O fato é que está se delineando
um novo quadro político no país, uma espécie de 'luz ao final do túnel' como há
muito não se via.
Francisco Fonseca - Prof. da
FGV/Eaesp e PUC/SP // www.cartamaior.com.br
Embora a conjuntura política
brasileira permaneça extremamente fluida desde o início do ano, com lances e
contralances diversos em distintas direções, os acontecimentos da última semana
aparentemente são promissores ao Governo Dilma, uma vez que ganhou musculatura
para virar a página das crises intermináveis que estamos vivenciando
dramaticamente.
Mesmo correndo-se o risco de a
análise abaixo ser abalroada pela multiplicidade de atores, pontos de veto e
novos lances, o fato é que está se delineando um novo quadro político no país,
uma espécie de “luz ao final do túnel” como há muito não se via.
O conjunto de fatos – conjugados
– a seguir apontam nessa direção, embora não sem contradições:
1) Do ponto de vista
institucional: a decisão do STF de revogar essencialmente as deliberações dos
golpistas no Congresso, lideradas por Eduardo Cunha, com toda sorte de
manobras, atentados ao regimento e sobretudo à Constituição traz, sem dúvida,
alento para se barrar o “golpe parlamentar” em andamento desde a divulgação do
resultado eleitoral que proclamou Dilma presidente da República. Embora algumas
decisões do STF, caso do modus operandi de todo e qualquer processo de
impeachment, sejam questionáveis, notadamente quanto ao quórum da Câmara e do
Senado à admissibilidade e julgamento do chefe do Executivo, assim como o fato
de manter na presidência da Câmara um parlamentar (Cunha) cujas provas
materiais – apontadas o procurador-geral Rodrigo Janot – são inquestionáveis a
ponto de intitulá-lo como “chefe de quadrilha”: apesar dessas, e outras
contradições, o fato é que a manobra golpista de Cunha, Temer e parte do PMDB,
do PSDB/DEM e outros, foi derrotada nesse momento. Não bastasse isso, espera-se
que as Operações Lava Jato e Zelotes, entre outras, em algum momento cheguem ao
PSDB/DEM/Mídia, uma vez que profundamente enlameados, em distintas situações,
com mecanismos ilegais, conforme diversas evidências vêm apontando, embora sem
ações institucionais efetivas até o momento.
2) Do ponto de vista das forças
políticas partidárias, a clareza do golpismo de Temer, que borrou sua história
de maneira inexorável, condenando-o definitivamente ao esquecimento; a agonia
de Cunha, cujo processo de cassação de seu mandato finalmente avançou no
Conselho de Ética, e cuja perda do mandato e quiçá prisão está por poucos meses
(embora sua liberdade e poder no Parlamento jamais possam ser desconsiderados);
a potencial fragilização de Renan, em razão da quebra do sigilo fiscal e
bancário pelo STF, cujas consequências políticas ainda são desconhecidas; e a
obtusa atuação do PSDB, do DEM, e de figuras patéticas como Paulinho da Força e
tantos outros cuja estatura política nunca houve ou vem derretendo
inexoravelmente. Todos esses aspectos são de extrema importância no sentido de
compreender que o golpismo parlamentar não tem votos suficientes para o
impeachment – o que não significa que não poderá ter –, assim como ancora-se na
representação minoritária, expressa nas ruas, dos grupos conservadores e
reacionários. Deve-se ressaltar que tal pensamento é, em termos de organização
política, minoritário no país, mas que fora amplificado pelo golpismo
midiático.
3) Do ponto de vista dos
aparelhos ideológicos midiáticos, há claro esgotamento das pautas e do modus
operandi dos grandes jornais, revistas e mesmo das emissoras de canal aberto,
que perdem audiência a olhos nus. O mau caratismo golpista explícito tem como
síntese a tentativa obtusa de colar a imagem do empresário Bumlai como “amigo
de Lula”. Em outras palavras, se não se consegue incriminar o ex-presidente,
tenta-se fazê-lo por pessoas próximas ou supostamente próximas: o “filho de
Lula”, a “neta de Lula” e, agora, o “amigo de Lula”. Aparentemente essa
estratégia está chegando ao seu limite, embora um sem-número de “inocentes
úteis”, mesmo que decrescentes, acreditem piamente na grande mídia. Deve-se
lembra que alguns de seus títulos, notadamente o principal deles em termos de
panfleto político, a “revista” Veja, é pré-falimentar.
4) Do ponto de vista social,
fundamentalmente a mobilização de diversos segmentos importantes da sociedade
brasileira politicamente organizada, tais como juristas, professores,
sindicatos, entidades de classes e outras, mas sobretudo as manifestações
populares, é crucial na atual conjuntura. Nesse sentido, não apenas o maior
número de manifestantes pró-legalidade – cujos atos ocorreram no dia 16/12 –,
mas sua representatividade e diversidade, demonstraram a força da sociedade
brasileira cuja democracia política e social são valores essenciais. Não
bastasse isso, as manifestações dos grupos de classe média tradicional – a
chamada “classe média burguesa” – vêm diminuindo de maneira vigorosa, no limiar
da desidratação, como pode ser observado no ato do dia 13/12, data funesta à
democracia brasileira por coincidir com o famigerado AI-5. A simbologia desta
data não poderia ser mais significativa, mas fundamentalmente demonstra o “tiro
curto” de lideranças de movimentos como MBL, Vem Pra Rua e outros, cada vez
mais reduzidos à insignificância política da qual são portadores, pois, além do
mais, tinham em Cunha (!) seu esteio anticorrupção! A ascensão de movimentos
partidários, sociais e populares, legalistas e de esquerda, que passaram a
superar suas divergências em nome da manutenção do mandato legal de Dilma, e
compreenderam que muito além do impeachment da presidente o que está em jogo é
a democracia política – o que inclui direitos civis –, social e trabalhista, e
a própria agenda de esquerda no país: tal ascensão torna-se sustentáculo da
democracia e, nesse momento, do mandato de Dilma.
5) Por fim, do ponto de vista
econômico a celebrada saída do ministro Levy e sua substituição pelo então
ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, aponta finalmente para a virada
macroeconômica, isto é, mesmo que paulatina, a mudança de rumo quanto ao
desenvolvimento do país poderá finalmente se fazer, suplantando parcialmente o
rentismo em prol dos mais pobres e dos que vivem do trabalho.
É claro que não se pode desprezar
a “República de Curitiba” do juiz Moro, com suas infindáveis “delações”
premiadas seletivas, igualmente vazadas de forma seletiva pela mídia golpista,
assim como surpresas antigovernistas da Procuradoria Geral da República (Janot)
e do próprio STF, TSE e TCU, entre outros. Da mesma forma, a unidade em torno
do golpe do PSDB e da Fiesp. Também o PIG, embora já se saiba como se dá sua
atuação, sempre poderá, em parceria escusa com membros de instituições
judiciárias, produzir novas “bombas” acusatórias e persecutórias que, embora
destituídas de comprovação, dominam o “noticiário” político: eufemismo e nome
fantasia de manipulação grosseira e grotesca.
Contudo, como procurou-se
argumentar, o conjunto de fatores conjugados – reitere-se –, e, no interior
deles, a mobilização social de legalistas, democratas e da esquerda, é
aspecto-chave, e que precisa perdurar, para a derrubada do golpe, reordenação
das forças políticas e nova política macroeconômica de desenvolvimento,
derrubando-se consequentemente a “agenda retrógrada” que prospera no Congresso.
A partir daí um outro governo Dilma pode emergir, virando paulatinamente à
esquerda, o que implica enfrentar os grandes poderes, radicalizar a democracia
e sustentar/ampliar direitos políticos, civis, sociais e trabalhistas.
Não se trata de otimismo, e sim
de tentativa de compreensão da realidade por meio de fenômenos que se
articulam. Afinal, como nos ensinou Maquiavel, para “mudar a realidade deve-se
compreendê-la realisticamente e agir igualmente de forma realista”! Isso não
significa excesso de pragmatismo, tal como desenvolvido desde o Governo Lula, e
sim compreensão da realidade para alterá-la, o que implica colocar os sonhos,
transformados em projetos políticos, em ação! Para tanto, novas correlações de
força hão de se desenvolver, notadamente as que têm como base os pobres e os
trabalhadores, tal como demonstrado pelas manifestações do dia 16/12.
Créditos da foto: Marcelo Camargo
/ Agência Brasil
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