Dilma pode sair do pântano da ingovernabilidade se
souber tirar proveito do tropeço dos seus adversários, e revisar os erros
cometidos por seu governo.
Darío Pignotti, de Brasília, para o Página/12 // www.cartamaior.com.br
Passear de porsche é algo divino, celestial. A
Justiça brasileira descobriu que Eduardo Cunha, o evangélico deputado que
lidera a missão de derrubar Dilma Rousseff por considerá-la antiética, comprou
dois Porsches Cayenne com o dinheiro obtido dos subornos do escândalo do
chamado “petrolão”. Um dos Porsches foi dado de presente à sua esposa, a
jornalista Cláudia Cruz, por quem talvez se apaixonou quando ela apresentava
telejornais na TV Globo. O inimigo público número um de Dilma lavou dinheiro
sujo desviado da Petrobras através de empresas de fachada como a Jesus.com e de
contas bancárias de uma das tantas igrejas neopentecostais dos pastores
televisivos que pregam uma moral torta e um fanatismo cego, hipócrita e
perigosamente antirrepublicano, por defender uma poderosa bancada de
congressistas reacionários e golpistas. Apenas mais um sintoma de regressão
democrática que ameaça o governo de Dilma e a institucionalidade da maior
democracia de América Latina.
Os detalhes dos delitos do deputado Cunha, demonstrados
por documentos que chegaram recentemente da Suíça – onde ele tinha escondido
milhões de dólares – foram divulgados na sexta-feira (16/10), três dias depois
de Cunha estar a um tris de iniciar o processo de “admissibilidade” do juízo
político – ou seja, o golpe contra Dilma. Cunha, do governista (ma non troppo)
Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), teve como aliado o Partido
da Social Democracia Brasileira (PSDB), liderado por Aécio Neves, o candidato
presidencial derrotado no segundo turno de 2014 por Dilma, por pouco mais de
três milhões de votos de diferença.
A avançada golpista programada para a terça parecia
inexorável, mas foi neutralizada no último momento pelo Supremo Tribunal
Federal, através de uma medida cautelar que freou, por enquanto, a trama
combinada entre Cunha e os homens de Aécio Neves. Essas duas derrotas
consecutivas do plano em favor do impeachment, através de decisões do Supremo,
e as provas que surgiram contra Cunha na sexta-feira, trouxeram um alívio
momentâneo ao governo.
Embora a ameaça desestabilizadora tenha sido
coibida, ela ainda promete continuar por meses, ou talvez anos, ainda que com
seus principais instigadores, Cunha e Aécio, desmoralizados – e, no caso de
Cunha, ameaçado por um processo que pode levá-lo à cassação.
Dilma pode sair do pântano da ingovernabilidade se
souber tirar proveito do tropeço dos seus adversários, e revisar os erros
cometidos por seu governo. Mas que ninguém espere milagres. A presidenta não
recuperará a popularidade perdida no curto prazo: somente 10% dos cidadãos a
apoiam. Também é impossível reativar imediatamente uma economia em recessão de
quase 3% em 2015. Sua gestão está sendo bastante questionada, mas ainda tem a
legitimidade democrática dada pelos mais de 54 milhões de votos. As pesquisas
manhosas induzem a pensar que mais de 60% dos brasileiros apoia o impeachment,
quando o certo é que o ativismo golpista se sustenta nas classes médias e
brancas, as quais roubaram as ruas da esquerda, com mobilizações que convocaram
milhões de indignados este ano. Não está demonstrado que essa rebelião
conservadora tenha seduzido os setores populares, que rechaçam o programa
neoliberal do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, que aumentou o desemprego,
reduziu salários e cortou os recursos de alguns programas sociais.
Recentemente, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da
Silva começou uma campanha para alterar os rumos do ajuste e promover a queda
de Levy – além de pedir a Dilma que não dê às costas aos seus eleitores, e não
insista num programa econômico similar ao que seria aplicado por um hipotético
governo de Aécio.
Com chapéu camponês, o ex-dirigente sindical
afirmou que está percorrendo o país, para recompor o diálogo com os movimentos
populares. Na terça-feira, o mesmo dia em que o golpe foi contido
temporariamente, Lula recebeu Dilma no Congresso da Central Única dos
Trabalhadores (CUT), onde houve gritos contra o impeachment e o que foi chamado
de “terceiro turno” eleitoral, algo que Aécio Neves vem tentando forçar desde
que perdeu o segundo turno do ano passado.
Além da mística do ato em si, onde esteve presente
o ex-governante uruguaio José Mujica, se observa que a presidenta ainda conta
com alguma margem de manobra para dialogar com a maior organização sindical
brasileira, cuja principal demanda é fim do ajuste. A partir de amanhã,
começará a ser revelado o futuro de Levy no Ministério da Fazenda, e o do
“peemedebista” Eduardo Cunha na presidência da Câmara dos Deputados. Com isso,
haverá mais claridade sobre o destino de um governo incerto.
Cláusula democrática da Unasul, garantia de
continuidade de Dilma
Prevendo uma terça-feira 13 fatídica, Dilma havia
denunciado, na quinta-feira anterior (8/10) a iminente tentativa de um “golpe
paraguaio”, em alusão à coreografia institucional que derrubou Fernando Lugo em
2012, quando ele foi sucedido por seu vice-presidente Federico Franco, após um
juízo sumário no qual se acusou o presidente democrático de ter violado a
soberania ao respaldar a cláusula democrática do Mercosul, entre outras coisas.
A comparação de Dilma com o caso ocorrido no
Paraguai teve diversas leituras.
Uma delas foi interpretá-la como uma acusação
indireta ao seu vice-presidente e líder do PMDB, Michel Temer, uma espécie de
Federico Franco brasileiro, dedicado há meses a criar intrigas, esperando que
alguma delas o leve à presidência.
Outra conclusão surgida da analogia com o caso
paraguaio foi que se o país guarani foi suspendido do Mercosul precisamente por
violar a cláusula democrática, essa jurisprudência poderia ser invocada por
alguns membros do bloco por não reconhecer um eventual governo brasileiro
ilegítimo.
Perante a ameaça de uma quebra institucional,
vários presidentes sul-americanos manifestaram seu respaldo à administração do
Partido dos Trabalhadores (PT), a quarta consecutiva desde 2003.
No dia 8 de outubro, enquanto Dilma alertava sobre
o risco de um golpe, na Argentina o candidato presidencial Daniel Scioli tomou
a decisão de viajar a Brasília. “Foi uma atitude importante, um gesto de
solidariedade com Dilma… nos momentos difíceis é quando vemos quem são os
amigos”, disse o assessor internacional de Scioli, Rafael Follonier, durante um
diálogo informal com este diário no Palácio do Planalto, na última terça.
Follonier foi também quem articulou dois encontros
recentes entre Lula e Scioli – o primeiro em abril, em São Paulo, o segundo há
um mês, em Buenos Aires.
Velho militante de esquerda, amigo de muitos anos
de Marco Aurélio Garcia, Rafael Follonier disse ao Pagina/12 que o respaldo
dado por Scioli a Dilma demonstra a afinidade que existe entre ambos e garante
a “continuidade” do projeto integracionista de “Néstor, Lula e Cristina”.
Antes de receber a delegação argentina, Dilma
conversou com o secretário-geral da Unasul, o colombiano Ernesto Sampar, que
defendeu sua permanência no cargo. Assim como no Mercosul, na Unasul “existe
uma cláusula democrática que prevê que se deve intervir para evitar que se
altere a ordem constitucional de forma brusca”.
Tradução: Victor Farinelli
Créditos da foto: Antonio Cruz/Agência Brasil
Nenhum comentário:
Postar um comentário
12