Não há dúvidas: a causa da maior tragédia do país
foi a redução de custos dos extratores, para entregar dividendos aos
acionistas.
Najar Tubino // www.cartamior.com.br
Sórdida é a política que defende seus interesses
acima da realidade dos brasileiros, que continuam sendo mortos no campo – 46
assassinatos, o maior número desde 2004-, da maior tragédia ambiental do país,
com a destruição de comunidades, do sustento da agricultura familiar que
povoava a região da bacia do rio Doce, dos ecossistemas que foram soterrados
pela lama tóxica e o PMDB elege o deputado federal Leonardo Quintão, de Minas
Gerais, que é o garoto propaganda das mineradoras, como líder na Câmara dos
Deputados. O relator do novo Código da Mineração é amigo do advogado Carlos
Vilhena, que no início de dezembro apareceu no noticiário nacional, por ser
responsável por acrescentar trechos do novo código. O advogado diz que sua
participação foi voluntária, que é militante do setor mineral, além de
integrante do escritório Pinheiro Neto, especialista em direito ambiental, que
defende a Vale e a BHP.
A tragédia provocada pela mineradora Samarco,
empresa que em 2022 pretendia dobrar de valor no mercado – e teve lucro de
R$2,8 bi em 2014- faz parte da crônica da morte anunciada, assim como tantos
outros eventos ocorridos no Brasil. No ano passado a mineradora inaugurou sua
quarta usina de pelotização em Ponta de Ubu, no município de Anchieta (ES). O
minério segue por 400 km no mineroduto – a empresa têm três minerodutos. A
produção aumentou 37% com a nova usina, para 30,5 milhões de toneladas de
pelotas. Desde 2013, a mineradora Samarco acompanha a tramitação de uma licença
ambiental para o “Alteamento da Unificação das Barragens Germano e Fundão”, na
Secretaria do Meio Ambiente Sustentável, de MG.
A Samarco trabalhava na unificação das barragens
O fato foi noticiado na segunda semana de dezembro
como se fosse uma novidade. A última vistoria sobre o processo foi realizada em
11 de junho de 2014. A área atingida seria de 831,29ha, parte de mata nativa
que seria detonada. O empreendimento, como diz o documento da Secretaria
mineira está localizado a 2,7km do Parque do Gandarela, a única região ainda
livre das mineradoras. Então, os especialistas perguntam: qual será a causa da
tragédia? A barragem de Germano estava esgotada desde 2009, com 200 milhões de
m3 de rejeitos. Precisavam alargar essa área, subir a barreira de 920 para
940m, e continuar jogando rejeito. A Vale tinha uma tubulação que distribuía o
rejeito do Complexo da Alegria direto na Barragem do Fundão. O Departamento
Nacional de Pesquisa Mineral, que fiscaliza o setor mineral, não sabia disso.
Mais: o DNPM logo depois da tragédia disse que a
Vale em 2014 jogou 28% do rejeito acumulado no Fundão. A Vale tinha licença
para despejar 5%. E logo depois do anúncio do DNPM pediu uma revisão dos
números do órgão estatal. Essa é uma tática dos extratores, que assim como as
petrolíferas, cooptam os setores fiscalizadores do Estado, entregam doações –
caminhões, ambulâncias, equipamentos hospitalares – para demonstrar sua responsabilidade
corporativa, suas metas do milênio da ONU. Depois vão colocar sua rede complexa
de advogados especialistas para pagar o menor volume possível de indenizações.
A British Petroleum, responsável pela tragédia do
Golfo do México em 2010 assinou em outubro de 2015 um acordo comm a
Procuradoria Geral dos Estados para pagar 20 bilhões de dólares de indenizações
pelos prejuízos. Pagou US$1,8 bi para os pescadores estadunidenses, mas deixou
25 mil mexicanos de fora – porque o governo de Felipe Calderon não processou a
petrolífera. Os moradores ainda sofrem de depressão e ansiedade no Golfo do
México – 20% da população segundo estudo da Universidade da Flórida, juntamente
com três outras universidades. Entretanto, a petrolífera já têm prontos estudos
que comprovam que não há dano permanente na região. Quarenta e oito mil pessoas
foram afetadas por trabalharem na limpeza da lama oleosa e fétida, com produtos
químicos contaminantes.
Laudo Técnico Preliminar do IBAMA
A batalha será longa no Brasil. Li o Laudo Técnico
Preliminar da Coordenação Geral de Emergências Ambientais do IBAMA, que chegou
à região do rio Doce dia 17 de dezembro para avaliar os impactos do
soterramento. A lama tóxica carregada de metais pesados – cádmio, chumbo,
cobalto, níquel, entre outro, além de arsênio matou os moradores, peixes e aves
por asfixia. O ecossistema da Bacia do rio Doce, já detonado por constantes
agressões ambientais – em Governador Valadares a vazão estava em 60m3 por
segundo ao invés de 170 como seria o normal- e pela seca, mesmo assim mantinha
uma quantidade enorme de espécies de peixes, aves e mamíferos.
O grupo de analistas recolheu 7.410 peixes
moribundos, de 21 espécies – no rio Doce são 80 espécies, 11 consideradas em
risco de extinção e 12 endêmicas. Muito pior: em 1º de novembro começa o
período de piracema na região, que se estende até 28 de fevereiro. Os peixes
sobem o rio para desovar. Os técnicos do IBAMA encontraram curimbatás com 800
gramas de ovas, 640 mil ovócitos, e alguns peixes pesando mais de 25 quilos,
que ninguém imaginava que ainda existisse no rio Doce. A coleta foi realizada
apenas em 150 km – a lama percorreu 663,2 km- do Baixo Gundu até Linhares, na
foz. A maioria dos peixes da região é de pequeno porte, e muitos se deterioram
rapidamente ou sequer vieram à tona. Daí saía o sustento de 1.249 pescadores
profissionais de 41 municípios. Sem contar os outros moradores que tinham a
possibilidade de pescar para consumo próprio.
Mercúrio utilizado no garimpo durante décadas em
Mariana
Além da destruição total das comunidades, dos
contaminantes que a lama fétida disseminou na região, os técnicos do IBAMA
ainda comentaram outra variante da tragédia. A região de Mariana é um garimpo
de ouro histórico, ainda hoje existe garimpagem no rio do Carmo. Significa que
o mercúrio usado na separação do ouro do dolo e de outros materiais durante
décadas – ele permanece no ambiente mais de 100 anos – que estava no leito do
rio e de outros córregos, ou nas bordas em plantas, foi novamente colocado em
suspensão.
“- Mesmo que os estudos e laudos indiquem que a
presença de metais não esteja vinculada diretamente à lama de rejeitos da
barragem do Fundão há de se considerar que a força do volume do rejeito lançado
quando do rompimento da barragem provavelmente revolveu e colocou em suspensão
os sedimentos de fundo dos cursos d’águas afetados, que pelo histórico de uso e
relatos na literatura já continham metais pesados”, diz o Laudo Técnico
Preliminar do IBAMA.
Para complementar: “o revolvimento possivelmente
tornou tais substâncias biodisponíveis na coluna d’água ou na lama ao longo do
trajeto alcançado, sendo a empresa Samarco responsável pelo ocorrido e pela
consequente recuperação da área”.
A CPI do Pó Preto
E aqui temos outra questão: os rejeitos tóxicos
terão que ser retirados do local, pois os próprios técnicos constaram até um
metro de lama em algumas áreas. Para onde levarão os rejeito? A própria
construção da barragem de rejeitos, com os próprios contaminantes já é uma
estratégia barata das empresas, para não resolver a questão do que sobra do
processo, que é um volume absurdo, perto do que é aproveitado.
Menos de um mês antes do soterramento nos afluentes
Gualaxo do norte e do Carmo e depois em quase todo o rio Doce, em Vitória e na
região metropolitana, a população participava da CPI do Pó Preto na Assembleia
Legislativa, que entregou o relatório final no dia 7 de outubro. Trata-se do
impacto na ponta final do processo de extração – a transformação do minério em
pelotas, ou a fundição para produzir o aço. Em Vitória e Anchieta, a Vale têm
oito usinas de pelotização, mais as quatro da Samarco e duas siderúrgicas da
Arcelor Mittal. A Vale tem o maior terminal portuário de ferro e pelotas do
mundo em Tubarão, na parte continental de Vitória.
O pó preto segue matando no Espírito Santo
O pó preto é liberado na atmosfera, carregado de
ferro, manganês, enxofre, são partículas finas, algumas menores do que 2,5
micrometros, que entram nos alvéolos pulmonares e provocam infecções de todo
tipo. Mais do que isso, também aumentam a incidência de doenças
cardiovasculares, como infarto e AVC. Uma pesquisa da Secretaria Municipal de
Vitória entre 2005 e 2009: o pó preto era responsável por 26% das internações por
doenças respiratórias em menores de cinco anos; 25% das internações por doenças
respiratórias em maiores de 60 anos e 22% das internações por doenças
cardiovasculares em maiores de 45 anos.
A organização Mundial de Saúde já constatou que a
poluição por material particulado de pequena dimensão tem impacto sobre a saúde
mesmo em concentrações muito baixas. As empresas se baseiam em uma resolução do
CONAMA de 1990 para liberar o pó preto. Em 2013, o governo estadual baixou um
decreto para definir os limites. Os índices são o dobro do permitido pela OMS.
Os representantes da Vale na CPI do Pó Preto declararam que a empresa é
responsável por 15,8% da poluição e a Arcelor Mittal por 5%.
As recomendações da CPI incluem construção de
hospitais, inclusive com UTI infantil, e o enquadramento dos rejeitos
atmosféricos nos padrões da OMS. As empresas querem até 15 anos para se
adaptarem. No dia 1º de dezembro no Vale Day, em Nova York o presidente da
mineradora Vale, Murilo Ferreira disse que a empresa se isenta de responsabilidade
legal pelo desastre. Já o diretor executivo de finanças, Luciano Pires disse
que a empresa tinha duas conquistas em 2015: a entrega de projetos e a
expressiva redução de custos. Ele lamentou o soterramento em Mariana, mas diz
que a Vale tem o compromisso de tornar o rio Doce melhor.
A causa da maior tragédia do país foi a redução de
custos dos extratores, para entregar dividendos aos acionistas. Sobre o resto,
contarão com seus aliados políticos, que eles pagam e com a complacência da
justiça, que é muito eficiente, quando tem a oligarquia da mídia do seu lado. E
retrógrada e tardia, quando se trata de corporações bilionárias.
Créditos da foto: Rogério Alves/TV Senado
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