Na
tentativa de golpe branco em curso no país, o papel de liderança da grande
mídia salta aos olhos. O termo grande mídia diz respeito ao reduzido número de
poderosas corporações de imprensa que controlam os meios de comunicação, em
desacordo com determinações da Constituição de 1988 (carentes de
regulamentação), que proíbem monopólio ou oligopólio nesse setor. Algumas
dessas corporações - proprietárias, simultaneamente, de redes de televisão
aberta e fechada, emissoras de rádio (AM/FM), jornais, revistas e portais na
Internet- lideram, na esfera sociopolítica, sobretudo desde o início da
Operação Lava Jato, uma campanha de oposição ao governo federal, que tem
funcionado como alavanca-chave de poder do movimento de deposição da presidente
Dilma Roussef, por impeachment ou renúncia.
Essa
campanha da grande mídia articula-se com forças partidárias e do Congresso
Nacional, procurando fornecer legitimidade às ações da frente institucional da
coalizão do golpe branco, os políticos de oposição, o movimento parlamentar
pró-impeachment. A crise política está evidenciando como nunca o quanto a
concentração da propriedade da mídia compromete a igualdade política como
fundamento da democracia. No limite, é a disputa pela opinião pública entre
quem tem ou não voz, mesmo sabendo que o governo, formalmente, não é mudo. As
corporações midiáticas e seus aliados estão promovendo uma campanha desigual
contra um partido político e suas lideranças, cuja síntese é o movimento para
tentar derrubar uma presidente da República eleita a menos de um ano sem que
ela tenha cometido crime de responsabilidade. Isso tudo é tão danoso à
igualdade política democrática quanto o financiamento empresarial das eleições.
Uma outra regulação da comunicação política é fundamental para a democracia
brasileira evoluir.
A
grande mídia tem feito a cobertura da corrupção através de um sensacionalismo
seletivo e partidarizado, praticamente sem discutir suas causas. Ela se omite,
por exemplo, sobre a questão do financiamento empresarial de campanhas
eleitorais (só muito recentemente abolido da legislação). Não discute a relação
entre desigualdade política e captura do Estado pelo interesse econômico das
grandes corporações, sendo o financiamento empresarial da política um meio de
produção da síntese das duas primeiras variáveis e, assim, elo para a corrupção
ativa e passiva. Motivo da omissão: é preciso manter a política como uma
espécie de escrava a ser perversamente usada e maltratada pelo senhor, o poder
econômico. Motivo do sensacionalismo: corrupção é escândalo, gera audiência,
atrai anunciantes, vende jornal. Motivo do partidarismo: um partido de
esquerda, que promoveu mudanças sociais importantes em um dos países mais
desiguais do mundo, não interessa à coalizão neoliberal, do rentismo e da
financeirização, à qual a grande mídia se vincula. Combater a pobreza e, se
possível, a desigualdade social, tem custos que os supostos defensores da
sociedade meritocrática não querem bancar. A ideologia liberal informa a grande
mídia em relação a temas como inflação, juros, orçamento público, Estado,
políticas sociais e segurança pública. Por outro lado, corrupção é um mal a ser
universalmente combatido, doa a quem doer, mas a mídia tem abordado o problema
com a velha máxima: aos amigos, tudo, aos inimigos, a lei. Para Eduardo Cunha e
suas contas milionárias na Suíça, com recursos provenientes de desvios na
Petrobras, tolerância. Para o mensalão e trensalão tucanos, tolerância também.
E por aí vai.
A
pesquisa semanal do Manchetômetro evidencia a cobertura negativa que a mídia
tem feito de Dilma desde 2014. Há inúmeras evidências, algumas de grandes
proporções, de que se trata de um viés antipetista da grande mídia, pois
ocorreu discriminação contra Lula também nas três campanhas presidenciais em
que ele foi derrotado, 1989, 1994 e 1998, ou seja, quando, até então, o PT não
havia se envolvido em problemas de corrupção. Em 1989, a Rede Globo, por
exemplo, na reta final do segundo turno, em contexto de acirrada disputa entre
Collor e Lula, tomou partido ainda mais incisivo a favor do primeiro, conforme
assumiu em 2011 o ex-executivo da emissora, José Bonifácio de Oliveira
Sobrinho. Em 1994, a mesma emissora, que, sob pretexto de apoiar o Plano Real,
apoiava, na verdade, o candidato FHC, envolveu-se no escândalo da antena
parabólica, com o ministro da Fazenda. Em 1998, o Manchetômetro mostra que a
cobertura dos jornais na corrida presidencial apresentou mais conteúdos
contrários a Lula, então candidato de oposição, que a FHC, candidato à
reeleição. Em 2010, pode-se destacar o episódio da bolinha de papel arremessada
na cabeça do candidato José Serra, que disputava com Dilma Roussef, durante um
evento de campanha no Rio de Janeiro, em local escolhido criteriosamente pelos
autores do espetáculo farsante. O Jornal Nacional noticiou que Serra teria sido
agredido por um objeto contundente atirado por militantes petistas e, devido a
isso, precisou fazer exames médicos em um hospital. A armação foi desmascarada.
O fato inspirou um grupo de sambistas cariocas, liderados por Tantinho da
Mangueira, a comporem o hilário Samba da Bolinha de Papel. Em 2014, às vésperas
do segundo turno, a revista Veja antecipou a publicação de sua edição semanal e
estampou na capa, exibida também nas redes de televisão, fotos de Lula e Dilma
com a seguinte manchete, escrita em vermelho: "Eles sabiam de tudo".
O objetivo era vincular Dilma e Lula ao escândalo político-midiático que tem
sido a cobertura da Operação Lava Jato pelas corporações da radiodifusão e
imprensa.
A
campanha oposicionista da mídia não é contra a corrupção, é contra uma
agremiação partidária de esquerda. A recente cobertura da apreciação das contas
da União pelo TCU não dizia respeito a problema de corrupção, mas às chamadas
"pedaladas fiscais". No entanto, um arranjo de comunicação política
foi montado, com a colaboração de um politizado TCU, visando fazer da
divulgação do esperado resultado desfavorável à presidente da República mais um
gol espetacular da coalizão da deposição a ser exibido nacionalmente para a
audiência, em horário nobre. Desde a campanha eleitoral de 2014, que acabou
resultando na quarta vitória consecutiva de presidentes petistas, a pressão
oposicionista, sectária e golpista da mídia têm aumentado e não só servido de
suporte organizativo para contestações de rua e panelaços, como também,
indiretamente, para as manifestações de intolerância e ódio que estão ocorrendo
no país contra políticos petistas, lideranças de movimentos sociais,
intelectuais e eleitores do PT em geral. Trata-se de uma campanha contra a
esquerda enquanto ideologia social e política e organização. Fanáticos, por
assim dizer, falam em chavismo e bolivarianismo, chavões vocalizados na mídia
oposicionista, como se fossem heresias e associam o petismo a elas. Referem-se
a Cuba, onde empreiteiras brasileiras fizeram obras de infraestrutura, como se
fosse a pátria do anticristo. Obama que se cuide desses brasileiros, após ter
restabelecido relações diplomáticas com a Ilha!
Salvo
raras exceções, os meios de comunicação oligopolizados atacam, direta e
subliminarmente, a política e o Estado, deixando implícito que o mundo da
virtude é o mercado. Mas o fato é que, na esfera das relações econômicas em
mercados competitivos, as corporações, nacionais e internacionais, envolvem-se,
corriqueiramente, em ilicitudes de inúmeros tipos, fraudes contábeis,
manipulação de licitações públicas, cartéis, espionagem industrial,
concorrência desleal, sonegação fiscal etc. A Operação Zelotes, de fraudes com
dívida tributária envolvendo burocracia pública e grandes empresas, investiga
irregularidades que somam quase 20 bilhões de reais, mas os telespectadores
pouco sabem sobre ela. O que isso tudo tem a ver com o golpe branco midiático?
Quem endeusa o mercado, sobretudo estando em um país em desenvolvimento e
profundamente desigual, demoniza as forças que defendem políticas de
desmercantilização, mesmo que em todo o mundo capitalista desenvolvido elas
tenham sido implementadas. Essas políticas também existem no Brasil, mas os
neoliberais resistem à sua expansão. Quem endeusa o mercado cobiça uma
companhia mista do porte da Petrobras, acha um bom negócio comprá-la ou
vendê-la, ou, ao menos, que ela não exerça a função de operadora única do
pré-sal. Quem endeusa o mercado não se preocupa com política industrial, não
tem simpatia por bancos de desenvolvimento como o BNDES, não quer investir em
política externa independente, Mercosul, Brics etc. Na grande mídia, a
cobertura econômica tira o chapéu para os mercados desregulados. As políticas
desenvolvimentistas e sociais implementadas, com resultados positivos e
negativos, por Lula e Dilma, provocam visível repulsa nos porta-vozes dos
mercados, o oligopólio da radiodifusão e imprensa. Não à toa, emergiu em
estratos das camadas médias tradicionais uma crítica vulgar, por exemplo, ao
programa Bolsa Família.
Recentemente,
o jornalista Ignacio Ramonet, do Le Monde Diplomatique, afirmou o seguinte,
referindo-se à América do Sul: "Nos últimos 15 anos, todos os governos
progressistas que chegaram ao poder democraticamente na região vêm sendo
mantidos por via eleitoral. Nenhum deles foi derrotado nas urnas. Por isso, a
resistência à mudança vem sendo cada vez mais brutal, apelando para novos tipos
de golpes, alguns com fachada judicial, parlamentar, e sempre com forte ajuda
da mídia". Dois exemplos de golpe branco são a Venezuela, em 2002, e o
Paraguai, em 2012. O primeiro caso foi, inclusive, caracterizado de golpe
midiático, embora tenha fracassado. O assédio moral da mídia ao PT se dá de
várias maneiras: pelas críticas às políticas de seus governos e aos problemas
de corrupção, pelo modo de divulgação e precário nível de esclarecimento de
procedimentos de instituições de controle externo que podem ser prejudiciais ao
governo petista, como ocorreu na semana passada no TCU, pelas manipulações
políticas, algumas acima mencionadas etc. A mídia está meramente exercendo a
imprescindível liberdade de imprensa ou, sob esse guarda-sol, também a
liberdade de empresa interessada e o papel de partido político? Então, é
preciso regular melhor esse mercado de comunicação.
Em
um de seus trabalhos, o sociólogo Francisco Weffort argumenta que, quando a
mídia vai além da emissão de opiniões e parte para a ação, ela se comporta tal
como partido político, que possui ideias e atua para colocá-las em prática.
Assim ele avalia que atuou a grande imprensa brasileira em 1964. Se já no dia a
dia a mídia não emite mera opinião, mas juízos de valor, como fica para a
democracia se um pequeno oligopólio de meios de comunicação resolve mesmo
partir para a ação para depor um governo eleito? Obviamente, a mídia não é a
única força em jogo, não se trata disso. Em 1964, o desfecho foi o golpe
militar. Hoje, com instituições democráticas fortes, a opção do regime autoritário
está descartada, mas a síntese entre autoritarismo sociopolítico, crise
econômica, politização da ação técnica de alguns atores institucionais, em
vários órgãos públicos, oportunismo parlamentar e estabilidade da democracia
eleitoral pode ser, prevalecendo o interesse da coalizão liberal-conservadora,
com a grande mídia à frente, o golpe branco. Que a democracia brasileira
resista, dentro da lei, e não dê passagem a esse retrocesso vexaminoso! Que o
Congresso Nacional não se deixe aventurar pelo caminho da irresponsabilidade!
Que o STF garanta o respeito à Carta Magna! Que a sociedade brasileira enfrente
o problema da estrutura concentrada da mídia, para garantir condições mínimas
de igualdade democrática de produção e veiculação de informação e comunicação,
dentro da ordem capitalista e com plena liberdade de imprensa, como já fizeram
outros países sul-americanos e do norte desenvolvido!
*
Marcus Ianoni é cientista político, professor do Departamento de Ciência
Política da Universidade Federal Fluminense (UFF), pesquisador das relações
entre Política e Economia e Visiting Researcher Associate da Universidade de
Oxford (Latin American Centre)
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