http://www.brasil247.com/ // BRENO ALTMAN
A primeira ofensiva do
conservadorismo, depois de 2002, foi durante a crise do chamado
"mensalão", de 2005 em diante.
O alvo imediato da coalizão entre
a velha mídia e os setores mais reacionários, incluindo parte da base
governista, era o ex-ministro da Casa Civil, José Dirceu.
De lambuja, vinha a expectativa
de criar as circunstâncias necessárias para o impedimento presidencial ou até
sua renúncia.
Não se tratava apenas de golpear
a principal liderança orgânica do PT e da esquerda, além de possível sucessor
de Lula em 2010. A meta também era quebrar a coluna vertebral da agremiação e
desorganizar seu núcleo dirigente.
O presidente Lula e seu partido,
no entanto, decidiram evitar o confronto proposto por seus adversários. Dirceu
foi decapitado e entregue à própria sorte, ainda que parte importante da
militância de esquerda tenha, ao longo do tempo, se mantido solidária.
Imperou a ideia de que o
"republicanismo" - parido pelo conceito do Estado como terreno
neutro, no qual as instituições não devem ser disputadas a ferro e fogo, ao
contrário do que sempre fizeram as classes dominantes - permitiria compensar o
sacrifício do principal general petista, além de outros dirigentes históricos,
pois neutralizaria o impacto das denúncias entre as camadas médias e amenizaria
a voracidade das tropas inimigas.
Mais refinadamente,
"republicanismo" expressava a busca por uma zona de intersecção que
amenizasse o choque de classes e programas. Intento fracassado: os governos
petistas abdicaram, por exemplo, de investigar as privatizações tucanas e
deixaram seus oponentes confortáveis, liberados para operar organismos
supostamente republicanos e lançar prolongada guerra de desgaste contra a
esquerda.
O fato é que, no episódio do
"mensalão", o governo teve sucesso ao avançar na construção de uma
política desenvolvimentista para romper o cerco conservador, o prestígio
acumulado desde os anos oitenta ainda era muito elevado e Lula foi reeleito
presidente da República.
No entanto, como dizia o
ex-prefeito de Santos, David Capistrano Filho, nem tudo que dá certo, ou pareça
certo, está certo.
O conservadorismo perdeu
sucessivas eleições presidenciais, porém se deu conta de algo essencial: o PT
tinha plano de governo, mas não era um partido vocacionado a lutar, com todas
as suas implicações, pela transferência do poder de Estado às classes sociais
das quais nasceu como principal representação.
Lula e seus correligionários não
estavam dispostos a correr riscos, provocados principalmente pela situação de
minoria da esquerda no parlamento, para reformar o sistema político, democratizar
os meios de comunicação, disputar a hegemonia nos aparatos repressivos e
judiciais, levar a cabo uma potente batalha político-ideológica contra as
oligarquias ou mobilizar o povo como principal fator de governabilidade.
O esgotamento do modelo econômico
impulsionado a partir de 2006, depois do afastamento de Antônio Palocci do
Ministério da Fazenda, contudo, acabou por criar as condições para nova
ofensiva restauradora.
De uma investigação pontual e
fortuita sobre o doleiro Alberto Youssef, emergiu a Operação Lava Jato e veio
se consolidando o instrumento fundamental para desestabilizar o projeto
encarnado pelo petismo.
A partir de fatos concretos
indicando corrupção na Petrobras e no sistema de financiamento eleitoral, um
festival de ilegalidades e manipulações fez a escalada conservadora subir de
patamar, repetindo o contubérnio da AP 470 entre grupos de mídia, setores do
Ministério Público, pedaços do poder judiciário e frações da Polícia Federal.
A República de Curitiba, ao mesmo
tempo que poupa a oposição de direita nas investigações sobre desvios e doações
eleitorais, anima o golpismo contra a presidente Dilma Rousseff, mira o
ex-presidente Lula e almeja a própria cassação do PT.
A direita se sente à vontade,
porque tem na sua conta que o PT ladra, mas não morde. E que o governo liderado
pelos petistas nem sequer ladra.
Até agora não se viu ou ouviu,
por exemplo, qualquer gesto público da presidente ou seus ministros contra
atropelos e abusos para incriminar, a qualquer custo, o operário cuja
popularidade tornou possível a dupla vitória eleitoral da ex-guerrilheira.
As proporções do ataque atual são
muito superiores às do "mensalão", mas o Palácio do Planalto responde
com o aprofundamento do "republicanismo" que faz a alegria das forças
reacionárias.
Não há embate político a sério,
não se pune funcionários do governo que violam estatutos de sua própria
corporação, não se enfrenta a mídia, não se fala ao povo sobre o que está em
jogo com o cerco ao maior líder histórico da classe trabalhadora.
O que prevalece é a lenga-lenga
sobre feitos governistas para garantir autonomia das investigações, como se
isso fosse a questão mais relevante em curso.
Marx dizia que a história se
repete como farsa. Sorte a dele que não conhecia o país da jaboticaba. Aqui a
história pode se repetir como tragédia ao quadrado.
A postura de 2005 custou a cabeça
de personagens centrais da geração de resistência à ditadura e da construção do
PT.
Sua repetição, nos dias que
correm, pode levar de roldão a principal obra política do povo brasileiro desde
a derrubada de João Goulart.
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