado nessa crise de não funcionalidade de suas instituições republicanas.
Por
que o sr. acha que o país chegou a essa crise institucional?
Os
motivos são variados e profundos. Desde o fato de que os partidos se acomodaram
em um sistema de benefícios econômicos próprios, de administração de seus
interesses, eles são financiados pelo setor empresarial, capturados pelo poder
econômico e, por outro lado, também tem recursos do Estado. Então, os partidos
viraram um sistema de negócios, pois capturam dinheiro do setor privado e
capturam dinheiro do setor público.
Pelas
denúncias você vê parentes de políticos financiados e assim por diante. A
política virou um grande negócio. Enquanto não se fizer uma reforma política
que bloqueie a mercantilização da política, vamos continuar nesse sistema.
E
que medidas o sr. defenderia para complementar a proibição pelo STF do dinheiro
de empresas nas campanhas?
Bom,
vejo que o fato de se estabelecer a proibição do financiamento privado não
necessariamente indica que não haverá caixa dois. Tudo indica que vai. Então, o
que tem de fazer é punir. Aparentemente, começamos um mínimo sistema de punição
das elites por meio da Lava Jato. Tem vários empresários na cadeia e alguns
políticos também. É preciso abrir as portas das cadeias para os políticos
corruptos entrarem. Assim, você vai acabar com a corrupção alimentada pela
impunidade.
Tem
um artigo seu no portal GGN no qual o sr. fala que a crise se estende até
2018...
Não
tem perspectiva. Continuando a Dilma, ela será um governo fraco e substituindo,
aparentemente a crise se agrava. Então, digo que a Dilma é um mal menor.
Tirá-la agravaria a crise. Acho que os setores democráticos não aceitariam um
golpe, pois o impeachment, no meu ponto de vista, agora é um golpe.
Na
época da UDN, ela era chamada de vivandeira dos quartéis, pois ela vivia
chorando na frente dos quartéis pedindo para que os militares interviessem. E
agora temos as vivandeiras dos tribunais. Aécio e sua turma são isso. Querem
que os tribunais substituam a vontade do povo que foi sacramentada nas urnas.
O
sr. concorda que estamos vivendo o terceiro turno há um ano?
Nem
é terceiro turno, pois é um golpe. É um inconformismo de Aécio Neves que é uma
pessoa aparentemente dotada do sentimento de egoísmo, do poder pelo poder, de
uma ambição absurda, e de uma pessoa que não se conforma pelos resultados
ditados pelo povo. É um elemento perigoso para a democracia brasileira.
Nessa
crise institucional, não estaríamos vivendo uma falta de liderança?
Com
certeza, um dos aspectos da crise atual é a completa falta de liderança. Por
que existe essa falta de liderança? Em primeiro lugar porque os partidos estão
degradados. Eles brigam não por interesses do povo, mas por interesses
próprios. O interesse particular dos partidos e dos políticos foi posto acima
do interesse do bem público. Só há lideranças autênticas quando elas lutam pelo
bem público.
Então,
esse é o elemento base. A corrupção de princípios, a corrupção financeira e
moral, elas degradam o sistema e impedem o surgimento de novas lideranças.
Existe
um divórcio entre a sociedade e a representação política?
Com
certeza, a sociedade não se reconhece nesse sistema político que está aí. A
sociedade não se reconhece nos partidos, nos governantes, no Congresso e,
portanto, essa crise de legitimidade é uma crise de longo prazo, cuja solução é
difícil. Difícil, também, pois não vemos o surgimento de um político virtuoso
que saiba conduzir o povo em outra direção, que saiba dar um rumo para a
situação política brasileira degradada pela crise moral.
Com
o Congresso discutindo retrocessos como o projeto de terceirização, entre
outros, o Brasil deixa de fazer as reformas necessárias, como por exemplo a
regulação da mídia e a reforma tributária. Essas reformas estruturais estão
descartadas para os próximos anos?
Acho
que sim. Esse Congresso é conservador e ele não se dispõe. Nem quando tinha o
peso da liderança de Lula se fizeram reformas profundas, com um Congresso até mais
progressista do que o que está aí. Faltou iniciativa política. Nesse sentido,
vejo que o PT tem bastante culpa no cartório, pois não fez a batalha pelas
reformas que são estruturantes para a redução da desigualdade no país.
Isso
mostra que não é possível governar para todos?
Você
tem de governar para todos, mas guiado pelo princípio da Justiça. O governante
é do país, da nação, mas ele tem de guiar suas ações pelo princípio da Justiça.
O erro que o governo Dilma cometeu foi a tentativa de criar um governo de um
projeto, de uma parte. Não se diz isso, o governante é de toda a nação. No
entanto, o que tem de guiar é o princípio da Justiça.
Então,
há uma confusão completa do que significa governar, ou governar com justiça e
assim por diante. Do meu ponto de vista, a condução que o governo vem tendo do
ponto de vista político é medíocre, tanto que o país está mergulhado em uma
situação ruim.
O
sr. vê semelhanças no que se passa hoje e na crise política enfrentada por
Getúlio Vargas, que o levou ao suicídio?
Nenhuma.
As circunstâncias são completamente diferentes. A crise que está aí foi criada
por fatores diferentes, e nesse sentido não dá para fazer uma comparação.
Naquela época tinha guerra fria, hoje não tem, existiam determinados fatores
conjunturais do país diferentes do que há agora. A esquerda ainda tinha moral,
e hoje ela esta enfrentando uma profunda crise. Está na defensiva, então vivemos
uma situação diferente.
Você
tem alguma proposta para recuperar a legitimidade do sistema político?
Em
primeiro lugar, teríamos de ter partidos verdadeiros, vinculados aos interesses
sociais. Não temos esses partidos. A reestruturação partidária e política não é
a saída. Então estamos quase em um beco sem saída, pois a crise é a longo prazo
e não vejo capacidade nos partidos e líderes que aí estão para fazer uma
mudança dessa envergadura.
Mas
enquanto a crise política é artificial, a econômica é real?
É
real, pois pessoas estão perdendo empregos, a inflação está alta, empresas
estão fechando, se endividando. O consumo cai. Esta é uma crise real, mas ela
vem sendo potencializada pela crise política.
Do
ponto de vista da economia, o ajuste fiscal poderia ter sido evitado?
Não,
ele é necessário. É preciso entender isso, e parte da esquerda não o faz. É
preciso, pois a dívida pública está aumentando muito. Se o país não contornar
esse crescimento, vamos entrar em uma situação de descontrole e a situação vai
ficar pior. Culpar Levy por essa situação me parece um absurdo. O que tem de se
discutir no ajuste é quem paga o ajuste fiscal. No entanto, houve uma
degradação fiscal do país no mandato de Dilma.
Os
empresários que tiveram grandes desonerações?
Sim,
mas foram dadas pelo governo. O governo errou no trato da energia, errou nas
desonerações, errou na concessão de bilhões em empréstimos através do BNDES e
quem está pagando essa conta é o povo. Isso não foi feito pelo Levy.
Como
o sr. vê a campanha da Fiesp contra impostos e contra a CPMF?
O
fato é que em parte, os empresários foram beneficiados, e agora a sociedade
sempre é contra o aumento de impostos. Os trabalhadores também são. Só que o
peso maior desse ajuste está sendo pago pelos trabalhadores, agora esse não é
um problema do Levy.
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