Por Altamiro Borges //http://altamiroborges.blogspot.com.br/
Não foi só Aécio Neves, o
cambaleante tucano, que até hoje não engoliu a surra nas urnas em outubro de
2014 - a quarta consecutiva da oposição neoliberal no país. A mídia
monopolista, controlada por sete famílias feudais, também não se conforma com a
derrota. Ela fez de tudo para desgastar o governo Dilma e para blindar o
senador mineiro-carioca, mesmo desconfiando do seu estilo playboy. A capa
criminosa da “Veja”, a revista do esgoto, na véspera do segundo turno, foi o
ápice desta cruzada para evitar a reeleição da petista, servindo de panfleto
aos cabos eleitorais do presidenciável do PSDB. O nível das baixarias da
campanha eleitoral já indicava que a guerra midiática era um caminho sem volta,
que a partidarização da mídia chegara a um ponto de não-retorno.
A expressão de desalento de
Willian Bonner ao confirmar a derrota de Aécio Neves na telinha da TV Globo foi
a senha do que viria na sequência. Desde a sua posse para o segundo mandato, em
janeiro de 2015, Dilma Rousseff não teve um segundo de paz e tranquilidade. A
mídia partidarizada pautou as siglas da oposição, que se transformaram em meros
apêndices – sem vida própria, sem rumo e sem projeto para o Brasil. O show
pirotécnico da Operação Lava-Jato, com suas prisões arbitrárias, suas “delações
premiadas e premeditadas” e seus vazamentos seletivos, virou o aríete dos
moralistas sem moral. Não é para menos que o juiz-carrasco Sergio Moro ganhou
as capas das revistonas e foi premiado como “o brasileiro do ano” pela
imaculada famiglia Marinho.
A mídia ressuscitou o moribundo
Tribunal de Contas da União (TCU), que nunca teve espaço em seus veículos, com
o intento de fustigar o governo reeleito. Ela também deu guarita aos ministros
do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para questionar as contas da campanha
vitoriosa. Além de utilizar os aparatos de hegemonia do Estado, ela instigou os
recalcados com os avanços sociais a rosnarem pelo impeachment de Dilma e pela
volta dos militares ao poder. Jornais, revistas e emissoras de rádio e
televisão convocaram escancaradamente as quatro marchas golpistas do ano
passado. Após chocar o ovo da serpente durante vários anos, a mídia conseguiu
tirar os fascistas do armário e lotar as ruas numa cruzada conservadora e de
ódio sem precedentes na história recente do país.
“Sangrar” Dilma e “matar” Lula
Essa cavalgada golpista, porém,
não conseguiu depor o governo democraticamente eleito pela maioria dos
brasileiros. No final do ano, a oposição midiática e partidária sofreu duros
revezes. O herói dos fascistas mirins, o correntista suíço Eduardo Cunha, foi
desmascarado na sua manobra diversionista para escapar da cassação e da prisão.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) finalmente pediu seu afastamento da presidência
da Câmara Federal. Já o Supremo Tribunal Federal (STF), atendendo a uma
solicitação da bancada do PCdoB, abortou a sua “comissão especial do
impeachment”. Para fechar o ano goleando a mídia e os “midiotas”, os movimentos
sociais demonstraram maturidade e unidade e organizaram gigantescos atos contra
o golpismo e em defesa da democracia.
Mas, como já foi dito, a mídia
monopolista chegou a um ponto de não-retorno. Com o desgaste temporário da tese
do impeachment, ela adota uma nova tática, que consiste em “sangrar” Dilma e
“matar” Lula. Atuando como um partido coeso e centralizado, que lembra a rígida
disciplina militar, ela agora pauta a sua linha editorial no esforço para
desgastar diuturnamente o governo, inclusive jogando no pessimismo e na paralisação
econômica do país, e para evitar o risco do retorno do carismático líder
petista nas eleições presidenciais de 2018. Nesta cruzada insana, a imprensa
nativa bate recordes mundiais de cretinice e imundices. Vale tudo: o tríplex
que não é de Lula, a sítio do amigo, os pedalinhos, o “iate” de latão comprado
por R$ 4 mil pela ex-primeira-dama.
Eduardo Cunha, o correntista
suíço, é poupado pela mídia falsamente moralista e segue com suas tramoias para
evitar a cassação e a prisão. Aécio Neves, o “chato” que recebeu “um terço” do
esquema de propina de Furnas, é tratado como santo. Geraldo Alckmin, o
governador paulista que espanca estudantes e frauda merendas escolares,
desaparece das páginas dos jornais e das telinhas da televisão. A forte
blindagem aos tucanos confirma uma piada que circula pelas redes sociais: basta
se filiar ao PSDB para não ser investigado, julgado, condenado e, muito menos,
preso! Mas o contexto de adversidades não permite brincadeiras. A tática
midiática de “sangrar” Dilma e “matar” Lula tem impacto no imaginário popular e
terá reflexos das próximas contentas eleitorais.
As razões da partidarização da
mídia
O que explica tamanha
radicalização da mídia na sua partidarização direitista? Afinal, os governos
Lula e Dilma não promoveram transformações estruturais no Brasil, não afetaram
os interesses econômicos das elites dominantes. No máximo, eles realizaram um
“reformismo brando”, com alguns avanços sociais e a ampliação da democracia.
Apesar da neurose dos “midiotas”, o país não tem nada de “bolivariano” e, muito
menos, de socialista. Os ricos seguem ganhando muito dinheiro – que o digam os
três filhos de Roberto Marinho, que figuram no topo do ranking da revista
Forbes como os maiores bilionários brasileiros. Eles também mantêm seus privilégios,
suas contas secretas em paraísos fiscais e a sua sonegação criminosa de imposto
– inclusive os barões da mídia.
O ódio visceral dos barões da
mídia têm razões políticas e econômicas. Ele já se manifestou em outros
momentos da história do Brasil – como na cruzada que levou ao suicídio do
“trabalhista” Getúlio Vargas, na campanha contra o “desenvolvimentista” Juscelino
Kubitschek ou no golpe militar que derrubou João Goulart em 1964. A chamada
“grande imprensa” nunca aceitou governos comprometidos com os anseios populares
e com o projeto de desenvolvimento da nação – mesmo os oriundos de dissidências
na burguesia. Ela sempre se comportou como um instrumento partidário da
oligarquia mais reacionária, egoísta e entreguista. Daí sua histórica defesa do
receituário ultraliberal, sua satanização dos movimentos sociais e seu doentio
complexo de vira-lata diante dos EUA.
No caso do ex-presidente Lula, a
este fator político é preciso acrescentar uma razão de classe. Os barões da
mídia nunca toleraram a chegada ao Palácio do Planalto de um retirante
nordestino, peão e líder grevista. Na sua mentalidade escravocrata, o trabalhador
é para trabalhar. Não é para pensar e muito menos para governar um país da
dimensão do Brasil. Para eles, é natural – quase sagrado – que FHC frequente a
mansão de um “amigo” em Paris e seja proprietário de um apartamento de luxo em
Higienópolis; é justo que Aécio Neves use um jatinho oficial para dar carona
para celebridades globais e que até construa um aeroporto na fazenda do seu
tio-avô no interior mineiro. Já o peão não pode ter um apartamento na praia e
nem um pedalinho ou canoa de metal. Já no caso da presidenta Dilma Rousseff, é
preciso acrescentar a questão do machismo – tão presente na sociedade
brasileira deformada pela mídia.
O fator político, porém, não é o
único motivo da imprensa para a sua radicalização partidária. Os barões da
mídia não dão ponto sem nó. Eles seguem com as suas fortunas, alienando os
brasileiros e explorando a mão de obra barata de seus jornalistas – inclusive
daqueles que chamam o patrão de companheiro. Mas eles percebem que seu modelo
de negócios está em declínio, em decorrência da explosão da internet e da
própria perda de credibilidade dos seus veículos. Muitos jornais já faliram ou
tiveram quedas vertiginosas de tiragem. A Folha de S.Paulo, o maior diário do
Brasil, despencou de um milhão para menos de 200 mil exemplares. As revistas
estão em decadência, inclusive a asquerosa “Veja”. As audiências da tevê
derretem a cada dia. No ano passado, por exemplo, a TV Globo perdeu 7% do seu
faturamento em publicidade. Diante deste cenário dramático, a eleição de um
"governo-amigo" seria vital para reerguer o setor!
O que fazer diante do golpismo da
mídia?
Em função da crescente
monopolização do setor, da sua perigosa fascistização e das próprias mutações
em curso na área da comunicação, a questão do papel estratégico da mídia é hoje
um dos temas mais debatidos em todo o planeta. Nos EUA, por exemplo, o
presidente Barack Obama se recusou a dar entrevista a Fox, do “imperador”
Rupert Murdoch, tratada como um “aparelho” do Partido Republicano. No Reino
Unido, a “bolivariana” rainha Elizabeth aprovou uma lei duríssima contra as
calúnias e difamações dos jornais privados. Já na América Latina, os governos
progressistas tiveram que se defrontar com os barões da mídia, que substituíram
os decadentes partidos conservadores nas suas campanhas de desestabilização
política e econômica. A "Ley Resorte" da Venezuela, a “Ley de Medios”
da Argentina e as novas Constituições da Bolívia e do Equador representaram
momentos decisivos desta batalha comunicacional.
Já no Brasil, paraíso dos
banqueiros, dos latifundiários e dos barões da mídia, o debate sobre o tema
está interditado. A legislação que rege o setor é de 1962, antes da existência
do satélite, da tevê a cores ou da internet. Neste longo período, 19 projetos
foram elaborados para regulamentar o setor, inclusive pelos generais e pelo
servil FHC, mas nenhum saiu do papel. A ditadura da mídia se impôs,
esbravejando cinicamente pela liberdade de expressão. Os governos Lula e Dilma
também não enfrentaram as aberrações deste setor e pagam um alto preço pela
falta de coragem política. Na atual correlação de forças do Congresso Nacional
– dominado pelas bancadas da bala e da bíblia, filhas pródigas dos monopólios
midiáticos –, o debate sobre o tema ficou ainda mais difícil.
Mas o balanço da correlação de
forças nunca deve servir para o acovardamento político, mas sim para a análise
concreta da situação concreta e para definir as melhores estratégias de
superação das adversidades. Com a mídia cada vez mais monopolizada e
partidarizada não é apenas o governo Dilma que corre riscos; não é somente o
ex-presidente Lula que sofre a desconstrução do seu legado. É a própria
democracia que está em perigo; é o projeto de soberania e desenvolvimento que
fica contido; é a luta dos trabalhadores pela superação da barbárie capitalista
que esbarra em obstáculos intransponíveis. A batalha pela democratização da
comunicação é hoje estratégica e não pode ser subestimada. E ela se dá em duas
frentes, que se articulam e se complementam.
A primeira é por mudanças na
legislação e nas políticas públicas que fragilizem os monopólios midiáticos e
estimulem maior pluralidade e diversidades nos meios. A proposta da “lei da
mídia democrática”, elaborada pelo Fórum Nacional de Democratização da
Comunicação (FNDC), que congrega os principais movimentos sociais brasileiros,
segue na ordem do dia. É uma bandeira de propaganda política que serve para
pressionar o governo e o parlamento. Como fruto desta mobilização é possível
conquistar, inclusive, algumas vitórias parciais. A lei do direito de resposta,
aprovada pelo Senado e sancionada por Dilma, demonstra que isto é possível.
Outras “pequenas” conquistas ajudam a reforçar a luta maior por um novo marco
regulatório das comunicações no Brasil.
Ao mesmo tempo, é urgente
fortalecer todos os veículos da mídia contra-hegemônica. Das rádios e tevês
comunitárias, que continuam sendo perseguidas pelos poderes públicos, ao
sistema público de comunicação e às novas formas de comunicação da era da
internet. A imprensa sindical, com seus milhões de exemplares, a assessoria dos
mandatos parlamentares, com sua estrutura mais profissional, e as centenas de
blogs, sites progressistas e redes sociais jogam papel decisivo na atualidade
no enfrentamento à mídia golpista. Eles não podem ser encarados como gastos,
mas sim como investimentos na batalha de ideias, na luta pela hegemonia na
sociedade. Os desafios estão lançados e são urgentes!
* Contribuição apresentada à
bancada do PCdoB na Câmara Federal.
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