Por André Araújo // http://jornalggn.com.br/
A impressionante má qualidade da
atual Constituição não foi ainda devidamente ressaltada pela história política
brasileira. A 6ª constituição do País é, de longe, a pior pela sua completa
ausência de base conceitual, um hibrido de presidencialismo com
parlamentarismo, sem os alicerces de sustentação de cada um desses modelos. Na
cobertura dessa falta de alicerces, um telhado de temas inteiramente alheios a
uma Constituição, há nela matérias de leis ordinárias, de regulamentos que
deveriam ser tratados por decretos, de regras administrativas de terceiro
nível, de detalhes de direitos trabalhistas que caberiam em portarias de
Ministério.
Há normas de funcionamento de
órgãos que jamais poderiam entrar em um sistema constitucional. Como muro
circundante de todo esse edifício, uma interminável lista de direitos de todo
tipo e categoria, sem especificar quem é a parte concedente desses direitos de
tudo e para todos. Para completar o quebra-cabeça, grande parte dos temas
depende de lei ordinária a ser elaborada no futuro sem data.
Como fecho geral, a criação de um
poder independente além dos três Poderes clássicos do Estado democrático de
direito, um Ministério Público como poder de direito e, de fato, sem que se
saiba qual a fonte originária desse poder novo, que nas grandes democracias é
uma função e não um Poder no mesmo nvel que os demais três poderes.
A Constituição deu um peso muito
maior a direitos de minorias do que à construção de um Estado Nacional como
força unificadora de toda uma população. O Estado é a síntese das raízes da
formação do povo como nação’, mais os interesses do total da população atual,
mais as expectativas de sobrevivência das gerações futuras. Esse Estado é o fim
maior, máximo, de uma Constituição, não direitos transitórios e detalhados,
cuja capacidade de serem concedidos nem foram cogitados pela Constituição.
A Constituição é tão defeituosa e
imperfeita, que antes de completar trinta anos está sendo remendada
continuamente por Emendas uma atrás da outra, transformando-se em colcha de
retalhos de cada vez mais difícil interpretação e quando leis, da maior à
menor, necessitam muita interpretação se engrandece desmedidamente o poder do
Supremo Tribunal Federal em detrimento dos demais poderes.
O descaso com a construção do
Estado Nacional se reflete hoje no enfraquecimento geopolítico do Pais, que não
consegue se impor sequer na sua vizinhança. Ninguém teme o Brasil, e o Estado
que não é temido não é respeitado.
A afirmação do Estado Nacional não
é cogitada como algo necessário. Promíscuas colaborações de agentes do Estado
brasileiro com o Departamento de Justiça dos EUA são oferecidas gratuitamente
para se voltarem no momento seguinte contra o próprio Estado que sustenta esses
agentes, sem que estes atentem quais os interesses geopolíticos do Estado
brasileiro. Um país periférico, como a Bolívia, ousa nacionalizar propriedades
de uma estatal brasileira sem nenhum receio de represálias, algo que o Império
e a República na sua formação jamais tolerariam. O Brasil é convidado a ser um
dos participantes de Conferência Internacional de potências sobre a questão
síria, sem que respondesse afirmativamente, sendo o Brasil o país onde vive a
maior diáspora síria entre todos os países do planeta.
Absteve-se de participar de um
momento crucial de seu fortalecimento geopolítico, como país-potência,
enquanto, ao mesmo tempo, pleiteia ser membro do Conselho de Segurança, como se
isso fosse apenas uma posição honorífica e não implicasse em responsabilidades
ativas de ser um player das questões globais, correndo riscos e definindo
posições claras e assumindo suas consequências.
Essa afirmação do Estado Nacional
é afastada hoje, mais do que nunca, pela transferência de importante parcela do
poder político do Congresso para o Poder Judiciário e para o Ministério
Público, ativos como nunca em ocuparem vácuos de poder que foram abandonados
pelo Executivo e pelo Legislativo. Essa invasão de competências pela máquina
judiciária significa um esfacelamento do Estado Nacional cada vez menos
poderoso e mais esfacelado em ilhas de poder que ocupam espaços, que desde a
formação do Estado, em 1822, foram detidos pelo Chefe de Estado.
Hoje, o eixo das decisões
cruciais sobre o futuro do País foi transferido para o Poder Judiciário sob o
olhar apalermado, frouxo e passivo dos demais poderes, conformados em terem
suas vidas reguladas por decisões que não vem de Brasília.
Não haverá futuro para a grande
população brasileira com um Estado fraco e indeciso, essa será a grande questão
nacional dos próximos anos. A reação contra a desintegração do Estado costuma
ser violenta. Getúlio, em 1937, e as Forças Armadas, em 1964, reagiram a esse
enfraquecimento com medidas fortes porque há uma capacidade reativa latente que
pode irromper a partir dessa percepção de que o Estado Nacional está afundando.
A única instituição que tem plena
consciência da importância do Estado Nacional são as Forças Armadas, treinadas
exatamente para defender a integridade desse Estado, do qual foram formadoras ancestrais
juntamente com a Coroa Portuguesa e a Igreja Católica. Vale registrar a
profunda revolta do Exército com a irresponsável criação referendada pelo STF
da Reserva Indígena Raposa do Sol, em plena área de fronteira, algo que só o
desprezo pelo Estado Nacional pode conceber, tal a leviandade dessa decisão sem
pé nem cabeça, sem lógica econômica ou social.
Na realidade, o substrato da
Constituição de 88 foi criar uma barreira anti-militar como reação ao regime de
1964. Erraram na dose, criaram uma usina de direitos infinitos e nenhum dever.
O resultado está nesta crise absurda, em grande parte produto dessa
Constituição que montou uma plataforma onde qualquer Presidente jamais terá
base parlamentar própria e, para tentar governar, precisa se compor com duas ou
três dezenas de partidos, retalhando em pedaços um Governo que não funcionará
com um mínimo de organicidade e eficiência.
A esse monstrengo, um político
medíocre denominou de "Constituição-cidadã", muito bonita. Mas se
esqueceram que uma Constituição precisa de um Estado para sustentá-la.
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