Privatizações. Código de
Mineração devastador. Lei “antiterror”. Maioridade penal. Saiba o que
parlamentares querem impor à sociedade este ano – para resistir melhor
Por Carlos Eduardo, no Congresso
em Notas // http://outraspalavras.net/
Inicia-se a sessão legislativa de
2016. Neste primeiro CEN do ano, apresentamos um olhar sobre o legado da
atividade legislativa de 2015. Dada a composição conservadora do Congresso
resultante das últimas eleições, era de se esperar que no ano passado os direitos
sociais e de minorias sofressem vários retrocessos. Contudo, o cenário
legislativo não apresentou tantos resultados conservadores quanto se havia
imaginado inicialmente. De modo geral, as pautas contra direitos avançaram, mas
não chegaram à aprovação final.
Parte das propostas de ajuste
fiscal que vieram do Governo foram aprovadas, muitas delas criticadas por
sindicatos e movimentos sociais por colocarem a conta da crise no colo do
trabalhador. Além disso, mesmo no contexto de cortes, por pressão da bancada
evangélica foram anistiadas as multas aplicadas pela Receita Federal a
instituições religiosas, aumentando também o rol de isenções fiscais a essas
instituições. Por fim, foi aprovada a transformação do homicídio de policiais
em crime hediondo, ao passo que o projeto que implicaria na investigação
obrigatória das mortes causadas por policiais nem foi votado.
O financiamento empresarial de
campanhas é um caso à parte. Apesar das intensas manobras de Eduardo Cunha para
constitucionalizar a prática, o STF julgou inconstitucional esse tipo de
doação, por entender que a soberania política pertence ao povo — aos
indivíduos, cidadãos — e não às empresas. O Congresso ainda aprovou lei
posterior prevendo a possibilidade desta prática, mas ela foi vetada por Dilma.
Assim, as eleições de 2016 serão um marco histórico, pois os candidatos não
contarão com recursos de pessoas jurídicas.
A maior parte das pautas
conservadoras ainda tramita. Foram aprovados nas comissões, mas ainda estão
pendentes de deliberação pelo Plenário da Câmara, o Estatuto da Família, o PL
5069, de autoria de Eduardo Cunha que tipifica como crime contra a vida o
anúncio de meio abortivo e prevê penas específicas para quem induz a gestante à
prática de aborto, a revogação do Estatuto do Desarmamento, a PEC 215, que
retira do Executivo a exclusividade de demarcar terras indígenas, e a PEC 99,
que estende a associações religiosas o poder de propor ações de
inconstitucionalidade e ações declaratórias de constitucionalidade ao Supremo
Tribunal Federal. Foram aprovadas pela Câmara, mas ainda estão paradas no
Senado, a redução da maioridade penal, a terceirização das atividades fim e a
restrição da rotulagem de transgênicos. A proposição que está mais próxima de
ser aprovada, dependendo só da última palavra da Câmara, é a Lei
Antiterrorismo, de iniciativa do Executivo, patrocinada sobretudo pelo
ex-Ministro Joaquim Levy e pelo Ministro José Eduardo Cardozo.
Portanto, ao lado da disputa
sobre o impeachment e sobre a permanência de Eduardo Cunha como Presidente da
Câmara, esses projetos ainda tramitando significam que o ano legislativo de
2016 promete ser intenso. A seguir, notas sobre algumas das principais pautas.
ESTATUTO DA FAMÍLIA
Foi aprovada por Comissão
Especial — composta principalmente por deputados evangélicos e católicos
carismáticos — a proposta que retira os casais homoafetivos do conceito de
família. O PL iria direto ao Senado não fosse recurso interposto pela Deputada
Érika Kokay (PT-DF) e pelo Deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ). O Estatuto seguiu
para apreciação pelo Plenário da Câmara.
RESTRIÇÃO AO ATENDIMENTO DE
VÍTIMAS DE ESTUPRO – PL 5069
A CCJC da Câmara aprovou o
projeto de autoria do Deputado Eduardo Cunha que altera regras sobre o
tratamento legal dado a casos de aborto. O texto aprovado criminaliza quem
instiga ao aborto ou quem preste qualquer auxílio ou até mesmo orientação a
mulheres para interrupção da gravidez. No caso de estupro o aborto só será
permitido com exame de corpo delito. O projeto ainda prevê que “nenhum
profissional de saúde ou instituição, em nenhum caso, poderá ser obrigado a
aconselhar, receitar ou administrar procedimento ou medicamento que considere
abortivo”. Ou seja, o profissional de saúde não é obrigado a dar as devidas
orientações para uma vítima caso ele ou ela considere que pílula do dia
seguinte é abortiva ou que aborto em caso de estupro não é adequado. A proposta
seguiu para apreciação pelo Plenário da Câmara. Na resistência, destaque para
atuação das Deputadas Érika Kokay (PT-DF) e Maria do Rosário (PT-RS).
ARMAMENTO
Comissão especial aprovou o que
significa na prática a revogação do Estatuto do Desarmamento. O porte de armas,
hoje restrito a policiais e determinadas autoridades como juízes, poderá ser
conferido a qualquer pessoa com requisitos mínimos. O projeto seguiu para
apreciação pelo Plenário da Câmara. Destaque para a atuação dos Deputados
Alessandro Molon (REDE-RJ) e Ivan Valente (PSOL-RJ) na oposição ao projeto.
DEMARCAÇÕES
Depois de 15 anos tramitando na
Câmara, a bancada ruralista conseguiu aprovar na comissão especial a PEC 215.
Inicialmente a PEC previa simplesmente a competência do legislativo para
demarcar terras — o que já impossibilitaria, na prática, futuras demarcações. A
versão aprovada é ainda pior. Transforma as terras tradicionais em equivalentes
a outra propriedade rural: podem ser arrendadas, divididas e permutadas e ainda
receber empreendimentos econômicos. Isso permite a investida de empreendimentos
econômicos sobre terras indígenas homologadas, acabando com a noção de
tradicionalidade. A PEC estende o “marco temporal” (necessidade de os indígenas
estarem sobre a terra tradicional em outubro de 1988) também às comunidades
quilombolas. Ou seja, é danosa também para esses povos tradicionais. A PEC
seguiu para apreciação pelo Plenário da Câmara.
Como continuidade do esforço
contra as demarcações, iniciou-se no ano passado, promovida pela bancada
ruralista, a CPI sobre a FUNAI e o INCRA.
RELIGIÃO – PEC 99
Foi aprovada por comissão
especial a proposta que diz que as associações religiosas podem ajuizar ações
de inconstitucionalidade perante o STF — hoje são legitimadas autoridades
públicas e entidades representativas como sindicatos. O autor da proposta é o
Deputado João Campos (PSDB-GO), da bancada evangélica, e o relator é o Deputado
Bonifácio de Andrada (PSDB-MG), católico. A PEC agora precisa ser apreciada
pelo Plenário da Câmara.
LEI ANTITERRORISMO
A proposta, de autoria do
Executivo, cria o crime de terrorismo no Brasil. Ela está trancando a pauta do
Plenário da Câmara (é o quinto item), que decidirá qual texto prevalece: o do
Senado ou o aprovado pelos Deputados. Dos 193 países da ONU só 18 tipificaram o
terrorismo — todos vítimas de algum ataque. A maioria dos países tem
instrumentos legais para combater o financiamento das organizações
internacionais, mecanismos que o Brasil já tem previstos na Lei de Organizações
Criminosas. Noventa entidades da sociedade civil apresentaram manifesto contra
a tipificação do terrorismo. O Conselho Nacional de Direitos Humanos aprovou
Resolução sobre o tema, pedindo que o projeto fosse arquivado. Quatro relatores
especiais da ONU também expressaram preocupação quanto ao projeto de lei
brasileiro. O Senador Lindbergh Farias (PT-RJ) e os Deputados Wadih Damous
(PT-RJ) e Paulo Pimenta (PT-RS) têm se manifestado contra a proposta.
MINERAÇÃO
O Código de Mineração é objeto de
questionamento de movimentos sociais — cujos ativistas chegaram a ser presos
por dias por se manifestarem contra ele na Câmara. O Presidente Deputado
Eduardo Cunha chegou a anunciar que colocaria em pauta a proposta, que ainda
não passou pela comissão especial, mas que pode chegar ao Plenário pelo atalho
do regime de urgência. O projeto vai ao sentido contrário das necessidades
indicadas pelo desastre de Mariana. Na opinião dos movimentos sociais ligados à
temática, o código antes incentiva que regula a mineração.
A outra “resposta” à Mariana é o
“fast track ambiental” — PLS 654/2015, do Senador Romero Jucá. O PL foi
aprovado pela Comissão de Desenvolvimento Nacional do Senado. A proposta
simplifica o licenciamento ambiental, inclusive para obras de mineração.
Depende agora de deliberação do Plenário do Senado.
AUTOS DE RESISTÊNCIA
O projeto, que obriga a
investigação de mortes causadas por policiais — hoje rotuladas na maioria das
vezes como decorrentes de resistência da vítima — está pronto para ser votado
pelo Plenário da Câmara desde 2014. (Já o projeto que previa a transformação do
homicídio de policiais em crimes hediondos transformou-se em Lei em 2015.)
O Executivo publicou, em janeiro
de 2016, Decreto que obriga a investigação dessas mortes. O avanço é
expressivo. Mesmo assim o autor do PL, Deputado Paulo Teixeira (PT-SP), defende
a necessidade de aprovação da lei, que prevê, além do inquérito obrigatório,
que “a vítima não seja classificada como resistente à intervenção policial, mas
sim, tratada de maneira isenta antes de qualquer investigação”.
REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL
Depois de acirradíssimo embate,
foi aprovada pelo Plenário da Câmara a redução da maioridade penal, de 18 para
16 anos, nos casos de crimes hediondos (como latrocínio e estupro), homicídio
doloso e lesão corporal seguida de morte. O resultado foi produto de uma
negociação. Havia os que defendiam o fim de qualquer idade penal, até os que
eram contra qualquer mudança na Constituição. As bancadas evangélica e da
segurança pública foram protagonistas na proposta de redução. A PEC,
apresentada em 1993, seguiu para o Senado.
TERCEIRIZAÇÃO
A Câmara aprovou a flexibilização
da lei trabalhista. O projeto permite a terceirização das atividades-fim, e não
apenas limpeza, segurança e outras atividades-meio, como atualmente. O PL
seguiu ao Senado. É a maior investida da história contra o legado varguista. PT
e PC do B lideraram as principais críticas ao projeto.
ROTULAGEM DE TRANSGÊNICOS
A Câmara aprovou o fim da
exigência do símbolo “T” nos produtos que contém transgênicos. O autor do PL,
Luiz Carlos Heinze (PP-RS), é o mesmo que declarou que “quilombolas, índios,
gays, lésbicas” são “tudo que não presta”. Na resistência ao projeto,
parlamentares como o deputado Padre João (PT-MG) e Sarney Filho (PV-MS). A
proposta seguiu para o Senado.
TRABALHO ESCRAVO
O Plenário do Senado chegou a
aprovar regime de urgência para o projeto que regulamenta a emenda
constitucional do trabalho escravo. A nova regulamentação proposta é vista como
retrocesso pelos órgãos que lutam contra o trabalho escravo, pois inviabiliza a
atuação dos fiscais do Ministério Público do Trabalho no combate ao crime. Mas,
após audiência pública da Comissão de Direitos Humanos e Legislação
Participativa, a proposta voltou à Comissão de Constituição e Justiça do Senado
para ser debatida de modo mais aprofundado.
REDUÇÃO DA IDADE DE TRABALHO
Está pendente de deliberação a
apreciação a PEC de autoria do Deputado Dirceu Sperafico (PP-PR), que pretende
autorizar o trabalho a partir dos 14 anos (hoje a idade mínima é 16). Os
parlamentares Maria do Rosário (PT-RS), Glauber Braga (PSOL-RJ) e Chico Alencar
(PSOL-RJ) destacam-se na resistência à proposta.
PRIVATIZAÇÕES
Depende de deliberação do
Plenário do Senado proposta do Senador José Serra (PSDB-SP) que acaba com a
obrigatoriedade de que Petrobrás atue com participação mínima de 30% nas
operações do pré-sal. Também está na ordem do dia do Senado o projeto de
“responsabilidade das estatais” (que faz parte da Agenda Brasil de Renan
Calheiros). Pela proposta, empresas públicas como a Caixa podem ter parte de
seu capital vendido e se transformar em sociedades de economia mista.
EDUARDO CUNHA
Em sua oitava sessão, o Conselho
de Ética pôde finalmente votar a admissibilidade da representação contra
Eduardo Cunha, promovida por REDE e PSOL e apoiada por deputados do PT, PC do B
e outros. Cunha se recusou a receber, no dia marcado, a notificação da admissibilidade.
Ele ainda recorreu à CCJ, para anulação de todo o processo desde a escolha do
relator. O Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, pediu o afastamento de
Eduardo Cunha do cargo de Presidente da Câmara — com argumentos que poderiam
inclusive justificar sua prisão, diante da novíssima jurisprudência segundo a
qual parlamentares podem ser presos preventivamente. O Supremo deve julgar seu
afastamento ainda em fevereiro.
IMPEACHMENT
O imbróglio segue, mesmo após a
decisão do STF que derrubou o rito estabelecido por Eduardo Cunha para o
processo do impeachment.
O Deputado Mendonça Filho
(DEM/PE), líder do seu partido, apresentou projeto que modifica o Regimento
Interno, permitindo a disputa de chapas na eleição da comissão especial para
procedimento de impeachment. A decisão do Supremo havia proibido chapa avulsa
por entender que isto viola a proporcionalidade partidária.
A Câmara apresentou ontem (01/02)
recurso contra a decisão do Supremo, questionando a proibição de chapa avulsa e
de votação secreta para eleição de comissão especial e os outros pontos do
julgamento. Segundo anunciou Eduardo Cunha à imprensa, não ocorrerá eleição de
nenhuma comissão permanente da Câmara até que o STF esclareça sua decisão.
O relator das contas de 2014 na
Comissão Mista de Orçamento (CMO), Senador Acir Gurgacz (PDT-RO), apresentou
parecer pela aprovação com ressalva. O TCU havia recomendado rejeição. As
contas do exercício de 2014 são o principal fundamento de mérito do impeachment.
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